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Moradores
da zona vizinha das lagoas fronteiriças, viveiros de onças,
exercitaram-se em caçá-las com as suas flechas apropriadas e mais
reforçada lança, de ponta de osso, que possivelmente se transformaria
na zagaia dos civilizados. Perseguiam o animal para acuá-lo. E, então,
se não podiam flechá-lo, por entre as moitas densas, provocavam-no até
obrigá-lo à investida, em que o rechaçava o pontaço quase sempre
mortal. Se falhasse o golpe, havia o recurso do salto para trás, que
permitisse repetir a manobra.
Nesse duelo de morte, nem sempre a derrota fatal colheria o quadrúpede. Bastaria o mais leve descuido ou escorregadela, em meio da zambuada, para que se banqueteasse o macharrão com apreciada carne humana . . Para afastar as possibilidades de desastre, preferiam os civilizados o emprego de armas de fogo, manobradas de maior distância. Certeiros na pontaria, escolhiam a parte mais vulnerável da fera, quando possível entre os olhos, por onde penetra a bala, sem lhe estragar a pele, cujos defeitos lhe diminuem a cotação. Caso não baqueie, mortalmente ferida, ou não dê ensejo ao disparo, por surgir de súbito, do seio do bamburro espesso, encontraria pela frente o zaquaieiro com a sua arma semelhante à do Guató, substituída a ponta de osso por aço. De pouco mais de um palmo de comprimento, por duas polegadas de largura, limitada pela cruzeta, que não a deixa entranhar-se em demasia, a pontiaguda lança bigúmea encaba-se em vara de guatambu, ou madeira equivalente, de cerca de dois metros. Ao pulo do animal, que se levanta comum ente sobre as patas traseiras, para lanhar, com as munhecas bem armadas de garras, a cabeça do caçador, contra o qual se investe furiosamente, revida o golpe seguro da zagaia, que lhe penetra por vezes em região decisiva da luta. Quando o não prostre, golpeado mortalmente, recua o zagaieiro, em guarda, fora do alcance das unhas dilaceradoras, para o segundo lançaço, que em geral não se faz mister repetir. Não obstante acossada pelos cães onceiros, que lhes seguem o rastro e ameaçada pelas carabinas de repetição e zagaias perfurantes, não raro a onça consegue, pela sua ágil mobilidade, enganar os caçadores e abater, um a um, os seus perseguidores. Celeremente penetra pelo macegão adentro, a distanciar-se da matilha, e em rápido volteio posta-se em tocaia por onde passara. E ao aproximar-se a retaguarda inimiga, escolhe a sua vítima, que uma simples tapona inutiliza para o resto da excursão, quando não lhe atalhe a vida. Quando acode o caçador, já estará longe o felino, e disposto a repetir a mesma tática em outra passagem. Somente as mais experientes e escapas das perseguições anteriores, conseguem executar o plano de eliminação sucessiva dos caninos, a que votam justificado ódio. É o onceiro que lhe segue a marcha e a enfrenta, sem temor, até levá-la à acuação, em que a derrubará o tiro seguro, ou os golpes do zagaieiro. Quando opera mais de um, será possível subjugá-la no chão. Mas "a onça sob a zagaia enrosca-se toda, desconjunta-se em contorções de serpente, escorrega, e, às vezes, consegue escapar", testemunhou o comandante H. Pereira da Cunha, ao descrever o fim de uma de suas caçadas. Abatido o animal, nenhum caçador o deixará para urubus, antes de lhe tirar cuidadosamente o couro, em geral com as munhecas e a cabeça, que o valorizam. E sem demora, no pouso, apressa-se em prepará-lo com cuidado. A primeira operação para o preparo do couro, esclarece ainda o autor de Viagens e Caçadas em Mato Grosso, consiste em dissecar as patas e a cabeça, revirando o couro ao mesmo tempo que é descarnado, e enchendo com capim seco as patas, bem como a cabeça, sendo nesta conservado o crânio completo. Os cortes produzidos pelas zagaias, ou furos de balas, são costurados devidamente, antes de ir o couro ao caixilho, ou "quadro", onde o estiram convenientemente, para a secagem ao sol. Nessa posição, cabeça ao alto, é-lhe retirada cuidadosamente, por hábil grosador, a camada de gordura aderente, que lhe apressaria a deterioração. Para evitá-la de todo, faz-se mister ainda envenená-lo na ocasião, ou depois de seco, mais cedo possível. O caçador timbra em apresentar, como troféu de vitórias esportivas, o couro de suas vítimas bem conservado. E se é profissional, como ocorre nas fazendas do Pantanal, que mantém os seus caçadores de onça para defesa dos rebanhos, em regiões por elas freqüentadas, representa o couro mercadoria apreciável, cujo valor cresce com sua eficaz conservação. Transforma-se a caçada em indústria, que figura na pauta da exportação dos produtos naturais, como peles de animais selvagens. |
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