|
|||||||||||||||||
|
A
personagem típica que, assim, gravita em torno das fazendas, quer de
lavoura, quer de criação, é justamente o agregado.
O termo foi usado antigamente para designar uma das personagens
dependentes do fazendeiro, mas de condição distinta da dos escravos.
Era homem livre. Nos tempos passados, com efeito, a classe dos
agregados se diferençava da classe dos escravos, não somente pela sua
origem étnica, mas também pela sua situação social. Vivia fora dos
limites da casa residencial do proprietário e possuía condição
econômica distinta da dos escravos. Como acentuou Oliveira Viana, os
agregados eram uma espécie de colonos livres, diferentes, todavia, dos
colonos propriamente ditos. Os agregados vicentistas, por exemplo, não
eram nem pequenos proprietários como os colonos alemães de Santa
Catarina, nem trabalhadores assalariados ou parceiros como os colonos
italianos das fazendas paulistas. Eram, sim, moradores ou foreiros que
habitavam "fora do perímetro das senzalas, pequenos lotes aforados, em
toscas choupanas, circundantes ao casario senhorial, que, do alto da
sua colina, os centraliza e domina”. Da terra extraíam o bastante para
levarem vida sóbria. Caçavam, coletavam frutos e plantavam apenas
alguns cereais. Na opinião de representavam "o tipo do pequeno produtor
Oliveira
Vianaconsumidor vegetando ao lado do grande produtor fazendeiro".
Em contraste com o termo camarada, que significa trabalhador assalariado, vivendo ou não no local da fazenda, o termo agregado é empregado, hoje, para designar o trabalhador residente em terras de uma fazenda ou engenho, mediante condições variáveis de um para outro estabelecimento. Na aparência são ocupantes, a título gratuito, da propriedade alheia. Presentemente, o agregado é uma personagem típica em grandes áreas de Mato Grosso, Goiás, Bahia. Também o é em todos os estados situados ao norte dos primeiros. Cumpre ressaltar, entretanto, que em muitos estados, como sucede em Minas Gerais, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e mesmo em certos trechos de São Paulo, aquele tipo humano ainda existe, embora sem conservar diversas das características coloniais primitivas. Por outro lado, conforme advertiu T. Lynn Smith, em relação ao norte do país, "é preciso não errar pensando que semelhantes famílias de agregados, e ainda as pessoas não agregadas de um comparável nível social, sejam apenas encontradas no interior distante". As relações entre o agregado e o proprietário não são muito claras. Em princípio tais relações consistem numa troca de serviços. O agregado recebe a terra para trabalhar e, em troca da ocupação, a título gratuito, da propriedade alheia, dedica, por exemplo, alguns dias de trabalho remunerado ao proprietário. Usualmente o agregado recebe a permissão de fazer pequenas lavouras de subsistência, bem como a de criar algumas aves domésticas e a de ter alguns porcos para cevar. As vezes pode ter um cavalo ou uma besta para seu uso particular, ou criar, mesmo, certo número de reses. Em troca, o agregado dá ao proprietário uma parte de sua produção, conforme o acordo preestabelecido com o mesmo. Desta ou daquela maneira, o fato é que o agregado imprime à paisagem certas marcas humanas e estas marcas o tornam um agente digno de ser considerado geograficamente. Em Santa Catarina, no planalto de São Joaquim, o agregado, segundo observou Vítor A. Pelúsio Júnior, é o operário da fazenda pastoril. Trabalha sobretudo com o gado. Apenas recebe salário quando executa serviço diferente para o proprietário. Sua existência, em Santa Catarina, é uma reminiscência da ocupação paulista na região pastoril. Com a abolição da escravatura muitos pretos escravos, que permaneceram na fazenda, trabalhando, foram elevados à condição de agregados. Por tal motivo, hoje lá se observa uma inversão na diferença racial outrora existente entre os membros componentes do domínio fazendeiro. Agora, os proprietários continuam sendo brancos, mas os agregados são mestiços e pretos. O tipo clássico sofreu, portanto, adaptação regional decorrente de circunstâncias geográficas, históricas e econômicas. Muitas características primitivas permanecem, contudo. O agregado mora perto da casa do fazendeiro. Além de movimentar as tropas de mulas que vão às praças distantes do litoral, ainda dispõe de tempo suficiente para lavrar a terra por conta própria. "Esse uso da terra - explica Pelúsio Júnior - aliás, constitui uma forma de pagamento que lhe faz o fazendeiro, em recompensa do trabalho com o gado. O agregado, porém, ligado tradicionalmente à explotação pastoril, faz como os patrões, plantando quase exclusivamente para o consumo". - Na gravura, Percy Lau reproduziu um desenho de Péricles focalizando esse tipo de agregado existente no planalto de São Joaquim, em Santa Catarina. Transformações curiosas no sistema dos agregados rurais verificaram-se, outrossim, na área do atual município de Cunha, estado de São Paulo. Estudando o povoamento no referido município, Mário Vagner Vieira da Cunha observou que, aí, os agregados, em sua forma primitiva, eram os "crias da casa", os "parentes pobres", os quais ocupavam posição intermediaria entre o escravo e o grupo de pais e filhos. Prestavam serviços contínuos à fazenda, obedientes que eram à sua obrigação moral para com o proprietário. Sob a influência dos chamados "moradores", isto é, outra classe rural sujeita apenas a uma prestação intermitente de trabalhos, o tipo primitivo de agregado sofreu transformação