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Jurupari
Jurupari
Jurupari é filho de uma virgem Tenuiana que comeu a fruta do Pücã sem notar que o sumo escorria por suas partes mais secretas. Nascido, desapareceu e sua mãe senti-o à noite sugar-lhe o seio, brincar derredor sem que lhe pudesse ver a figura. Quinze anos depois apareceu. Era alto, forte e lindo. Elegeram-no tuixaua. A falta de homens dera a maioria às mulheres e estas governavam a tribo. Jurupari arrebatou-lhes o poder, restituindo-o aos homens.

Vencedor das mulheres, Jurupari reuniu os homens e ensinou-lhes sua doutrina. Instituiu as festas e ritos iniciatórios, os “costumes do Sol”. As mulheres não podiam assisti-los sob pena de morte. As crianças chegadas à puberdade seriam recebidas sob os ritos dolorosos que são o camuano nindé. Homens devem ser sólidos, fortes, resignados, obedientes, impassíveis à dor, resistentes, fiéis aos compromissos. Há um jejum indispensável, as dietas sagradas, as purificações. Ceuci, mãe de Jurupari, escondeu-se para ouvir a palavra do filho. Ficou transformada em pedra. A Jurupari não se pede perdão. Não há súplica que o abrande. Só a obediência aos seus ritos fará o guerreiro imortal. Todos devem casar cedo e ter uma só mulher. O tuixaua é obrigado a divorciar-se da mulher estéril. Não tendo filhos a chefia passará ao melhor guerreiro. Ele é um legítimo tecô-munhangaua, legislador, soldado e reformador dos costumes. Austero e puro, Jurupari nunca permitiu que uma mulher tocasse seu corpo. Carumá, numa volta de dança, abraçou-o. O deus mudou-a em montanha.
Jurupari ama os homens fortes e as mulheres fecundas. O espírito de sacrifício é total. Daí o uso da adabi, a chibata, indispensável nas festas de iniciação e mesmo nas reuniões públicas. Instituiu o iacuacua, jejum ritual, antes das danças. Deu os quatorze instrumentos, medidos de seu corpo. E obrigou os tocadores tomar vomitório para executarem a música que atraía até as feras. O vomitótio ritual, ueenaiua, é também indispensável. Os instrumentos são tabus. Proíbe-se a sedução das donzelas antes que a Lua as deflore (vinda do catamênio), condena à morte o adultério e regula o choco (ver couvade: Modus / nascimento) ordenando que o pai do recém-nato fique em repouso e com alimentação especial durante uma lua, para que a criança adquira a força que o pai perderá.
Deu regimento para as festas sagradas. São cinco:

    1) Quando uma cunbanquira (mocinha) for deflorada pela Lua.
    2) Quando se comer a fruta do pücã.
    3) Quando se comer caça da floresta.
    4) Quando se comer peixe grande.
    5) Quando se comer caça de pena.

