Sobre os
campos dos
Timbíra avançaram criadores e rebanhos vindos de várias direções:
dos sertões de Pernambuco e da Bahia, através do rio São Francisco
e Parnaíba; de Goiás, descendo pelas margens do Tocantins, do
Maranhão mesmo, avançando ao longo do vale do Itapicuru. A primeira
onda foi a mais violenta. Mas, diante dos Timbíra, nada podiam
simples vaqueiros, com parcos recursos do curral. Para desalojá-los,
o invasor se viu compelido a arregimentar-se em verdadeiros grupos de
guerra, em bandeiras compostas de cem a duzentos
homens,
aliciados entre os sertanejos e posto sob o comando de um caudilho
local. Eram organizadas oficialmente, com apoio das autoridades, que
até forneciam documentos legalizando a escravização dos indígenas
preados em combate, sob a alegação de que a carta régia que
declarava guerra de extermínio e autorizava o cativeiro dos
Botocudos de Minas Gerais era válido também para os Timbíra, pois
uns e outros eram da mesma “nação Tapuia”.
Através dessas
bandeiras os criadores esperavam obter rápida
vitória sobre
os Timbíra, enfrentando-os em grandes batalhas campais. Mas os
indígenas, que naquela altura já haviam experimentado o fogo dos
trabucos civilizados, não se deixavam surpreender em campo aberto.
Ao primeiro sinal de ataque, escalavam as morrarias vizinhas e lá
permaneciam até que a bandeira se pusesse em retirada, para então
atacar-lhes a retaguarda.
Com o prosseguimento
desta guerra, os indígenas aprenderam a usar e a cobiçar as
ferramentas e outros pertences dos sertanejos, o que facilitaria o
estabelecimento de relações. Os criadores, por sua vez, haviam
encontrado uma utilidade para o indígena: davam bom dinheiro na vila
de Caxias, vendidos em leilão para o trabalho escravo nos algodais
da costa maranhense.
Os Timbíra só tiveram
paz quando o governo Imperial se interessou pela pacificação,
destinando dotações para atender às despesas de aldeamento e quando
os próprios criadores, que aspiravam por mais campos onde seu gado
pudesse pastar em segurança, procuram livra-se das bandeiras que,
havendo encontrado um fim em si mesmas, só se interessava em fazer
escravos, agravando cada vez mais os conflitos com os indígenas.
Para os Timbíra, a paz
com o invasor foi tão fatal quanto a guerra. O destino dos grupos
que procuravam confraternizar-se com os civilizados foi às vezes
mais dramático que o dos simples chacinados. Este é o caso dos
Canelas, Kapiekrã, que também procuraram estabelecer relaçoes com
os civilizados, tendo em vista uma aliança contra outra subtribo
Timbíra, os Sakamekrã, que os haviam derrotados em guera. Obtiveram
a paz e a aliança e até uma grande vitória contra seus inimigos
numa expedição conjunta com seus novos aliados.
Para isto abandonaram
seus roçados e seus campos de caça e se fixaram junto aos
civilizados, que contavam sustentá-los com a ajuda do governo. Esta,
porém, faltou, foi mal aplicada ou insuficiente. O certo é que,
pouco tempo depois, os indígenas tiveram de dispersar-se em magotes
pelas fazendas de criação à procura de alimentos; e começaram os
atritos com os fazendeiros que não estavam dispostos a mantê-los
com seus parcos recursos. Em pouco tempo a situação tornou-se
insustentável, os
fazendeiros se queixavam dos indígenas, acusando-os de lhes furtarem
o produto das roças e de abaterem suas reses, exigindo providências
capazes de pôr cobro a estes abusos que os estariam levando à
falência.
