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Tipos Regionais : Norte
Pescador de Pirarucu
Pescador de Pirarucu
Pescador de Pirarucu - Ilustração de Percy Lau
O Pescador de pirarucu é um tipo característico de trabalhador encontrado, com freqüência, nas zonas piscosas propriamente amazônicas da grande Região Norte. É bem uma dessas distintas e singulares personagens que, na frase de M. P. E Silva, "a várzea educou para a vida, debaixo dacartilha e das conveniências do rio".
Na maioria dos casos é um indígena, semicivilizado, um tapuio, ou mameluco, mestiço do indígena com o branco.
No começo da vazante (meados de agosto) , ou no início das enchentes (meados de novembro), esse tipo de pescador concentra toda a sua atividade na grande pesca fluvial e lacustre, a qual se realiza, na Amazônia, mediante processos puramente regionais.
No "tempo da salga" ou verão, sobretudo durante os meses de setembro e outubro, para fins comerciais e industriais, esse tipo de pescador tem por objetivo principal a pesca do enorme peixe vulgarmente conhecido pelo nome de pirarucu. Esse nome indígena significa peixe-urucu (piras peixe) sendo urucu (Bixa orellana) o nome de um fruto silvestre, que fornece tinta avermelhada com a qual costumam os silvícolas tingir o corpo. Pelo volume, o pirarucu corresponde ao jaú, na bacia do Paraná-Paraguai, e ao surubim, na do São Francisco. Cientificamente, o pirarucu é um representante da família  Osteoglossum - o Arapaima gigas, Cuvier. Na sistemática tal representante é conhecido pelas expressões sinônimas - Sudis gigas e Vastres.
O peixe tem a cabeça grande que termina em focinho. Seu corpo é cilindróide, o ventre claro e o dorso mais escuro.
A carne do pirarucu, quer a de cor vermelha, quer a amarela ou escura, exerce na região o mesmo papel que a do bacalhau entre as populações pobres do norte da Europa e da América Setentrional. Constitui, assim, a alimentação básica da população amazônica que é, sobretudo, ictiófaga em vista do meio aquático em que vive e devido, também, às enormes possibilidades que esse meio oferece, sob o ponto de vista dos seus recursos em pesca. Além disso, embora divergindo do bacalhau quanto a vários aspectos de importância tais como sabor, digestibilidade etc., o pirarucu fica em plano igual ao mesmo quanto aos valores nutritivos. As análises, aliás, já realizadas pelo Laboratório Bromatológico do Departamento Nacional de Saúde Pública, confirmam os valores nutritivos do pirarucu, bem como a excelência da carne, sabor e
salubridade. Em vista de tais resultados, verifica-se o acerto dos habitantes da Amazônia ao fazerem da carne do pirarucu, seca ou salgada, a sua alimentação básica.
Medindo de dois a dois metros e meio de comprimento e pesando de cinquenta a oitenta quilogramas, o pirarucu depois de preparado e salgado, pode dar de vinte e quarenta quilogramas de carne vendável. Representa, portanto, produto de comercial valia principalmente numa região pobre de gado e que possui população pouco afeita à criação e à cultura sedentária.

