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Bumba-meu-boi do Maranhão
A estória passa-se numa fazenda situada no interior do país. Encontram-se entre as personagens principais um negro vaqueiro, sua mulher cabocla e um homem branco, dono da fazenda e, portanto, do touro estimado. A estas personagens principais e fixas podem juntar-se outras personagens móveis.

No Maranhão, além dos personagens fixos, existem as Indígenas, os Vaqueiros, o Rapaz, o Pajé, o Padre, o Médico, o Palhaço, o Miolo, o Cazumbá, a Burrinha. Nos outros estados, é fácil encontrar versões em que aparecem outros personagens como o Arlequim, Dona Maria, o Virgulino, o Caipora, o Gigante, o Capataz, o Caboclo Real, o Capitão, a Ema, O Caçador, etc.

De versão a versão, o boi ora se chama Mimoso, Estrela, Barroso e ora Novilho de Estimação, enquanto o vaqueiro tem os nomes variantes de Pai Francisco, Nego Chico, Mateus, Fidélis, Sebastião, ao lado de um fazendeiro que é conhecido por Capitão-do-Mato, Capitão-Marinho, Amo, Patrão, Coronel, Comandante, Capitão Boca Mole, Senhor Branco.

Em dada versão, o boi é a personagem principal, a ser roubado pelo vaqueiro, enquanto em outras versões é o vaqueiro que é posto à prova ao roubar o boi, mas o núcleo do enredo gira mesmo é em tomo da fertilidade da Mãe Catirina, mulher do vaqueiro que grávida ou em estado interessante, cisma de querer língua de boi; mas não de qualquer boi: ela queria comer a língua do novilho estimado da fazenda. Nas variações que se seguem, o código moral vai mudando, segundo as condições de representação do auto.

Miolo do Boi
Miolo do Boi
Nas versões mais antigas, o vaqueiro Pai Francisco e a Mãe Catirina são representados como negros matreiros, ladrões sem caráter, escravos ladinos, fugitivos astutos, trapaceiros contumazes. No enredo original, Pai Francisco é empregado da fazenda, em outras versões é apenas um forasteiro. Ora aparece como o vilão, ora como a vítima, portanto, não é propriamente uma personagem humorística. As situações que vive é que são cômicas ou tragicômicas, tanto que é conhecido como o palhaço, por sua postura irreverente, trapalhão, desrespeitador e simpático.
Já o fazendeiro é o português patrão, representante do poder local, que quer o seu novilho a todo custo, mesmo que para isso tenha que atirar e matar o vaqueiro, imbuído que está de uma ordem constituída pela força econômica, tal como é recontado pelo poeta César Teixeira no Auto do Boi de Morros:

“Depois de conferir o gado pelas capoeiras e ver que faltava o novilho de estimação do amo, o vaqueiro¹ chega na fazenda preocupado e matutando a sorte de tal atrapalho.
     AMO - Rumbora, desembucha vaqueiro. Isso é cara?
     VAQUEIRO - É aquele touro novo, meu amo.  Sumiu! Acho que foi furto ...
     AMO - O quê?  Quem foi o filho de égua que me traiu?
     VAQUEIRO - Siô!  Num sei não.
     AMO - Vai atrás desse boi, vaqueiro!  Quero ele aqui, inda hoje, junto com o chifrudo do ladrão, sendo é tu que vai entrar no relho.

O vaqueiro vai e volta sem encontrar o touro bonito, nem tampouco o lalau.
     VAQUEIRO - Meu amo, só tem um jeito. É chamar as indigenas², que elas conhecem bem o mato e não se avecham com cobra de duas cabeças.
     AMO - As capetas-de-pena?  Vai buscar!

No clarão da lua, as índias, já sabedoras do acontecido, partem armadas de arco e flecha.  Atravessam rios e morros cantando para afastar a caipora, sem nada encontrar.
     VAQUEIRO - Nem boi, nem cabra, meu amo.
     AMO - Ah!  Hoje eu viro o diabo pelo avesso, mas amarro o rabo desse mequetrefe no pau do chiqueiro!
     VAQUEIRO - Amo!  Dei uma volta no miolo e encontrei outro buraco. Conheço um marido e uma mulher que podem dar uma resposta para essa teima. É o Pai Francisco e a Mãe Catirina, dois mutucas de asa...   Sabem de tudo!
     AMO - Intonce. Manda chamar!

Chega o Nego Chico desconfiado que nem tralhoto, querendo assuntar e desassuntando. Cara lavada, mas não é besta.
     CHICO - Patrão, como vai a família? Tá gorda, hem?  Mas, pro que lhe pergunte ...
     AMO - Não tem que perguntar. O Sinhô é que vai me dizer se viu um touro assim, assim, que sumiu do campo sem deixar nem rastro de cocô.
     NEGO CHICO - Não vi, não. Juro!
     VAQUEIRO - Ora!  Sei num sei. Só sei que Mãe Catirina tava com uma vontade doida de comer língua de boi. Desejo de mulher prenha, meu amo!
     AMO - Ah, então tá explicado...

