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Infância

Estava longe o culumin de ser o menino livre imaginado por J.J. Rousseau: criado sem medo nem superstições. Tanto quanto os civilizados, vamos encontrar entre os indígenas numerosas abusões em vota da criança: umas profiláticas, correspondendo a receio por parte dos pais de espírito ou influências malignas; outras pedagógicas, visando orientar o menino no sentido do comportamento tradicional da tribo ou sujeitá-lo indiretamente à autoridade dos grandes.

O bicho papão

O trabalho, hoje clássico, de Alexander Francis Chamberlain acerca da criança na cultura primitiva e no folclore das culturas históricas, indica ser o papão complexo generalizado entre todas elas; e quase sempre, ao que parece, com fim moralizador ou pedagógico. Entre antigo hebreus era o Libith, monstro cabeludo e horrendo que voava de noite em busca de crianças; entre os gregos as Strigalai, umas velhas feiíssimas, roubavam 

Flecheiros
Xaé e Arixihú, excelentes flecheiros
meninos; entre os romanos a Caprimulgus saía de noite para tirar leite de cabra e comer menino – talvez a avó remota da cabra-cabriola – enquanto de dia dominava nos matos o espírito mau da floresta, Silvanus. Entre os russos é um horroroso papão, que à meia-noite vem roubar as crianças em pleno sono; entre os alemães, é o Papenz; entre os escoceses e os ingleses, o Boo Man, o Bogle Man. 

Os primeiros cronistas do Canadá falam num horrível monstro, terror das crianças entre os aborígenas; entre os Maia havia a crença em gigantes que de noite vinham roubar menino – os balams, o culcalkin. E entre os indígenas Gaulala, da Califórnia, Powers foi encontrar danças do diabo, que comparou às Haberfeld Ireiber da Bavária – instituição para amedrontar as mulheres e as crianças e conservá-las em ordem. Eram danças em que aparecia uma figura horrenda: “an ugly apparition”. Na cabeça uma pele de urso, nas costas um manto de penas, o peito listrado como uma zebra.

Danças semelhantes de “diabo” - ou Jurupari – havia entre os indígenas do Brasil; e com o mesmo fim de amedrontar as mulheres e as crianças e conservá-las em boa ordem.
Os jesuítas conservaram danças indígenas de meninos, fazendo entrar nelas uma figura cômica de diabo, evidentemente com o fim de desprestigiar pelo ridículo o complexo Jurupari. Desprestigiados o Jurupari, as máscaras e os maracás sagrados, estava destruido entre os indígenas um dos seus meios mais fortes de controle social: e vitorioso, até certo ponto, o cristianismo. Permanecerá, entretanto, nos descendentes dos indígenas o resíduo de todo aquele seu animismo e totemismo. Sob formas católicas, superficialmente adotadas, prolongaram-se até hoje essas tendências totêmicas na cultura brasileira. São sobrevivências fáceis de identificar, uma vez raspado o verniz de dissimulação ou simulação européia: e onde muito se acusam é em jogos e brinquedos de crianças com imitação de animais – animais verdadeiros ou vagos, imaginários, demoníacos. Também nas histórias e contos de bichos – de uma fascinação especial para a criança brasileira.
O menino brasileiro do que tem medo não é tanto de nenhum bicho em particular, como do bicho em geral, um bicho que não se sabe bem qual seja, um bicho místico, horroroso, indefinível; talvez o carrapatu. Ainda hoje se ninam os meninozinhos do norte:

“Durma, durma, meu filhinho,
Lá no mato tem um bicho
Chamado carrapatu”.

Talvez o bupupiara; ou o macobeba, nome e concepção que um amigo recolheu há alguns anos de uma criança de Barreiros, no Estado de Pernambuco. Quase toda criança brasileira, mais inventiva ou imaginosa, cria o seu macobeba, baseado nesse pavor vago, mas enorme, não de nenhum bicho em particular – nem de cobra, nem de onça, nem de capivara – mas de bicho – do bicho tutu, do bicho carrapatu, do zumbi: em última análise, do Jurupari. Medo que nos comunica o fato de estarmos ainda tão próximos da mata viva e virgem e de sobreviver em nós, diminuído mas não destruido, o animismo indígena.

