Jean
de Léry
(1880) ficou encantado com a
higiene infantil e doméstica dos indígenas. Contrasta-a
com a dos europeus. E conclui pela superioridade do processo
americano. O menino crescia livre de fraldas, cueiros e panos que lhe
dificultasse os movimentos. Mas não implicava essa liberdade
em descuido das mães. Sua limpeza e asseio impressionaram o
observador francês.
Ao
punho da rede os indígenas
associavam as primeiras cerimônias em torno do nascimento do
filho: aí penduravam, no caso de ser macho o recém-nascido,
um arco com flechas e “molhos d'ervas”. Através da
infância continuavam as medidas preventivas da criança
contra as influências malignas: “têm muitos agouros,
porque lhes põem algodão sobre a cabeça, perna
de pássaros e paus, deitão-nos sobre as palmas das
mãos, e roção-nos por ella para que cresção”.
O corpo era pintado de urucu ou
jenipapo: os beiços, o septo, as orelhas perfuradas; batoques,
fusos, penas enfiadas nesses orifícios, dentes de animais
pendurados ao pescoço. Tudo para defigurar, mutilar a criança,
com o fim de torná-las repulsiva aos espirítos maus,
guardá-las do mau-olhado e das más influências.
Algumas dessas preocupações
profiláticas, disfarçadas às vezes ou
confundidas com motivos decorativos e devotos, permanecem em torno da
criança brasileira. No norte ainda é comum ver meninos
cheios de tetéias penduradas ao pescoço – dentes de
animais, figas de madeira ou de ouro, bentos e medalhas católicas,
mechas de cabelo. Aliás o costume, entre as famílias
mais devotamente católicas do norte e do centro do Brasil, de
ofertar os cachos ou a cabeleira do menino, quando atingida a idade
de cortar-lhe o cabelo rente, à imagem do Senhor dos Passos ou
do Senhor Morto, talvez sobreviva aquele receio ameríndio do
cabelo, dos dentes ou das unhas do indivíduo, principalmente
da criança, servirem de objeto a práticas de feitiçaria
ou de magia. Que melhor meio de evitar semelhante risco que o de
oferecer ao próprio Jesus o cabelo da criança?
Além
dos cuidados de ordem material que são dispensados à criança
há outros, de ordem espiritual que poderíamos chamar de ritos
protetivos: no caso de qualquer doencinha, soluço, quebranto, mau
olhado, imediatamente a mãe corre procurando a “benzinheira” ou
ela mesma executa certas práticas simpáticas capazes de debelar
o mal. Ritos protetivos que acompanham a criança até adulto,
porque ai nessa fase da vida vai praticar os ritos produtivos.
Dentre
os ritos protetivos mais comuns se destaca o benzimento que é feito
por uma “benzinheira”. Esta, em geral, é a própria parteira,
a “assistente” que os executa. Aliás, há muitas práticas
que são observadas porque as “assistentes”, já ao penetrarem
na casa, as vem executando: meizinhas, chás, óleos bentos,
gotas de água benta que se vai buscar na igreja, são os remédios
eficazes para os males infantis. Há um cego pedinte de feira, que
é o mais procurado benzedor de crianças que estejam com bichas
assustadas. As mães sempre alertas para evitar os males da primeira
infância: “mau olhado”, “ventre caído”, “mal dos sete dias”,
olhado nas tripas”, “ar do tempo”, etc., aliás, doenças todas
curadas por meio de simpatias, rezas, etc.
O Umbigo
O
umbigo é cortado tendo como medida dois dedos, amarrando-se duas
vezes com cordão unto. O cordão é encerrado, passado
no sebo de carneiro. Em seguida limpa-se bem, com um algodão
colocando-se
talco sem perfume, talco Ross como faziam também antigamente.
A
tesoura que foi utilizada para cortar o umbigo costumam colocar debaixo
da cama. Ou fica espetada, aberta num rolo de fio que deve ser colocado
à cabeça da criança na cama. Isto impede que a criança
sofra complicações no umbigo. Este após ter caído
costuma-se enterrar na porteira do curral (para ter sorte na fazenda
com
plantação ou gado), na igreja (para ser religioso) ou lançado
ao rio (para ter sorte nas cousas ligadas ao rio).
O
umbigo é tratado com óleo de amêndoa. Após ter
caído usa-se a canela em pó. Hoje usa-se também o
Anaseptil. O paninho usado deve ser lavado anteriormente e passado.
Depois
com o auxílio de uma vela, faz-se um furo no centro a fim de colocar,
através dele, o umbigo. Antigamente usava-se o óleo bento
que se ia buscar na igreja.
