Um
traço, porém, é indiscutivelmente comum a todas: a sua precariedade.
Esta precariedade tanto se revela na massa das construções, quanto na
quantidade de peças existentes nos alojamentos; tanto no reduzido
número de portas e janelas, quanto no baixo custo dos materiais de
construção e até mesmo na pobreza ou na inexistência de decoração. A
precariedade se traduz ainda na concepção, quase que tão somente, da
casa como abrigo sem atender da melhor maneira ao tipo da explotação
agrícola de que o agregado vive. Este traço, persistente na feição de
todas as casas de agregado, é um resultado do nível social inferior de
que esses trabalhadores fazem parte e das inseguras condições
econômicas em que se debatem, tendo sempre como incerto o dia de
amanhã. Do exposto se infere ser a casa do agregado muito mais
geográfica do que resultante do progresso e da civilização. Construída,
de preferência, de acordo com as indicações e restrições da natureza,
ela tem permanecido, com o seu aspecto miserável, na categoria de casa
elementar, segundo a classificação de DEMANGEON.
Uma construção única, quase sempre, abriga tudo o que é necessário à
vida. A ela não chega a força interior que anima os homens no sentido
de uma sempre melhor existência. Construir - disse o eminente geógrafo
- é ordinariamente um ato de confiança no futuro; como para o agregado
este é sempre incerto, a sua construção só poderá ser logicamente
precária. A dependência em que o agregado vive em relação às
influências naturais, sociais e econômicas, pode ser ilustrada mediante
alguns exemplos concretos tomados de certas regiões típicas do país.
Na
Região Sul a floresta de araucária, que pelas influências combinadas do
clima e dos solos, veste o planalto, a partir das proximidades da
cidade sul-rio-grandense de Passo Fundo até o norte do estado do
Paraná, explica a existência da casa de madeira, típica em quase toda a
região considerada. Mesmo na zona dos campos a casa de madeira existe,
pois que nas depressões do terreno, os capões de pinheiros fornecem
para a construção, madeira de qualidade boa, de fácil aproveitamento e
de suficiente provisão. Aí, em Santa Catarina, no planalto frio de São
Joaquim, por exemplo, em contraste com o fazendeiro que levanta
edifícios com tábuas duplas para se proteger dos rigores da temperatura
baixa, o agregado apenas emprega, na construção de sua moradia, tábuas
simples ou achoes de pinheiro. Sujeita-se, destarte, a maior
desconforto devido exclusivamente a imperativos de ordem econômica.
Todo o trabalho, aliás, de edificação e de transporte de materiais, é
feito por si mesmo e com o auxílio dos membros de sua própria família.
Localizada fora dos limites da residência do fazendeiro, a casa do
agregado procura, por economia, os sítios mais bem providos d'água. O
agregado constrói a casa na vizinhança imediata do precioso líquido
devido, mais uma vez, a motivos econômicos. Muitas vezes, em todo o
planalto meridional, a casa comporta duas partes que correspondem,
respectivamente, à sala de refeições e ao dormitório. Estes, por seu
turno, pode encerrar divisões para os filhos conforme o sexo. A casa
passa a ter o aspecto mais de ranchos de posseiros, tendo um único
compartimento, no qual os habitantes cozinham, comem e dormem. Todavia,
quando se trata de um agregado economicamente mais evoluído, a casa
pode compor-se de duas a quatro edificações contíguas, funcionalmente
diferentes. Uma é reservada para sala de refeições e quartos de dormir
e outra para cozinha. Nesta última, a trempe ou o gancho tem a dupla
função de cozinhar os alimentos e de aquecer os habitantes por ocasião
das noites de maior frio. Os demais prédios, quando existem,
destinam-se a guardar apetrechos de montaria, produtos da lavoura de
subsistência e a servir de cocheira e curral. Perto da residência, em
qualquer dos casos, situam-se algumas culturas, entre as quais figura a
do trigo. A casa, finalmente, encontra-se próxima a cercados de paus e
de pedras, podendo-se ver dentro deles certo número de porcos, um a
dois animais de sela e umas cinco vacas leiteiras, no máximo.
Na
região Centro-Oeste, na zona do Pantanal mato-grossense, por exemplo, a
habitação do agregado costuma ter por arcabouço moirões alinhados, um
junto do outro. Outras ocasiões, a casa é de paredes de pau-a-pique
devidamente barreadas, tendo por cobertura palmas de uacuri. Aí a casa
do agregado é sempre rústica e elementar, nada apresentando de
característica. Já no planalto sul de Goiás, na zona integrada pelos
territórios dos municípios de Goiânia, Suçuapara, Anápolis, Silvânia,
Mataúna, Jataí, Morrinhos, Piracanjuba, Rio Verde, Caldas Novas,
Ipameri, Luziânia, Planaltina, etc., além de alguns outros mais para o
norte, como sejam Pirenópolis e Jaraguá, a casa do agregado é quase
sempre do tipo "cochicho", isto é, pouco mais que um rancho. A casa de
adobe existe sem dúvida, porém em menor frequência. Em Mataúna, por
exemplo, a habitação do agregado é usualmente constituída de uma choça
de paredes de paus roliços e ripas de bambu. Estas ripas são revestidas
de uma argamassa, na composição da qual o barro e as fezes de bovinos
participam. A cobertura é de sapé, folhas de coqueiros e capim redondo.
O uso de telhas é raro. Quase sempre não há janelas e quando existem,
estas apresentam-se em número reduzido e com abertura deficiente.
Portas muitas vezes não há. O agregado as substitui por certo número de
paus roliços, os quais pelas extremidades são presos a sulcos abertos
nos batentes, inferior e superior. Crivado de buracos e sem nível
algum, o chão é de terra socada. Como sucede em todo o país, a casa do
agregado em Goiás é construída fora dos limites da residência do
senhorio e forma, com a deste, um contraste não só pelo sitio que ocupa
como, outrossim, pelo fato de não ser de adobe, nem caiada, nem
tampouco coberta de telhas ou assoalhada. Comumente, no sul de Goiás, a
casa do agregado liga-se à do fazendeiro por caminhos que, passando
pela mangueira ou pelo pastinho do engenho, chegam ao local onde se
encontram instalados, na fazenda, o paiol com varanda e o curral ou,
então, ao ponto onde geralmente existe outro curral junto à salgadeira,
dando para o curral do engenho. Ordinariamente, a casa é construída à
beira dos ribeirões, córregos e rios, não só por causa da tirada d'água
de serventia, no fim da qual há sempre um monjolo funcionando, mas
também devido à facilidade com que o agregado pode contar para fechar
os pastos e mangueiras. Procede imitando o fazendeiro que, no
aproveitamento dos cursos d'água, poupa a metade das cercas de arame e
de madeiras, na sua totalidade muito trabalhosas e relativamente de
conservação dispendiosa.
O desenho acima focaliza a casa do
agregado em relação à do fazendeiro do sul de Goiás, vendo-se alguns
pormenores que a descrição escrita propositadamente omite."
|
|