Segundo registros, os
primeiros grupos se apresentaram como
bumba-meu-boi, depois como boi-de-pano e, por fim, com a denominação
atual de boi-de-mamão. Atribuiu-se esse nome à história de que na
pressa para apresentar a figura de um boi as crianças teriam usado um
mamão verde
para
confeccioná-la. Entretanto, foram os imigrantes açorianos que,
fixados no litoral de Santa Catarina, encontraram na festa do boi uma
forma de manter as suas tradições. O boi era festejado por ser uma
figura importante como força de trabalho par os engenhos e para os
transportes.
Em algumas
localidades, como na colônia Maria Luiza, foram incorporados
à festa do boi catarinense as danças de pau-de-fita e das balainhas,
para introduzir o folguedo, antes da presença do boi. Existem grupos de
boi-de-mamão no Paraná, como o registro em Paranaguá, que se apresentam
no ciclo carnavalesco, mas que estão desaparecendo. Em Santa Catarina,
mulheres não participam dessa manifestação, nem mesmo nas danças de
pares do pau-de-fita, alguns homens se vestem de mulheres, uma tradição
dos colonos catarinenses.
A história do
auto conta o drama do boi que fica doente, morre e é
ressuscitado, para a alegria dos participantes. Ela se divide em cenas,
cada qual com música, letra e seu personagem central próprio. Os
participantes que fazem parte dessa dramatização são diferentes em
relação aos outros grupos de bois existentes no Brasil. A presença do
Mateus é contraditória, pois em alguns ele seria o vaqueiro, dono do
boi; em outros, uma espécie de palhaço que utiliza máscara e ajuda o
médico a salvar o boi, como o registrado nas cidades de Joinville e
Florianópolis. Além do boi, cuja cabeça pode ser empalhada ou feita de
papel machê, apresentam-se o cavalinho, homenagem ao tropeiro que
guiava a boiada; o doutor, que brinca com o público na sua
interpretação cômica para salvar o animal; o urso; a onça; o urubu; às
vezes o carneiro; o velho e a velha. Os instrumentos são três,
normalmente tocando um violão, um cavaquinho e um pandeiro.
No boi-de-mamão
catarinense destacam-se outros personagens que teriam
sido idealizados pelos açorianos, como a Bernúncia, a mais original
brincadeira do auto que, segundo estudos, seria uma estilização do
dragão chinês, trazida para a nossa cultura pelos imigrantes. O
primeiro registro desse personagem foi realizado na cidade de São José,
próximo a Florianópolis, a partir de 1920. A Bernúncia é um bicho
medonho, guiado pelos dançadores que ficam serpenteando debaixo do seu
corpo de pano. A figura é uma espécie de gigantesca cobra de tecido com
uma enorme cabeça de papelão que anda entre os participantes abrindo e
fechando sua bocarra, em busca de alguém para engolir. Quem é comido,
passa a fazer parte do corpo do bicho, aumentando o seu tamanho. Parece
estar relacionada às histórias do bicho-papão que corre atrás das
crianças para comê-las.
Às vezes é
apresentado o Barão, o parceiro macho da Bernúncia, com
aspecto maior e mais fantasmagórico. A boca cheia de dentes e o corpo
coberto de barba-de-pau presa ao pano dá ao personagem em aspecto
monstruoso. Provocando risos e divertindo a platéia, dois bonecos
também compõem o quadro do auto, o Zé Bernardo, e a gigantesca
Maricota, chamada também de Tiroleza em algumas localidades. Uma
homenagem à mulher alemã, alta e robusta, casada com o pequeno
açoriano. Cada personagem tem a sua indumentária especifica, que varia
de acordo com a localidade em que está inserida.
Registro
anteriores:
Câmara
Cascudo: Boi-de-Mamão toma esse nome o auto do bumba-meu-boi em Santa
Catarina. “A origem dessa denominação boi-de-mamão não nos foi possível
assinalar. Há quem fale de que, nas representações desses autos
populares, há muitos anos, usava-se mamões verdes para a confecção da
cabeça do boi, de onde teria surgido o termo local, que logo se teria
espalhado por todo o litoral catarinense. Nada há, porém, de positivo”
(Osvaldo Ferreira de melo, “O Boi-de-Mamão no Folclore Catarinense”,
Departamento Estadual de Estatística, série C.N. 1, Florianópolis,
Santa Catarina, setembro de 1949).