Haverá sempre o dabucuri de fruta, caça ou pesca, festa de fraternidade, entre os membros da mesma tribo ou vizinhos. Nestas festas as mulheres podem e devem tomar parte. Usam o adabi, chicoteador e, às vezes, transformam o dabucuri em orgia. Permite-se o dabucuri depois de trabalhos grandes, plantios de roçados, derrubas de matas, construção de casario. Come-se e bebe-se nos dabucuris a fruta da estação; peixes ou caça em época são aproveitados. A finalidade social e política do dabucuri é a aproximação fraternal das tabas nas alegrias e nas danças.
Não se deve matar mulheres senão por veneno ou afogamento. Poupa-se o velho, o vencido, a criança.
Depois de uma longa pregação, de tribo em tribo, de várias aventuras miraculosas, sujeitando povos à sua lei e reformando hábitos, Jurupari confidenciou ao seu discípulo fiel, Cárida, o mistério de sua vinda ao Mundo. Jurupari é filho e embaixador do Sol e baixou à Terra para melhorá-la e procurar uma esposa para o Sol. Essa mulher privilegiada e sem defeitos, só terá três virtudes. Jurupari percorrerá o Mundo para encontrá-la e levá-la ao seu luminoso pai. Qual é a perfeição que o Sol deseja em sua eleita? Quer um mulher que seja paciente, saiba guardar um segredo e não tenha curiosidade... E, melancólico, Jurupari dizia ao dileto Cárida: “Nenhuma mulher existente na Terra reúne essas qualidade. Uma é paciente, mas não sabe guardar um segredo; se sabe guardar segredo não é paciente, e todas são curiosas, querendo tudo saber e tudo experimentar...”
Depois, Jurupari sentou-se à beira de um lago, mirando-se nas águas serenas. Deviam separar-se. Cárida para o oeste e o herói para o levante. Anoiteceu e o luar pintou de prata a solidão. Súbito, ergueu-se uma voz estranha e límpida, cantando a canção de Jurupari. Cárida reconheceu Carumá, a virgem dos Narunas, que cingira o corpo do Reformador e fora mudada em montanha. Carumá cantou a noite inteira, embalando o sono de Cárida. Pela madrugada este despertou. A montanha refletia-se no lago imóvel. Jurupari desaparecera para sempre. Cárida, com o Sol vivo, rumou o caminho do poente...

