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 Pedro Malasartes
Causos

Pedro Malasartes

Sobre Pedro Malasartes

Pedro Malasartes é figura tradicional nos contos populares da Península Ibérica, como exemplo de burlão invencível, astucioso, cínico, inesgotável de expedientes e de enganos, sem escrúpulos e sem remorsos.

Convergem para o ciclo de Malasartes episódios de várias procedências européias, vivendo mesmo nos contos orais dos irmãos Grimm, de Hans Andersen, dos exemplários da Europa de Leste e do Norte. É o tipo feliz de inteligência despudorada e vitoriosa sobre os crédulos, os avarentos, os parvos, orgulhosos, os ricos e os vaidosos, expressões garantidoras da simpatia pelo herói sem caráter.
Em Portugal a mais antiga citação é a cantiga 1132 do Cancioneiro da Vaticana: chegou Payo de maas Artes, datando de fins do séc. XIV. Na Espanha ocorre em vários livros do séc. XVI, aproveitado literariamente, denunciando popularidade total. Na Lozana Andaluza, de Francisco Delicado, 1528, cita-se Pedro de Urdemalas. Tirso de Molina (Dom Gil de las Calzas Verdes, 2.º Ato, cena primeira) compara a heroína a Pedro de Urdemalas. Cervantes de Saavedra escreveu a Comédia Famosa de Pedro de Urdemalas (Madrid, 1615), onde o personagem vence pela arteirice imprevista, embora sem as liberdades morais dos contos populares. Ramón Laval informa que, em meados do séc. XVI, Alonso Jerônimo de Salas Barbadilho publicara a primeira parte do El Sutil Cordovés Pedro de Urdemalas.

Dicionário do Folclore Brasileiro - Câmara Cascudo, Rio de Janeiro: Ediouro Publicações S.A. sem data
De Como Malasartes fez o Urubu Falar

Quando o pai de Pedro Malasartes entregou a alma a Deus, fez-se a partilha dos bens, uma casinha velha, entre os filhos e tocou a Pedro uma das bandeiras da porta da casa, com o que ele ficou muito contente.
Pôs a porta no ombro e saiu pelo mundo. Em caminho viu um bando de urubus sobre um burro morto. Atirou a porta sobre eles e caçou um urubu que ficou com a perna quebrada.
Apanhou-o, pôs a porta às costas e continuou a viagem.
Obra de uma légua ou mais, avistou uma casa de onde saía fumaça, o que queria dizer que estava preparando o jantar.
Pedro Malasartes, que sentia fome, bateu à porta e pediu de comer.
Veio atende-lo uma preta lambisgóia que foi logo dizer à patroa que ali estava um vagabundo, com um urubu e uma porta, a pedir jantar.
A mulher mandou que o despachasse – que a sua casa não era coito de malandros.
O marido estava de viagem e a mulher no seu bem bom a preparar um banquete para quem ela muito bem o destinava. Neste mundo há coisas!
Pedro Malasartes, tão mal recebido que foi, resolveu subir para o telhado, valendo-se da porta que trazia e lhe serviria de escada. Subiu e ficou espreitando o que se passava naquela casa, tanto mais que sentia o cheiro dos bons petiscos.
Espiando pelos vãos das telhas viu os preparativos e tomou nota das iguarias, e ouviu as conversas e confidências da patroa e da negra.
Justamente na hora do jantar chegou o dono da casa que resolvera voltar inesperado da viagem que fazia.
Quando a mulher percebeu que ele se aproximava mandou esconder os pratos do banquete e veio recebe-lo e abraça-lo, muito fingida, muito risonha, mas por dentro queimando de raiva.
Vai daí mandou por na mesa a janta que constava de feijão aguado, paçoca de carne seca e cobu, dizendo:
- Por quê não me avisou, marido? Sempre se havia de preparar mais alguma coisa...
Sentaram-se à mesa.
Pedro Malasartes
Pedro Malasartes desceu de seu porto e bateu na porta trazendo o urubu.
O dono da casa levantou-se e foi ver quem era.
O rapaz pediu-lhe um prato de comida e ele chamou-o para a mesa a servir-se do pouco que havia.
A mulher estava desesperada, desconfiando com a volta de Malasartes.
Pedro tomou assento, puxou o urubu para debaixo da mesa, preso pelo pé num pedaço de corda de pita.
Estavam os dois homens conversando, quando de repente o Malasartes pisou no pé quebrado do bicho e este se pôs a gritar: uh! uh! uh!
O dono da casa levou um susto e perguntou que diabo teria o bicho.
Pedro respondeu muito sério:
- Nada! São coisas. Está falando comigo.
- Falando! Pois o seu bicho fala?!
- Sim senhor, nós nos entendemos. Não vê como o trago sempre comigo? É um bicho mágico, mas muito intrometido.
- Como assim?
- Agora, por exemplo, está dizendo que a patroa teve aviso oculto da volta de senhor e por isso preparou uma boa surpresa.
- Uma surpresa! Conte lá isso como é.
- É deveras! Uma excelente leitoa assada que está ali naquele armário...
- Pois é possível! O' mulher, é verdade o que diz o urubu desse moço?
Ela com receio de ser apanhada com todo o banquete e certa de que Pedro sabia da marosca, apressou-se em responder:
- Pois então? Pura verdade. O bicho adivinhou. Queria fazer-te a surpresa no fim do jantar.
E gritou pela preta:
- Maria, traz a leitoa.
A negra veio logo correndo, mas de má cara, com a leitoa assada, na travessa.
Daí a pouco Pedro Malasartes pisou outra vez no pé do urubu que soltou novo grito.
- O que é que ele está dizendo?
- Bicho intrometido! Está candongando outra vez. Cala a boca, bicho!
- O que é?
- Outras surpresas.
- Outras!
- Sim senhor: um peru recheado...
- É verdade, mulher?
- Uma surpresa, maridinho do coração. Maria, traz o peru recheado que preparei para teu amo.
Veio o peru. E pelo mesmo expediente conseguiu Pedro Malasartes que viessem para a mesa todas as iguarias, doces e bebidas que havia em casa.
Ao fim do jantar, o dono da casa, encantado com as proezas do urubu propôs compra-lo a Pedro Malasartes que o vendeu muito bem vendido, enquanto a mulher e a preta bufavam de raiva, crentes também, no poder mágico do bicho que assim seria um constante espião de tudo quanto fizassem.
Fechado o negócio, Pedro Malasartes partiu satisfeito e vingado.
(Relato de Minas Gerais)