O predomínio da mentalidade aborígene, a desambição, a tenacidade e o apego à vida livre - características da população amazônica - concorrem, então, para fazer do pescador de pirarucu, um homem ingênuo, desprendido, tenaz e simples.
Tal simplicidade se reflete em todas as facetas e todos os setores de sua atuação. Sua casa, por exemplo, erguida geralmente nos pontos mais elevados das terras baixas e úmidas, senão alagadiças, consiste numa meia dúzia de paus toscos fincados como esteios, enquanto vigas e caibros compõem a armação. É, pois, uma simples e pobre "barraca" tendo por cobertura, palha de buçu, curuá, ubim, inajá, uauaçu ou miriti.
Misto de habitação e armazém, geralmente não dispõe de divisões internas. A "barraca" do pescador é, então, e na verdade, um tipo de casa elementar que reflete, sobretudo, as influências naturais e econômicas da região. Além de aproveitar todo o material fornecido pela floresta, serve, por um lado, de abrigo, cozinha, refeitório, dormitório e loja, e por outro, de depósito para o peixe. Este, depois de pescado, é salgado e posto a secar, fora, numa espécie de terreiro
contíguo à casa. A carne é arrumada em postas que pendem de um certo número de varas assentes sobre forquilhas de outros ramos de árvore. Daí é então transportada depois de seca para o interior da "barraca".
A simplicidade do pescador de pirarucu se traduz ainda de outro modo. Para o desempenho da perigosa faina da pesca, não possui trajes especiais. Ainda hoje, esses referidos trajes em nada diferem daqueles já bem descritos, em 1895, por José Veríssimo, em sua monografia regional versando acerca da pesca amazônica: ... "quem representasse o pescador vestido de calça e camisa solta, curta, mal lhe cobrindo o cós da calça e a cintura, tingidas ambas no vermelho terroso da tinta de murici (Byrsonima) e o grande chapéu desabado de grelos de tucumanzeiros (Astrocarium tucumã) enterrado na cabeça, teria o tipo mais geral deles, em todo o seu pitoresco indígena".
Para a execução de seu mister, quer se trate da pesca a linha, da pesca com arpão, ou com a fisga etc., gapuiando o pirarucu, utiliza o pescador uma simples canoa de pesca, que lhe serve de indispensável veículo.
Ordinariamente, nada mais é do que uma pequena embarcação rudimentar que mede de dois a três metros de comprimento por quarenta a cinqüenta centímetros de largura. Apenas possui de vinte a trinta e três ou quarenta centímetros de altura, medidos perpendicularmente do fundo à linha das bordas. Trata-se, pois, de frágil montaria, muito rasa, aliás.
Considerando-se o objetivo visado, tal canoa de pesca apresenta algumas vantagens sobre os demais tipos de embarcação comuns, na Amazônia. Além de deslizar célere, sem ruídos, é de fácil manejo e de rápida evolução. Em vista de seu diminuto tamanho, pode, por outro lado, penetrar sem qualquer dificuldade, nos igarapés mais estreitos ou nos riachos e lagoas marginais.
Dentro de tal montaria leve, pela manhã, sai o pescador à pesca, "nem tão cedo que não haja luz bastante à transparência d'água, nem tão tarde, que as tenha agitado a viração, mas quando, não havendo ainda "caído o vento", conservam-se as águas serenas e lisas como um espelho à sua superfície". (José Veríssimo)
Consigo leva todo o equipamento indispensável à operação da pesca: duas linhas, dois bicos, duas bolas, cacete para matar o peixe, pequena faca, uru, cestinho de talas com tampa móvel, alguns objetos de uso pessoal. No banco extremo da popa, segue o auxiliar do pescador, sentado.
Geralmente, um filho seu. Este, remando com um leme chato, de forma elíptica, imprime movimento e direção à pequena embarcação. No banco alto, denominado "banco do pescador", à proa, segue o pescador, às vezes de pé, tendo uma grande haste segura na mão direita. Um pé, firme no banco e outro no fundo da embarcação. O olhar é penetrante e os ouvidos apurados. E lá se vai a frágil embarcação ao longo dos igarapés, ziguezagueando pelos lagos ou beirando as margens do grande rio e, de vez em quando, pára junto aos "tesos" sobre os quais as "barracas" amareladas imprimem à paisagem colorido especial.
Baixas e rústicas, essas "barracas" se localizam sobrepostas às ribanceiras junto - como escreveu Veríssimo - "a algum grupo d'árvores ou "rebolada" de palmeiras, ilhas espalhadas no mar verde dos muritizais ou dos dilatados campos, se em região de campos ficam os lagos, onde as manadas de gado põem os tons variegados dos seus pêlos, dando à larga paisagem um recanto bucólico".
Em busca do peixe, no "tempo da salga", justamente no período mais agradável do clima amazônico, inúmeros pescadores da vizinhança bem assim negociantes e especuladores longínquos, acorrem aos centros de pesca, uns para pescar, outros para comprar o pescado e uns quantos para fazer comércio ilícito como de fato o fazem certos "regatões". De qualquer maneira,
o aspecto dessas regiões é, então, animado e pitoresco.
Com seu estilo agradável, José Veríssimo focalizou expressivo flagrante da vida, por exemplo, ao pé das habitações dos pescadores: "Junto às barracas, rodeadas de varais de onde pendem secando ao sol, as postas elípticas largas, avermelhadas do pirarucu, pondo em roda o seu pitiú desagradável, pululam os curumins nus, prole numerosa desta gente prolífica, alimentada de fósforo. Correm travessos, atirando pedras aos esfaimados urubus que ameaçam o peixe a secar,
ou aos jacarés que passam, n'água embaixo, ao alcance da pedrada ou vêm sorrateiramente se achegando da margem a pilhar algum resto ali lançado. A vida animal n'água, menos aparente, passando-se sob as águas em geral escuras e opacas daqueles aguaçais é, entretanto, mais intensa.
A cada momento se ouve o ruído especial familiar ao ouvido do pescador, do boiar do pirarucu, levantando sobre o dorso, espesso cúmulo d'água e deixando após si um largo rebojo, ou assiste-se ao pulo alto da desprezável piraíba, o enorme corpo todo fora d'água, envolto num lençol líquido, franjado de espuma, sumindo-se nela com estrondo, fazendo largos círculos ondeados, que vêm fenecer na margem; avistam-se passar os botos supersticiosamente temidos, pondo rapidamente fora d'água os compridos focinhos cilíndricos e os dorsos bruno-vermelhos, abaulados, lisos" .
Em derredor, entretanto, a vida animal, em terra, prossegue indiferente à presença humana. Mas no igarapé próximo, do banco alto de certa montaria, um pescador prepara-se agora, para tirar o peixe, tendo na mão direita, grande haste apontada na direção da água... E a vida do pescador continua, assim, estreitamente associada ao regime das águas amazônicas a que, por sua vez, se subordina o êxito das pescarias.

Fonte: Pescador de Pirarucu / José Veríssimo da Costa Pereira in Tipos e Aspectos do Brasil. - Departamento de Documentação e Divulgação Geográfica e Cartográfica / Instituto Brasileiro de Geografia / Fundação IBGE. - Rio de Janeiro, 1970



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