O demônio, o espírito mau, segundo todos os dicionários e os missionários, exceção feita do Padre Tastevin. “A palavra jurupari parece corrutela de jurupoari”, escreve Couto de Magalhães em nota (16) da segunda parte do Selvagem, que ao pé da letra traduziríamos - boca mão sobre: tirar da boca. Montoia (Tesoro) traz esta frase: - che jurupoari - tirou-me a palavra da boca.
O Dr. Batista Caetano traduz a palavra: “Ser que vem à nossa rede, isto é, ao lugar onde dormimos.” Seja ou não corruta a palavra, qualquer das duas traduções está conforme a tradição indígena e, no fundo, exprime a mesma idéia supersticiosa dos selvagens, segundo a qual este ente sobrenatural visita os homens em sonhos e causa aflições tanto maiores quanto trazendo-lhes a faculdade da voz. Esta concepção que poderá ser a que criaram as amas-de-leite, amalgamando as superstições indígenas com as de além-mar, tanto vindas da África como da Europa, não é a do nosso indígena. Para ele Jurupari é o legislador, o filho da virgem sem cópula, pela virtude do sumo da cucura do mato, e que veio mandado pelo Sol para reformar os costumes da terra, a fim de poder encontrar nela uma mulher perfeita, com o que o Sol possa casar. Jurupari, conforme contam, ainda não encontrou, e embora ninguém saiba onde, continua a procurá-la, e só voltará ao céu quando a tiver encontrado. Jurupari é, pois, o antenado lendário, o legislador divinizado, que se encontra como base em todas as religiões e mitos primitivos. Quando ele apareceu, eram as mulheres que mandavam e os homens obedeciam, o que era contrário às leis do Sol. Ele tirou o poder das mãos das mulheres e o restituiu aos homens e, para que estes aprendessem a ser independentes daquelas, instituiu umas festas, em que somente os homens podem tomar parte, e uns segredos que somente podem ser conhecidos por estes. As mulheres que os surpreendem devem morrer; em obediência desta lei, morreu Ceuci a própria mãe de Jurupari. Ainda assim, nem todos os homens conhecem o segredo; só o conhecem os iniciados, os que, chegados à puberdade, derem prova de saber suportar a dor, serem seguros e destemidos. Os usos, leis e preceitos ensinados por Jurupari e conservados pela tradição ainda hoje professados e escrupulosamente observados por numerosos indígenas da bacia do Amazonas, e embora tudo leve a pensar que Jurupari é um mito tupi-guarani, todavia, tenho visto praticadas suas leis por tribos das mais diversas proveniências, e em todo o caso largamente influíram e, pode-se afirmar, influem ainda em muitos lugares do nosso interior sobre usos e costumes atuais, e o não conhecê-las tem de certo produzido mais mal-entendidos, enganos e atritos do que geralmente se pensa. Ao mesmo tempo, porém, tem permitido, como tenho dito mais de uma vez ocasião de observar pessoalmente, que ao lado das leis e costumes trazidos pelo cristianismo e civilização européia, subsistem ainda uns tantos usos e costumes, que embora mais ou menos conscientemente praticados, indicam quanto era forte a tradição indígena. 
Quanto à origem do nome, aceito a explicação que dela me foi dada por um velho tapuio, a quem objetava me ter sido afirmado que o nome de Jurupari quer dizer “o gerado da fruta” - Intimãã, Iurupari céra onheên putáre o munha iané iurú pari uá. Nada disso, o nome de Jurupari quer dizer que fez o fecho da nossa boca. - Vindo, portanto, de iuru boca e pari aquela grade de talas com que se fecham os igarapés e bocas de lagos, para impedir que o peixe saia ou entre. Explicação que me satisfaz, porque de um lado caracteriza a parte mais saliente do ensinamento de Jurupari, a instituição do segredo, e do outro lado, sem esforço se presta a mesma explicação nos vários dialetos tupi-guaranis, como se pode ver em Montoia, às vezes iuru e pari e às mesmas vozes em Batista Caetano (Stradelli, Vocabulário da Língua Geral, 497-498).
A origem tupi-guarani do mito é discutível. Foi divulgado, à força d’armas, no rio Negro, pelos indígenas da raça aruaca, vindos do Norte. É, geograficamente, o mito mais prestigioso, com vestígios vivos em quase todas as tribos. É um deus legislador e reformador, puro, sóbrio, discursador, exigente no ritual sagrado.
Jurupari-demônio é uma imagem da catequese católica do séc. XVI. D. Frederico Costa, Bispo do Amazonas, na “Pastorai” (11-4-1909), documento de informação etnográfica, não aceitou o satanismo de Jurupari, de quem expôs os oito mandamentos:  
1º A mulher deverá conservar-se virgem até a puberdade;
2º Nunca deverá prostituir-se e há de ser sempre fiel a seu marido;
3º Após o parto da mulher, deverá o marido abster-se de todo o trabalho e de toda a comida, pelo espaço de uma lua, a fim de que a força dessa lua passe para a criança;
4º O chefe fraco será substituído pelo mais valente da tribo;
5º O tuxaua (chefe) poderá ter tantas mulheres quantas puder sustentar;
6º A mulher estéril do tuxaua será abandonada e desprezada;
7º O homem deverá sustentar-se com o trabalho de suas mãos; 
8º Nunca a mulher poderá ver Jurupari a fim de castigá-la de algum dos três defeitos nela
dominantes: incontinência, curiosidade e facilidade em revelar segredos”.
Os indígenas não adoravam Jurupari.
O bispo escreveu: “Parece também evidente que houve erro em identificar Jurupari com o demônio”(53). Nenhum demônio possuirá as exigências morais de Jurupari. Stradelli estudou o mito, ouvindo indígenas e assistindo à cena do culto nos afluentes do rio Negro. O reformador instituiu nas cerimônias instrumentos musicais de sopro, especialmente uma longa trombeta de paxiúba, que um som cavernoso e profundo. As mulheres não podem, sob pena de morte, ouvir sequer esse som. Nem os instrumentos musicais, máscaras e outros apetrechos das danças de Jurupari podem ser vistos por mulher e mesmo rapaz não iniciado (Stradelli, “Legenda Dell’Jurupary,” Bolletino della Societá Geografica Italiana, terc. série, III, Luglio e segs., Roma, 1890, Em Memória de Stradelli, Manaus, 1936; Geografia dos Mitos Brasileiros, longo estudo sobre Jurupari; Renato Almeida, “Trombeta de Jurupari”, opus cit., 44-48).

Fontes : Geografia dos Mitos Brasileiros / Luís da Câmara Cascudo. - 2ª ed. - São Paulo: Global, 2002.

Dicionário do Folclore Brasileiro - Câmara Cascudo, Rio de Janeiro: Ediouro Publicações S.A. sem data


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