Na época do engenho os meninos tinham uma primeira infância cheio de dengos, de agrados, agarrados com as mucamas e as mães; de banhos mornos dados pela negra; de mimo; de cafuné por mão da mulata; de leite mamado no peito da negra às vezes até depois da idade da mama; da farofa ou pirão com carne comida na mão gorda da mãe-preta; de pereba coçada por mulata; de bicho-se-pé tirado pela negra, de sonos dormidos em colo da mucama.
Mimos que em certos casos prolongavam-se pela segunda infância. Sem dormir sozinho, mas na cama-de-vento da mucama. Sempre dentro de casa brincando de padre, de batizado e de pais das bonecas das irmãs. Criados com tanto cautela que qualquer ar os constipa, qualquer solzinho lhes causa febre... Amolegados por tantos mimos e resguardos da mãe e das negras. Por outro lado, houve mulequinhos da senzala criados nas casas-grandes com os mesmos afagos e resguardos de meninos brancos. Crianças de todas as idades e de todas as cores comendo e brincando por dentro da casa-grande; e tão carinhosamente tratadas como se fossem da família.
Tanto o excesso de mimo de mulher na criação dos meninos e até dos mulatinhos, como o extremo oposto – a liberdade para os meninos brancos cedo vadiarem com os muleques safados na bagaceira, deflorarem negrinhas, emprenharem escravas, abusarem de animais – constituíram vícios de educação, talvez inseparáveis regime de economia escravocrata, dentro do qual o Brasil se formou.

Mimos

Registros de Alceu Maynard Araújo na comunidade de Piaçabuçu, na região Nordeste do Brasil, por volta de 1950:

É a mãe também que lhes põe, nas horas de choro impertinente, a chupeta, formando um dos hábitos mais generalizados da região. Às vezes, criança de seis anos, ainda usa chupetas ou como comumente dizem – bico.

Acalantos

Ao anoitecer, após a refeição, quer na casa do rico, onde a mãe embala com o filho no regaço, na macia rede, ou na casa do pobre, onde sentada sobre a esteira, aconchegando a criança, sussurra um dorme-nenê, é o acalanto dolente, monótono que faz cerrar as pálpebras. Eis os acalantos mais comuns desta região:...

Á... á... á
Nenê qué apanhá
É... é... é
O Nenê é um bebê
Boi, boi
Boi do meu coração
Pegue o nenê
Qu’ele não qué dormi não.
Á... á... á
Nenê qué apanhá
É... é... é
O Nenê é um bebê
Boi de cara preta
Pegue o nenê
Quando chora faz careta.
Á... á... á
Nenê qué apanhá
É... é... é
O Nenê é um bebê
Dorme, dorme nenê
Qu’eu tenho que fazê
Nenê que não dorme
Gatinho vem comê
u... u... u...
Nenê vá dormir...
Á... á... á
Suzana qué apanha
É... é... é
A Suzana é um bebê
Chô... chô pavão
De cima do telhado
Deixe a Suzana
Dormi o sono sossegado.

 

...
Nestes quatro “dorme-nenê”, estão presentes os bichos que produzem o medo as crianças: o pavão, o boi e o gato. Nestes outros dois acalantos de uma suavidade sem par, embalam e não aterrorizam, porque não há mitos da angústia infantil embora haja uma promessa de apanhar...
...
Dorme filhinho
Qu’eu tenho o que fazê
Vô lavá e gomá
Camisinha pra você
a... a... a...
filhinho qué apanhá
i... i... i...
filhinho vá dormir
Nossa Sinhora
Na bêra do rio
Lavava os paninhos
Do seu bento filio
Ela lavava
São José esprimia
Chorava o menino
Do frio que fazia.

Quando as crianças, já maiores porém ainda com poucos anos de idade, povoam-lhes as mentes com os mitos da angústia infantil, ora é o ratão que mora lá em cima do telhado, é o bicho que vem do rio, a bruxa que chupa o sangue, etc. Malvina disse que, quando seus filhos não querem se alimentar ou dormir, ela os ameaça de chamar um ratão que virá comê-los. Este ratão mora em cima do telhado.

Infância: fase das primeiras descobertas, das brincadeiras, dos primeiros amigos, dos contos de fadas.
"A criança não está no mundo apenas para tornar-se adulto, mas também, e principalmente, para poder ela mesma ser uma criança e, como criança, uma parte da humanidade". (Guardini)




Fonte : Casa Grande e Senzala / Gilberto Freyre - São Paulo: Círculo do Livro S. A., s/ data.
Foto dos culumins flecheiros in Diários Índios: Os Urubus-Kaapor / Darcy Ribeiro. - São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
Ilustração da mucama com bebê
de Ivan Wasth Rodrigues in Casa-Grande & Senzala em quadrinhos / Gilberto Freyre. - Rio de Janeiro: Ed. Brasil-América, 1985


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