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Inúmeros
são os fatores que concorrem para que esse tipo de habitação rústica se
preservasse. Habitação característica da cultura primitiva dos povos de
que derivou e cujo agrupamento tomou, também, o nome de quilombo,
referindo-se, principalmente, às colônias de negros foragidos, a choça
se impôs como a fórmula mais econômica e acessível às populações pobres
do Nordeste. A causa econômica e social do mocambo revela tanto mais se
considerarmos a sua impropriedade geográfica. MÁRIO
LACERDA DE MELO, em seu interessante ensaio "Pernambuco - Traços da sua
Geografia Humana"
sublinha acertadamente esse aspecto quando faz ver que, pela própria
localização do Recife, que ocupa uma planície pantanosa, essas casas
construídas quase dentro da lama e não apenas em lugares enxutos ou
aterros e inclusive sobre estacas, para preservar-se da umidade,
representam verdadeiro contrassenso, do ponto de vista da função
técnica inerente a essa modalidade de adaptação do homem ao meio, ou
seja uma aberração dos exemplos colhidos alhures pela geografia humana.
A civilização veio ainda mais agravar essa impropriedade, introduzindo
na composição dos materiais empregados na construção dos mocambos, as
folhas de zinco ou de flandres que, pelo superaquecimento, as tornaram
absolutamente inapropriadas ao clima local. Em recente inquérito
oficial os mocambos foram classificados em vários tipos, atendendo à
diversidade dos materiais de construção. O tipo clássico do mocambo,
porém, é o constituído de paredes formadas de terra ou massapê que
reveste uma estrutura de madeira ou ripas (taipa) e de cobertura feita
com palha de coqueiros, capim-açu etc. Algumas vezes são simples
casebres com teto e paredes tão somente de palha. Modernamente, porém,
a diversificação dos materiais tornou-se a regra. Como as habitações
dos morros do Rio de Janeiro, lançou-se mão dos materiais mais
heteróclitos, agregados ao acaso, para formar os tapumes desconjuntados
e irregulares, que lhes conferem caráter utilitário, em prejuízo da
estética. Há os de madeira, com a cobertura de palha ou zinco; há os
com chão de terra batida, tijolo ou cimento. Esses materiais se
alternam formando curiosas combinações diferentes. O tipo original,
porém, o que precedeu a todos os outros é, sem dúvida, o de que nos
fala GILBERTO FREYRE, no seu
magnífico ensaio Mocambos do Nordeste: "Na
sua pureza de habitação vegetal, com os cipós fazendo as vezes de
pregos e as portas feitas da própria palha ou folhas dos tapumes e da
cobertura, o mocambo do litoral do Nordeste, quando construído no seco
e entre coqueiros, exprime aquele primitivismo de cultura de modo
atraente. As aldeias de mocambos desse tipo surgem aos nossos olhos com
uma doçura de povoações de ilhas do Pacífico B as mais romantizadas
pelos viajantes, pelos poetas e até pelos antropologistas".
É ainda o mesmo GILBERTO FREYRE
quem descreve com essas palavras o processo da construção dos dois
tipos mais comuns, de mocambos do litoral do Nordeste: "É
sobre o chão, tanto quanto possível seco, duro e limpo que a arte do
mocambeiro levanta o mocambo. Enfiam-se na terra suportes verticais ou
"enxaiméis" e entre eles fixam-se, para os mocambos de paredes de
barro, ripas, em certas zonas do litoral de pau de mangue. Enchem-se,
então os espaços com barro escuro, preparado de preferência com areia
de rio, no litoral, misturado o barro de mangue. No caso dos mocambos
todos de palha, a melhor construção é de traçado B o da cobertura como
a das portas e janelas. Processo mais artístico e mais delicado".
Quanto à divisão interior a mais simples é aquela cuja planta é representada por um retângulo maior com um menor no centro e para um lado. Este último representa o único quarto, que faz a separação entre a sala e a cozinha, ligadas por um corredor que se lhe opõe. A planta de alguns é, porém, mais complexa, incluindo dois quartos, e ainda com a entrada protegida por um alpendre feito de palha, que prolonga o teto. O tipo mais vulgar de cobertura é o de duas águas. Ocorrem, entretanto, os de três e mesmo quatro águas, este último de preferência em Alagoas, sendo de todos o mais evocativo das choupanas africanas. Não é o mocambo fenômeno exclusivo da paisagem urbana do Recife, embora aí se apresente sua forma mais chocante e típica. Alastra se, entretanto, pelas cidades e os campos nordestinos, modificando se ao sabor das influências ecológicas de cada lugar, quer na composição dos materiais, quer na distribuição e fixação. Assim é que os temos na zona canavieira, para só citar um exemplo, com cobertura tecidas da própria palha de cana, como a demonstrar a prodigiosa capacidade de mimetismo do mocambo. Na área do Recife, que tomamos por modelo, a proliferação do mocambo, segundo resultados da estatística oficial, equivalia, em 1939, a duas vezes o crescimento das casas de alvenaria e taipa, tendo decrescido daí então por efeito de medidas administrativas visando a aperfeiçoar o padrão residencial das populações mais desfavorecidas. Nessa área vemos, portanto, que o problema originariamente étnico cultural do mocambo se complica com as causas de pauperismo e concentração urbana." |
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