Os Potiguára
se
concentraram na outra reserva, onde foram visitados, em 1913, por
Alípio Bandeira. Constituíam, então, uma centena de famílias,
vivendo nos riachos que vão ter à Baía da Traição, sob a direção
de um regente. Proviam a subsistência através da pequena lavoura da
enxada, do trabalho assalariado para fazendeiros vizinhos e,
principalmente, da pesca de caranguejos e mariscos do mangue.
Já então, nenhum
Potiguára falava o idioma tribal e, vistos em conjunto, não
apresentavam traços somáticos indígenas mais acentuados que
qualquer população sertaneja do nordeste; muitos deles tinham até
fenótipo característicamente negróide ou caucasóide. Assim, nada
os diferenciava dos sertanejos vizinhos, senão a convicção de
serem indígenas, um grau mais alto de solidariedade grupal,
fundamentado na ideia de uma origem, de uma natureza e de uma
destinação comuns, que os distinguia como povo.
Em condições muito
semelhantes à dos Potiguára, viviam no nordeste, vários outros
grupos indígenas. Alguns deles conservavam algo mais da cultura
original e ainda usavam a língua, no menos para fins cerimoniais.
Na serra do Ararobá,
em Pernambuco, sobreviviam cerca de mil e quinhentos indígenas
Xukurú, em condições ainda mais precárias que as dos Potiguára.
Praticamente nada lhes restara das terras concedidas em tempos
coloniais e onde se estabeleceram as missões criadas para
catequizá-los. Altamente mestiçados com brancos e negros, já não
se diferencivam, pelo tipo físico, da população sertaneja local.
Haviam esquecido também o idioma e abandonado todas as práticas
tribais, exceto o culto do Juazeiro Sagrado, se é que este
cerimonial fora originalmente deles.
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Mais ao sul,
em
Pernambuco, vive um outro grupo indígena, igualmente numeroso, os
indígenas Fulniô, tradicionalmente conhecidos como Carnijos ou
Carijos. Embora altamente mestiçados a ponto de não poderem ser
distinguidos da população sertaneja, viviam à parte, conservando o
idioma iatê, só falando o português com os estranhos. Mantinham
fiéis ao culto do Juazeiro Sagrado.
As terras que ocupavam
lhes tinha sido asseguradas por uma carta régia de 1705, como meio
de estabelecer a paz depois de um levante. Mas desde então vinham
sendo invadidas. Em 1878 foi necessário tomar providências para
acautelar os interesses da tribo cujas terras estavam sendo vendidas.
A reserva foi, então, demarcada e dividida em lotes entregues às
famílias Fulniô. No começo do século XX, em torno da igreja
levantada pelos indígenas, dentro do perímetro do aldeamento,
exixtia um número considerável de moradores sertanejos e grande
parte dos lotes tinha passado dos indígenas a estranhos, a título
de arrendamento, compra ou por simples esbulho (despojo).
Por volta de 1916, era
tão grande a hostilidade entre os Fulniô e a população de Águas
Belas que crescera em redor da igreja, que os indígenas foram
compelidos a se afastarem para um quilômetro adiante do antigo
aldeamento, agora cidade, fugindo aos vexames a que os submetiam as
autoridades locais.
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Indígenas Fulni-ô. aldeia Águas
Belas, Pernambuco.
Apesar da intensa
mestiçagem, é o único grupo indígenas do Nordeste que conserva ainda
sua lígua, o iatê. (Foto de Geyson Magno)
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Os
moradores neobrasileiros de Águas Belas
pleitaram reversão ao domínio do Estado das terras concedidas aos
Fulniô, alegando que fora extinto o aldeamento, com o ato de
extinção da diretoria dele incumbida no Império. Essa reversão
permitiria a legalização da posse das terras pelos civilizados, que
delas se haviam apropriado, a título de ocupação antiga de terras
devolutas ou de propriedade do Estado.