Um dia veio a solução:
o plano era atrair os indígenas para a vila de Caxias, então
atacada por uma epidemia de bexiga (varíola),
a pretexto de uma nova guerra
contra outra tribo Timbíra. Uma vez ali, as bexigas dariam cabo
deles. Os índigenas deixaram-se enganar, atendendo ao chamamento. Em
Caxias, durante vários dias nada lhes foi dado para se alimentarem, e
quando, premidos pela fome, quiseram colher legumes nas roças
vizinhas da vila, caiu sobre eles todo o peso de uma punição
premeditada. Foram presos e espancados, inclusive mulheres e
crianças, e dentre eles a esposa do principal chefe da tribo que, ao
reclamar contra este tratamento, foi também fustigado.
Dos restantes se
encarregaram a varíola e o trucidamento, pois quando os escapos da
peste quiseram fugir, foram espingardeados. Alguns indígenas que
conseguiram escapar levaram consigo a epidemia, contaminando os
sertões, cujos moradores indígenas experimentaram, pela primeira
vez, a varíola. Segundo cálculos de Francisco de Paula Ribeiro, que
testemunhou esses fatos, a varíola atingiu até as populações
indígenas da margem esquerda do Tocantins, mil e oitocentos
quilômetros a oeste.
Assim se quebrou a
resistência das tribos Timbíra. Uma após outra, foram compelidos a
estabelecer relações com os invasores e aliciados à luta contra as
recalcitrantes.
Os Krahó representaram
papel de maior importância nessas lutas contra sua própria gente,
ao lado dos invasores.
Esse foram os processos
usados na conquista dos campos do Maranhão e do norte de Goiás.
Em fins do século XIX, quase todas as terras aproveitáveis já
estavam controladas pelos criadores de gado. Os grupos Timbíra que
não quiseram submeter-se tiveram de abandonar os campos fugindo para
as matas, como os Kren-yê, que foram ter ao Gurupi, e os Gavião,
que se refugiaram no Tocantins.
Nos primeiros anos do
século XX o cerco e a opressão dos criadores era tal que os grupos
Timbíra se viram compelidos a mudanças constantes. Onde quer que se
estabelecessem, porém, eram alcançados pelos criadores;
renovavam-se os atritos, as acusações de roubo de gado e de
plantações das roças e, por fim, o choque, o massacre. O mais
violento deles ocorreu em 1913 e custou a vida a mais de uma centena
de indígenas. Um criador estabeleceu-se com seu rebanho na chapada
das Alpercatas, próximo à aldeia Chinela. O gado, vivendo solto,
espalhou-se pelos campos vizinhos onde os indígenas Canelas
continuavam a caçar. Ora, é sabido que o pastoreio e o próprio
gado afugentam a caça, assim ela foi escasseando e os indígenas
esfaimados tiveram que incluir a carne do boi em sua dieta.
Estouraram os conflitos com os fazendeiros:
“O indígena comia um
boi, o fazendeiro matava um indígena. Certo dia os tais Arrudas
reuniram para mais de cem Canelas em sua fazenda para tomarem parte
numa festa onde havia muita cachaça; depois de embriagá-los, caíram
sobre eles, sem deixar um só vivo.” (S. Fróes
Abreu, 1931).
Não existe estatística
antiga das quinze tribos Timbíra, porém algumas estimativas
parciais permitem avaliar a redução que sofreram. Tudo indica que
os quatrocentos Krahó e os trezentos Canelas que sobreviveram em
nossos dias decresceram na mesma proporção que os Apinayé. Destes
sabemos que constituíam quatro mil e duzentos em 1824, quando foram
visitados por Cunha Matos, já muitos anos depois dos primerios
contatos e após haverem sofrido pesados ataques da guarnição de
São João do Araguaia, além de epidemias de varíola. Nos anos 1950
os Apinayé não passavam de cem indígenas. (Nimuendaju,
1956).
Nesta base se pode avaliar a população original desses grupos em um
mínimo de trinta mil indígenas e de todas as tribos Timbíra, em
mais de duzentos mil indígenas.
(Veja
também: Povos Indígenas em Brasil Indígena)
|
|