O
namoro,
além de ser encarado como a primeira fase do caminho que leva ao
casamento, é para a maioria dos jovens, um passatempo importante.
O rapaz deseja ser visto em público com uma garota que desperte
a admiração por parte dos amigos. Ela, por sua vez, sabe
que o interesse dos rapazes faz com que aumente seu prestígio na
rodinha que freqüenta. A pressão da “turma” é, às
vezes, tão forte que muitos namoram somente para ficar “na onda”.
Os jovens
de nossos dias começam a marcar encontros por volta dos catorze
anos.
Através
do namoro, o rapaz e a moça passam a conhecer as incertezas e os
problemas que afligem o sexo oposto, e começam a conhecer melhor
a si mesmos. Através do convívio com o outro descobrem e
definem a própria identidade.
Á
medida que os flertes, as paqueras, os “namoricos” (ficar) vão se
sucedendo, há a transição para um namoro mais sério.
Passada a fase da “turma”, rapaz e moça começam a selecionar
com mais objetividade seus companheiros. Nessa ocasião pode aparecer
um forte elemento romântico, a paixão. Segue-se, então,
o namoro “firme”, que leva ao compromisso público, o noivado.
|
|
Pretender
o amor ou as boas graças
da mulher é iniciativa dos homens. Pode-se dizer que na
comunidade de Piaçabuçu (~1950) há três
formas distintas de namorar: namoro entre membros da classe
privilegiada, da cidade; entre os destituídos da fortuna,
também da cidade e finalmente entre os moradores do meio rural
e dos pequenos povoados.
No meio rural, ou nos povoados, os
rapazes, aos magotes procuram dar demonstração de
força, para chamar a atenção das moçoilas
sobre eles. Havendo um rancho de moças casadoiras, ficam por
perto alguns rapazes, fazendo alguma proeza física, pequenas
lutas, todas com o fito de chamar a atenção. Se está
próxima a época dos cajus, as namoradas recebem-nos
como presente. Alguns mais tímidos trazem-nos num samburá
e deixam, mesmo no chão; lá a mocinha irá buscar
o presente. Pouco mais tarde, vencida a timidez o presente é
entregue em mãos e a conversação tem início.
A ida à feira para as provisões
semanais ou para venda de produtos, proporciona aos jovens
oportunidade para o namoro. As festas religiosas nos povoados, as
novenas e mesmo os velórios (as sentinelas) dão
oportunidade para o encontro e aproximação dos
namorados.
A festa de Nossa Senhora Mãe dos
Homens é a melhor oportunidade para os namorados e para todos
os membros nubis da comunidade: grande parte da população
se desloca para Feliz Deserto, para buscar a santa, mudando-a da
velha e secular edícula. É por ocasião desta
festa de plenitude que se dá em fins de setembro, após
a colheita do arroz que cerca de 6.000 pessoas se deslocam para o
povoado de Feliz Deserto, distante sete léguas de Piaçabuçu.
Desde as primeiras horas da madrugada começa o movimento de
saída. Grupos de famílias a cavalo ou a pé,
levando farnel, partem.
Quando o sol começa a esquentar
fazem a refeição à sombra dos coqueirais. Chegam
depois em Feliz Deserto, onde irão dormir, ou melhor passar
acordados aquela noite festiva, para noutro dia, pela madrugada,
saírem com santa em procissão, levá-la até
a Matriz de Piaçabuçu. A noite, após a reza,
fica o povo ao redor da igrejinha, distraído nas barracas de
jogo ou rodeando taboleiros onde há de quitutes. Em algumas
casas há bailes, isso dependendo do consentimento do padre:
alguns permitem, outros não. Aquela noite, pelos moradores da
comunidade é chamada de Natal (no sentido de noite festiva), é
a noite dos namorados. Não há canto onde não se
encontrem casais em doce enlevo. Sob os cajueiros, oitizeiros,
amendoeiras, ou deitados na areia, casais conversam, namoram. É
a mais linda noite para os namorados. Quando vai dealbando o dia, vão
ao rio lavar o rosto. É uma algaravia geral. A missa que se
inicia às quatro horas da manhã, termina com a saída
da santa, carregada na charola sobre os ombros dos fiéis, no
longo percurso de sete léguas.
Todos querem carregar. A caminhada é
longa e assim podem satisfazer o desejo, que em geral é
cumprimento de promessas. Os namorados aproveitam para conversar
nesse dia, quando a vigilância dos pais se afrouxa.
Nos pousos para descanso há
refeição, há muita alegria, às vezes um
pouco demasiada porque alguns homens se embriagam. Os rapazes que
conseguiram um cavalo para a jornada, trazem na garupa suas
respectivas namoradas. Dizem os moradores que é por ocasião
dessa festa que acontecem os namoros e casamentos porque às
vezes, alguns mais afoitos se aproveitam dessa festa e é
certo em junho do outro ano, a população cresce, nascem
muitas crianças que são o resultado da noite de natal
dos namorados.
Namoro
na Festa de São Gonçalo
Antigamente
no dia da festa de São
Gonçalo dançava-se dentro das igrejas – costume que
de Portugal comunicou-se ao Brasil. Dançou-se e namorou-se
muito nas igrejas coloniais do Brasil. Representaram-se comédias
de amor. Numa de suas pastorais, recomendava em 1726 aos padres de
Pernambuco dom frei José Fialho, por mercê de Deus e da
Santa Sé Apostólica, bispo de Olinda:
“não consintão que se
fação comedias, colloquios, representações
nem bailes dentro de alguma Egreja, capella, ou seus adros”.
Em Pernambuco parece ter dom frei José
Fialho, clamado em vão, porque em princípio do século
XIX Tollenare soube, no Recife, que ainda se dançava na Igreja
de São Gonçalo de Olinda. Só em 1817 os cônegos
proibiram tais danças “porque
os europeus as censuravam como
indecência indigna do templo de Deus”.
Na Bahia dançava-se dia de São
Gonçalo não só no Convento do Desterro como na
Ermida de Nazaré, na igreja de São Domingos, na do
Amparo, em várias outras. E mesmo depois da proibição
das danças, continuou o namoro nas igrejas. Até nas da
Corte.
No Rio de Janeiro, Max Radiguet ainda
alcançou as moças das melhores famílias
namorando com os rapazes na Capela Imperial. Namorando e tomando
sorvete nas igrejas exatamente como noventa anos depois nas
confeitarias e nas praias.
Como era natural, esses santos,
protetores do amor e da fecundidade entre os homens, tornaram-se
também protetores da agricultura. Com efeito tanto São
João e Nossa Senhora do Ó – às vezes adorada
na imagem duma mulher grávida – são santos amigos dos
lavradores, favorecendo-os ao mesmo tempo que aos amorosos.
A Festa de São Gonçalo do
Amarante a que La Barbinais assitiu na Bahia no século XVIII
surge-nos das páginas do viajante francês com todos os
traços dos antigos festivais pagãos. Festa
evidentemente já influenciada, na Bahia, por elementos
orgiásticos africanos que teria absorvido no Brasil. Mas o
resíduo pagão característico, trouxera-o de
Portugal o colonizador branco no seu cristianismo lírico e
festivo.
|
|