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O Concurso do Canto

Era uma vez um imenso banhado, cheio de garças muito brancas, e de canas frágeis balouçantes ao vento, que terminava à borda de um imenso capão do mato, virgem de botas humanas, todo povoado de bichos e aves as mais diversas.
Na última árvore, que fixava alguns passos aquém da lama, no galho mais baixo, morava um canário amarelo, que nunca conhecera gaiola, sendo, talvez, por isto, o seu canto o mais puro e belo da redondeza.
Seus gorjeios eram invejados pelas outras aves do bosque, e suas penas olhadas com admiração, tal a cor e o brilho de que se revestiam.
Certa manhã, celebrava ele o nascer do sol, quando foi abordado por um velho sapo, repelente e sujo, todo salpicado de lama, que o interrompeu. Depois de haverem conversado alguns momentos, o batráquio, conhecedor há longos anos do modo de agir e pensar de todos os habitantes da floresta, enchendo de ar o peito, desafiou o canário amarelo para um concurso de ... canto!
A avezinha sorriu, penalizada de tal presunção, mas concordou, ante a insistência do companheiro.
Para que houvesse justiça no julgamento, foi composta uma banca de onze jurados, e sob proposta do sapo, nove aves canoras fizeram parte do corpo do júri, por entenderem mais de música, sendo completado pela rã, prima em primeiro grau do sapo, e da tartaruga, que eventualmente aparecia pelo charco, para espairecer o espírito.
A notícia da disputa correu como uma bomba, e na data marcada, não havia no local um só lugar vago.

Concurso de Canto
Os galhos das árvores estavam apinhados de pássaros multicores e as apostas eram feitas à larga. Um palrear contínuo vinha do lado dos papagaios, e um louro muito jovem afirmava, jurando por todos os santos, que vira e ouvira o sapo cabalando os votos da tartaruga e da rã, que por um princípio de solidariedade, já que habitavam os três a mesma lama, prometeram, sob palavra de bicho, que haveriam de votar nele.
À hora determinada, foi iniciado o conclave, cabendo por sorte, ao canário, começar a luta.
Dito e feito: pulando para um galho mais alto, seu corpinho amarelo vibrou de entusiasmo. Saudou, primeiro, com trinados fortes, o raiar da aurora, e depois, suavizando o canto, relembrou, com saudade, o ninho onde havia nascido, os prados e as fontes onde brincara tanto; falou, com os olhinhos brilhantes, naquela que roubara seu coração, em uma manhã de março, e terminou reafirmando sua imensa fé no porvir, entre vários chilreados, gorjeios e pipilos.
Quando terminou, uma imensa ovação encheu os ares e todos, entusiasmados, já aclamando o canário como vencedor do certame, gritavam, impacientes:
- O sapo... Agora o sapo! Queremos ouvir o sapo!
Este pulando do barro onde estava, coaxou três vezes, voltando desajeitadamente de onde viera.
Houve um silêncio apalermado, durante alguns segundos. Depois, uma imensa vaia estrondou pelos ares, e os próprios membros do júri demonstravam abertamente seu desagravo, taxando a atuação do sapo de absurda, ofensiva e até nojenta!
Não havia necessidade de reunião de jurados para decisão – pois esta era patente, e por certo já estava tomada. Mas, para respeitar a praxe, de que todos eram amantes, os sábios componentes da douta banca julgadora se recolheram, em conciliábulo atrás de uma grande perobeira, depositando seu voto secreto no oco podre de uma árvore.
A coruja, convidada para fazer a apuração, ajeitando os óculos, leu, depois de alguma excitação:
- Venceu o sapo – nove votos contra dois...
Houve um oh! Desapontado entre a assistência, e todos se recolheram a suas tocas, envergonhados de sua condição de bichos, ante tamanha injustiça.
O sapo, depois de dois pulos de contentamento, correu a recolher as apostas que fizera. Os nove passarinhos, membros do júri, surpresos, desapareceram discretamente.
Um pouco além, cabisbaixas, tartaruga e a rã caminhavam, lado a lado. Na primeira encruzilhada separaram-se sem palavras, tomando, cada um seu rumo. Havia em seus olhares um quê de pesar ou de desconfiança: É que haviam, ambas, votado no canário amarelo...


Fonte : João Régis: O Dia. Curitiba, 19-1-1955 in Antologia Ilustrada do Folclore Brasileiro: Estórias e Lendas de Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro / Seleção e Introdução de Mary Apocalypse – São Paulo: Ed. Edgraf, 1962.
Ilustração: José Lanzellotti


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