inicial. Com efeito, nos começos do presente século, devido ao caráter do mesmo modo intermitente, do trabalho agrícola, o antigo "morador de favor" passou a ser também denominado agregado. O termo tornou-se, assim, muito mais amplo porque serviu para designar não apenas os "crias da casa" e os "parentes pobres", mas todos aqueles que moravam de favor nas terras de outrem, sujeitos, não obstante, à obrigação de prestarem serviços aos respectivos proprietários das terras. O caráter familiar do regime de agregação rompeu-se, então, daí por diante, proporcionando a muitos estranhos a faculdade de se tornarem agregados. Segundo a interpretação de Mário Vagner, a transformação foi facilitada pela decadência econômica da região, que trouxe no bojo menor necessidade de braços, pelo menos nas terras contíguas à sede da fazenda. Os agregados que viviam no interior da referida sede tiveram, naturalmente, dificuldades para se manter e, em vista disso, os proprietários acharam ser conveniente permitir que os mesmos se fixassem fora da sede a fim de facilitar-lhes a manutenção por conta própria. Por outro lado, a partir da Abolição, o tipo do agregado passa a se revestir de novos aspectos, a enfeixar mais outras características como as de trabalhador assalariado e as de meeiro. "Tem sua roça - escreveu Mário Vagner - mas deve abandoná-la para cuidar da do patrão e ganha por este serviço um salário, a seco, ou a molhado, mas somente quando trabalha. Importa notar que a figura do assalariado domina sobre a do meeiro. A forma rudimentar de exploração da terra não prende a ela o agregado, que está sempre pronto a abandonar sua casa de pau-a-pique e sua roça de milho para ir residir onde encontre melhores salários. O patrão também vê no agregado menos o meeiro e mais o empregado. Fá-lo abandonar a sua roça sem atender em nada ao prejuízo que daí advenha. Se bem que com menor freqüência do que outrora, abre mão do que poderia exigir das colheitas pois o interessa, antes de tudo, tê-lo para quando dele precise. Vê nessa permissão que dá ao agregado de morar de favor nas suas terras, em grande extensão inexploradas, a vantagem de não precisar sustentá-lo". Nas fazendas de criação e usinas dos pantanais mato-grossenses, o agregado costuma ter o direito de criar algumas cabeças de gado e pode fazer pequenas roças independentemente da obrigação de auxiliar os trabalhos principais do senhoria quando necessário. Nos estabelecimentos pastoris participa de quase todos os trabalhos mais propriamente afetos aos vaqueiros. "Isentos de obrigações contínuas, - escreveu - poderão aplicar a sua atividade como lhes Virgílio Correa Filhoaprouver, inclusive de maneira que obtenham produtos de plantações reduzidas ou de indústrias domésticas, de valor comercial, como artefatos de couro, de sola, peles de animais caçados, de cuja compra toca a preferência ao seu chefe. Fora dos compromissos periódicos, vivem em relativa independência, ao contrário dos camaradas, a quem cabe o quinhão maior nos campeios e demais diligências, que se intensificam nas estiagens até o começo das águas". Em certos municípios de Minas Gerais, sobretudo, nos que se encontram entre Belo Horizonte e o rio Paranaíba, o termo agregado costuma ter diferente acepção. Em Carmo do Paranaíba, por exemplo, o termo agregado é reservado ao arrendatário que reside na fazenda, chamando-se arrendista o que vive fora da mesma. Já nos municípios do oeste de Minas, na área de Lavras, por exemplo, o termo conserva o seu significado tradicional. O agregado não é arrendatário, mas ocupante de propriedade alheia morando na sede da mesma. Ao tratar dos tipos rurais encontrados na bacia do médio São Francisco, Jorge Zarur referiu-se ao agregado como um deles. Nesta parte do estado da Bahia, o agregado vive num terreno considerado parte do domínio fazendeiro. Dedica-se, de preferência, aos trabalhos da lavoura e sua situação econômica ordinariamente é bastante precária. Em Goiás, como na Bahia, as fazendas têm geralmente agregados que somente cuidam da lavoura. As do município de Luziânia, por exemplo, apenas possuem agregados desse tipo. Muitas vezes a função é exercida por baianos como sucede em Planaltina. Talvez por influência do oeste mineiro, o agregado em Luziânia é um tipo de agricultor que pode arrendar a terra para trabalhar. Ainda que vivendo na fazenda sem adquirir, pela residência, qualquer direito sobre o solo, o modo de existência do agregado na propriedade do senhorio implica numa relação necessária entre ele e o substrato territorial. É precisamente a consideração desse liame territorial, como diria Demangeon, que faz do agregado um tipo de geografia humana, além de ser personagem que reúne em si caracteres especiais que tão bem se enquadram nos estudos da sociologia. Se o solo é fundamento de toda a sociedade, na estruturação do domínio fazendeiro, a utilização de um mesmo território contribuiu para criar entre agregados e proprietários, uma solidariedade social, apesar da diferença de sangue, de força e das desigualdades econômicas. O próprio caráter da vida patriarcal que, muitas vezes, se encontra nas fazendas distantes do interior, é resultado da natureza da amizade que une agregados e patrões. Mas é fora de dúvida que, entre ambos, essa amizade cresce e se fortalece sob o denominador comum da terra dadivosa onde vivem juntos e trabalham. |
|
|
|
||
|
Deixe seu comentário: | Deixe seu comentário: | |
Correio eletrônico | ||
Livro de visitas |