Mãe Catirina vendo tudo perdido, assoa o nariz e reza o terço, mas não se faz de rogada. Com o bucho no pescoço, mascando fumo, bota um pé na frente e outro atrás.
     CATIRINA - Não é fio, meu amo. É barriga d'água!  Oia como sacode... É, num é, Chico?
     CHICO - Verdade, é o fato!
     AMO - Nem choro, nem pagamento. Pensa que me engana? Quero meu boi de volta, igualzinho como nasceu, senão o cacete come!
     CATIRINA - Vige Maria!

Chico e Catirina saem correndo, de mãos dadas, já sentindo o couro arder. Resolvem então roubar numa fazenda vizinha, um novilho parecido com o touro do amo, a quem entregam a prenda. No terreiro do patrão todo mundo cerca o novilho para ouvir o seu urro.
     AMO - Quero ver se esse boi tem culhão
     CATIRINA - Vige Maria.

E não é que o boi urrou bonito?”

Em outra versão popular (Azevedo Neto, 1983, p. 52-53), as indígenas conseguem capturar Chico, que é levado à presença do amo, juntamente com Catirina e o cadáver do boi.
     “Não chora Chico não chora,
     que nós não vamos te matar.
     vamos te entregar para o Senhor Branco
     prá ele te ensinar.”
Imediatamente é chamado o curador que, ao constatar a morte do boi, canta:
     “Quem matou este boi,
     boi de fama, boi de peso,
     Eh, Pai Francisco, foi tu!
     Amo, cheire a boca do boi
     e Chico, tu cheira o cu."
Chico, porém, reage:
     “Se alguém me conheceu
     já se viu que tu não foi
     Não sou home pra essas coisa
     de cheirá um cu de boi.”
Indignado ante a recusa, o amo manda que batam em Chico e, quando Catirina tenta intervir, é ameaçada de ser surrada também. Depois de muita confusão, Chico resolve confessar o roubo, enquanto o pajé ressuscita o boi para alegria geral. O amo perdoa Chico e faz uma grande festa para comemorar a recuperação do novilho estimado da fazenda. Às vezes, no meio da confusão, é chamado o delegado para obrigar o Chico a confessar, mas covarde e sem tropa a acompanhá-lo, o delegado é apenas ridicularizado ante a astúcia de Chico.

Outra personagem muito comum é o doutor médico, caricatura arremedada de veterinário, que é chamado para ressuscitar o boi morto, mas o máximo que consegue, ao proferir diagnósticos esdrúxulos e incríveis receitas, é fazer com que o bicho mexa o rabo. É obrigado a chamar o pajé da aldeia para cumprir a tarefa, este sim, o verdadeiro conhecedor do caso. Também o padre, cuja figura aparece com a violência de um ajuste de contas, vem em algumas versões acabar com a confusão ou ajudar a ressuscitar o boi, através de suas orações, mas sua atuação é um vexame, sendo por isso depreciado na ação dramática.
É o mesmo Azevedo Neto quem repete outra versão, cujo enredo moralizador demonstra a herança do teatro catequético. Nesta estória, Pai Francisco é um homem sério, honesto e trabalhador, mas que diante do desejo de Mãe Catirina em comer a língua do novilho, divide-se entre a responsabilidade da sua tarefa de vaqueiro e o dever de pai em atender ao pedido da mulher grávida. Na verdade, o desejo de Catirina é uma mentira inventada pelo fazendeiro numa aposta com outros fazendeiros para colocar a honestidade de Chico à prova.
Depois de matar o novilho e atender ao pedido de Catirina, Chico pega o cavalo e vai contar o ocorrido ao amo, pensando em como relatar o fato. Após matutar as mil e uma formas de descrever os acontecimentos, sem responsabilizar-se diretamente, não consegue chegar a nenhuma conclusão quando chega à casa do patrão.
Por não saber mentir, acaba contando a verdade e fica à espera do castigo merecido, mas é perdoado pelo fazendeiro que providencia a ressurreição do boi e festeja a volta do honesto Chico.


1- O vaqueiro é sempre um subalterno do patrão, o empregado de confiança a quem é entregue a responsabilidade da fazenda e tudo o que ela contém. É também um exímio dançarino, mostrando as suas capacidades cênicas no encontro com o boi durante a dança: “No meio da roda de brincantes, boi e vaqueiro se defrontam, calcando o chão com golpes certos de calcanhar. De repente, quando o batuque se acelera, o vaqueiro cola o ombro esquerdo no flanco do boi, quase na frente, à altura da cabeça do animal e forma com ele um bloco único, acompanha-o no menor movimento”. O boi e o vaqueiro formam um par indissociável do folguedo, um pela destreza com que arrebata, o outro pela persistência como escapa ao seu amansador. (LIMA, 1982, p. 19)
2- Na trama, os indigenas possuem importância igual ou inferior ao vaqueiro, mas sua função é fundamental na resolução do conflito, porque sem seu conhecimento da floresta e dos seus mistérios seria impossível descobrir a localização do boi.



Fonte : Mídia e experiência estética na cultura popular: o caso do bumba-meu-boi / Francisca Ester de Sá Marques. - São Luís: Imprensa Universitária, 1999


Bumba-meu-boi

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