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De Como Malasartes Vendeu o Urubu

O Dono da casa vendo que o urubu de Pedro Malasartes era encantado e sabia descobrir todos os segredos, propôs-lhe compra-lo.
Malasartes, pescando que estava em véspera de fazer um bom negócio, encareceu ainda mais as virtudes do urubu e pediu este mundo e o outro.
O homem vacilou em fechar o negócio, e Pedro, justamente quando uma preta velha veio trazer café na sala, disse ao dono da casa de modo que a mucamba ouvisse:
- Este bicho é deveras encantado, patrão. Ele é capaz de descobrir outras coisas que se passam em sua casa sem o senhor saber.
- Não me diga isso!
- É o que lhe digo. Mas, para que ele não emudeça e possa contar tudo que tenha visto, é preciso que haja o maior cuidado para que nenhuma mulher lhe verta água na cabeça. E se quiser experimentar deixei-o esta noite ficar no corredor, que amanhã teremos que saber muitas novidades.
O homem aplaudiu a proposta e prometeu comprar o urubu, se saísse certo o que lhe dizia Malasartes.
Mas a preta que tinha visto a combinação mal saiu da sala foi contar tudo à senhora, que ficou muito assustada, pois que, naquela noite, havia de receber a visita do sacristão da vila, e não sabia como arranjar para que o urubu candongueiro não pusesse tudo a perder.
A preta teve uma luz e disse que não havia perigo, pois ela se encarregaria de verter água na cabeça do urubu para que ele perdesse o encanto.
Às tantas da noite todos se foram acomodar, tendo Malasartes cuidado de deixar o bicho no corredor, fazendo de sentinela.
Vai senão quando lá para a virada da noite, a dona da casa, pé ante pé, veio abrir a janela, por onde saltou para dentro o sacristão, enquanto a preta estava fazendo o que prometera na cabeça do urubu.
Quando o bicho se viu com a cabeça toda molhada, não teve mais conversa – tico! E deu uma bicada na preta lá onde quis e ela ficou segura, e vai então a negra soltou um grito.
A senhora, temendo que o marido despertasse, correu para arrancar a sua mucamba do bico do bicho. Agarrou-a pelo braço, mas não houve meio.
Pedro Malasartes
A rapariga, então no auge do aperto, apegou-se no braço da senhora que se pôs também a gritar. O sacristão acudiu para ver se podia ajudar as duas a desvencilharem-se. Mas já a este tempo, Pedro Malasartes havia despertado o dono da casa. E os dois correram a ver o que era e encontraram aqueles três assim como estavam.
E vai então o dono da casa descobriu tudo, desancou o sacristão a pau, moeu os ossos tanto da senhora como da escrava e resolveu comprar o urubu.
Mas aí é que foi a estória. Pedro Malasartes pediu pelo bicho cinco contos de réis. Abate que não abate, o homem teve mesmo de escorropichar o cobre, vintenzinho por vintenzinho, e Pedro Malasartes deixou ficar o urubu, de quem se despediu chorando, pôs-se a caminho, mas vendo no pátio da fazenda uma carneirada, resolveu leva-la também e foi tocando a carneirada como se fosse dono dela.
(Relato de Minas Gerais)

Vocabulário:
Lambisgóia: pessoa intrometida, atrevida, antipática.
Coito: neste caso com o significado de lugar.
Marosca: enredo, ardil, trapaça.
Candongando, candongueiro; Candogar: contar candongas: fazer intrigas, mexericos.
Mucamba: escrava que era escolhida para servir na casa da família do senhor e não era mandada à roça. Diz-se também mucama.


Fonte : Lindolfo Gomes: Contos Populares. Cia Melhoramentos de São Paulo, Vol. I, pp. 64-68 in Antologia Ilustrada do Folclore Brasileiro: Estórias e Lendas de Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro / Seleção e Introdução de Mary Apocalypse – São Paulo: Ed. Efgraf, 1962



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