O
cordão utilizado hoje é comprado na farmácia. Antes
tomava-se um cordão enrolando-o a fim de que ficasse mais forte,
mais resistente.
Cuidado
com o rato porque diz o povo, caso este roa, a criança se tornará
ladra. Assim quando uma pessoa é presa por roubo logo dizem “o rato
roeu o umbigo dele”.
Na
época colonial, o bebê
tinha seu corpo enfaixado e a cabeça modelada a fim de ganhar
uma forma mais agradável. Entre os descendentes de africanos e
entre algumas tribos indígenas, achatavam-se os narizes dos
pequeninos para atender a critérios de estética. Em
certas regiões da colônia, as mães secavam os
umbigos com pimenta e óleo de rícino. Em outras, elas
tratavam com “uns paninhos de linho fino”. Mais tarde os paninhos
seriam substituídos por “óleo de amêndoas doces
ou azeite”, e, ao cair o umbigo, pulverizavam com “pó de
murta ou casca de romã até fazer uma cicatriz
perfeita”. Para fortificar a cabeça da criança,
usava-se a “estopada”: “um cataplasma que é mistura de
um ovo com vinho na qual se ensopa uma estriga de linho e com ela se
cobre a cabeça, atando-a por um lencinho”.
Da Metrópole vinham sugestões
de que o “vestuário do mínimo” e compunha apenas de
“uma camisinha, um roupãozinho de lã ou fustão,
uma touquinha de seda branca e macia de ser atada”. Enquanto a
criança não andasse , “escusava calçado”.
Além do leite de peito considerado pelos médicos
“extremado remédio”, era comum engrossarem-se os alimentos
das crianças com farinha, ou ainda dar-lhes “alimentos
grosseiros tirados da própria comida”, como ocorria
sobretudo entre as africanas.
Uma rede imaginária cercava a
pequena criança de perigos. Acreditava-se que as bruxas tinham
poder de atrofiar os recém-nascidos por malefícios,
pois “elas chupam o sangue dos mínimos”, não
convindo, portanto, deixá-los a sós, à noite.
Para protegê-los, cabia defumar a casa e a cama, e espalhar
arruda e hipericão entre os lençóis. Os cômodos
deviam ser lavados com verbenas e com a mesma água borrifavam
as crianças. Misturando o sacro e o profano, recomendava-se
aos pais que se armassem com “os antídotos da igreja, a
saber, relíquias, orações que estas são
mais certas e seguras que outras que trazem os autores para afugentar
os bruxos”. Na cama dos pequeninos cabia pendurar “cabeça
e língua de cobra” e, pela casa, espalhar o fel da mesma. As
mães reconheciam o enfeitiçamento por “medos e
tremores amiúde, choros repetidos, tristeza de aspecto,
mudanças de cor, repugnância em mamar, vergões ou
nódoas em algumas partes”. Na dúvida, existiam
algumas maneiras de reconhecer se havia “quebranto” sobre a
criança. Bastava tomar “um vaso cheio de água e posto
debaixo dos cueiros e faixas dos mínimos ou dos berços
e metendo-lhe dentro um ovo, e se este andar nadando é certo
haver quebranto”.
Amamentação
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De
Portugal transmitira-se ao Brasil o
costume das mães ricas não amamentarem os filhos,
confiando-os ao peito de saloias ou escravas. Júlio Dantas,
nos seus estudos sobre o século XVIII em Portugal, registra o
fato: “o precioso leite materno era quase sempre substituído
pelo leite mercenário das amas”. O que atribui à
moda. Com relação ao Brasil, seria absurdo atribuir-se
à moda a aparente falta de ternura materna da parte das
grandes senhoras. O que houve, entre nós, foi impossibilidade
física das mães de atenderem a esse primeiro dever de
maternidade. Elas se casavam todas antes do tempo; algumas
fisicamente incapazes de ser mães em toda a plenitude.
Casadas, sucediam-se nelas os partos. Um filho atrás do outro.
Um doloroso e contínuo esforço de multiplicação.
Filhos muitas vezes nascidos mortos – anjos que iam logo enterrar
em caixõezinhos azuis. Outros que se salvaram da morte por
milagre. Mas todos deixando as mães uns mulambos de gente.
Deve-se
atribuir a importância,
em nossa organização doméstica, da escrava
ama-de-leite, chamada da senzala à casa-grande para ajudar
franzinas mães de quinze anos a criarem os filhos. A tradição
brasileira não admite dúvida: para ama-de-leite não
há como a negra.
Ilustração da capa de Casa-Grande
& Senzala em quadrinhos
/ Gilberto Freyre; desenhos de Ivan Wasth Rodrigues;
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