O
folguedo consta essencialmente do boi malhado, o vaqueiro Mateus, as
figuras do urubu, do feiticeiro, coberto de folhas e pequenos arbustos,
que vem benzer o boi (derrubado por Mateus e beliscado pelo urubu), o
cavalinho, a cabra ou cabrinha, a Bernúncia.
Bernúncia:
Animal fabuloso que foi introduzido na dança do boi-de-mamão, em Santa
Catarina. A Bernúncia é feita, como o boi, de uma armação de madeira,
recoberta de pano preto, pintado de várias cores, e sob o qual se
abriga dois indivíduos. Possui grandes mandíbulas, que se fecham
estrepitosamente.
A sua entrada em cena verifica-se depois da dança do boi, do cavalinho
e da cabrinha - e é o momento culminante do auto (Osvaldo Melo Filho,
“O Boi-de- Mamão no Folclore Catarinense”). Não canta, rosna apenas. A
Bernúncia come gente. À sua entrada, os circunstantes debandam, mas
sempre algum retardatário se deixa apanhar. Então, o indivíduo que faz
a parte dianteira do bicho aciona as mandíbulas, aproveita-se do
descuido, agarra o circunstante e o engole, puxando-o para dentro da
goela sob a assuada dos assistentes. Enquanto não consegue apanhar
outro, ginga de um lado para outro, ao compasso da música e da cantoria
dos comparsas, abrindo e fechando a bocarra. Ao sair de cena, os
cantores entoam:
“Olé, olé,
olé, - olé, olé, olé,
Arreda do
caminho
Que
Bernúncia qué passá.” (Melo Filho, op. cit.)
Maria de
Lurdes Henrique recolheu em São francisco do Sul os seguintes versos
cantados pelos
cantadores
do auto, à entrada da Bernúncia em cena:
“Que dê ela, onde está?
Manda ela
prá cá
Que venha
brincar,
A
Bernúncia é dana,
A
Bernúncia engole gente
E é boa
pra pular
Arretira
Bernúncia
Arretira
pra fora
Que nós
temos de ir embora!
Coro: Bernúncia”
(o coro responde).
(Correio
Folclórico) Álvaro Tolentino informa que a Bernúncia foi
introduzida na dança,
em São José, por volta do ano de 1923, por um negro de nome Filipe
Roque de Almeida, trazida por ele dos sertões do Itajaí (Álvaro
Tolentino, Boletim da Comissão Catarinense de Folclore,
nº
5). O bicho teria sido inventado por um indivíduo
daquelas
paragens que procurou fazê-lo o mais grotesco possível e, antes de
exibi-lo na dança do boi, foi mostrá-lo a uma tia, escancarando a
boca, o que proporcionou à velha tal susto que a mesma esconjurou,
nervosa, repetindo o sinal da Cruz: “Abrenúncio! Abrenúncio!”
Aliás,
o que ela disse foi Abrenunço - e estava batizada a
nova
figura da dança. Ainda o mesmo autor cita, entre outros, os
seguintes versos, cantados à aproximação da Bernúncia:
“Arreda,
arreda,
Senão
ela te come!
Arreda
do caminho,
Que
a Bernúncia ‘tá com fome!”
Várias
interpretações
tem sido procuradas para explicar a introdução deste novo elemento
no auto da dança do boi-de-mamão. Para uns era uma encarnação
do Bicho Papão. (Osvaldo F. De Melo, Walter Spalding),
para
outros, a do basilisco (um bicho que veio do mar, segundo uma
explicação colhida na praia por Oton d'Eça).
Ninguém sabe qual a
intenção do criador da figura. Quanto ao nome, Joaquim Ribeiro
aventou a hipótese de ser uma corrutela de Bern-wulf
ou de
Bern-onça. Mas a opinião geralmente aceita é a de que, de fato, o
nome fera se tenha originado da exclamação de
esconjuro
(Orlando F. De Melo, Fr. Odorico G. Durieux, in “ Boletim da
Comissão Catarinense de Folclore, nº 5).
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