Diversas
outras formas
de alienação de terras indígenas ocorreram no sertão
Pernambucano, Alagoas, Sergipe, Bahia, dando cabo de dezenas de
aldeias que ainda em fins do século XIX ali existiam e eram citadas
nas estatísticas do Império. Por volta de 1910, na ilha de
Assunção, no rio São Francisco, foi posto em prática um processo
singular de esbulho de terras contra os indígenas Tuxá e seus
descendentes, que as ocupavam desde tempos imomeriais. Consistiu em
obter dos indígenas licença para construção de uma capela
consagrada a Nossa Senhora da Assunção. Essa consagração,
registrada posteriormente em cartório, como doação, serviria de
base para a expedição de títulos de propriedade em que o vendedor
era a Santa Padroeira, representada pelo bispo de Pesqueira, na
Bahia, e o comprador, um potentado local. Este fez sentir aos
indígenas a força de seu título possessório, obrigando-os a se
colocar a seu serviço, pagar foros pela ocupação das terras, ou
abandonar as ilhas como intrusos.
À medida
que eram
escorraçados de suas terras, os indígenas se juntavam aos bandos
que perambulavam pelas fazendas, à procura de um lugar onde pudessem
fixar. No começo do século XX, vários desses magotes de indígenas
desajustados eram visto nas margens do São Francisco. Alimentando-se
de peixes ou do produto de minúsculas roças plantadas nas ilhas
inundáveis – únicas cuja posse não lhes era disputada – e
trabalhavam como remeiros e como peões das fazendas vizinhas.
Assim viviam os
seus
últimos dias os remanescentes dos indígenas não litorâneos do
nordeste que alcançaram o século XX. Estavam, quase todos,
assimilados linguisticamente, mas conservavam alguns costumes
tribais. Viviam ao lado de cidades que cresceram em seus aldeamentos,
sem fundir-se com eles. Era o caso da aldeia Fulniô,
frente a cidade
Águas Belas; dos Xukurú, e a cidade de Cimbres, ambas em
Pernambuco;
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dos Xokó, em frente da cidade
de Porto Real do Colégio;
dos Wakoná e a cidade de Palmeira dos Índios, ambas em Alagoas; dos
Tuxá e a cidade de Rodelas, da Bahia. Outros foram compelidos a
abandonar as antigas aldeias, transformadas em vilas, e a acoitar-se
mais longe, como os Xukurú, da serra de Urubá, em Pernambuco; os
Pankararú, de Brejo dos Padres, no mesmo Estado; os Pakaraí, da
serra da Cacaria, e os Umã, da serra do Arapuá, ambas na Bahia.
Malgrado as
condições
de penúria e de opressão e, provavelmente, por causa delas, esses
resíduos da população indígena do nordeste continuavam
identificando-se como indígenas, mesmo depois de esquecerem a língua
tribal e a maior parte da cultura antiga. Cada um deles – como os
Fulniô, os Tuxá, os Pankararú, os Wakoná – considera, ainda
hoje, a si próprio, como a tribo de que descende, a das legendas
heróicas que só eles recordam e, assim mesmo, muito pouco.
Eis o que
restou, no
século XX, dos indígenas do interior do nordeste, simples resíduos,
ilhados num mundo estranho e hostil e tirando dessa mesma hostilidade
a força de permanecerem indígenas. Pelo menos tão indígenas
quanto seja compatível com sua vida diária de vaqueiros e
lavradores sem terra, engajados na economia regional. A maioria dos
antigos habitantes aborígenas do nordeste desaparecera, todavia,
como os Kariri, Pimenteiras, Amoipira, Tarairiú, Jeikó e Garaum.
(Outros
Povos Indígenas em Brasil Indígena)
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Remanescentes
de antigos aldeamentos missionários, os Pankararú vivem hoje no sul de
Pernambuco, no Brejo dos Padres. Devido a conflitos com fazendeiros, os
Pankararú foram obrigados a abandonar a região. Algumas
famílias
migraram para a Bahia, outras para Minas Gerais, e um grande grupo -
cerca de 950 - deslocou-se para a cidade de São Paulo, concentrando-se
sobretudo numa favela, no rico bairro do Morumbi. Na ausência de um
local apropriado para os rituais, muitas vezes os realizam às margens
do rio Pinheiros. Aqui vemos um grupo executando a dança do toré. (foto
de Hélcio Nagamine)
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