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Quando,
na zona pecuária da Campanha sulina, as pastagens começaram a ser
apropriadas, surgindo as cercas, os "corredores" e, as estâncias, quase
ao mesmo tempo em que o couro cedeu importância à carne como bem
econômico, aparecendo as charqueadas, - o regime de liberdade e de
autonomia do gaúcho transitou para outro, em que as classes se
diferenciaram: de um lado os proprietários, as os estanceiros; de
outro, o trabalhador, o peão. Desta sorte, confundiram-se os termos
gaúcho e peão, como que se tornaram sinônimos. Já Ricardo Hogg referia
"o crescente empenho em chamar gaúcho a todo peão de campo que anda a
cavalo".
Paradoxalmente, o termo, que em suas origens servia para designar o homem a pé, passou a batizar o trabalhador da Campanha, que utilizava o cavalo para os seus misteres. Aquele horror em deslocar-se a pé, a que se referiu Azara - "repugna-lhes tanto andar a pé que quase não o sabem fazer", - e também Sarmiento, que contou o caso daquele gaúcho que, ao contestar como ia afirmou a sua suprema desgraça na expressão: "Como hei de ir? No Chile e a pé!" - foi disfarçado com a transigência formal do uso do cavalo, embora o nome significasse o contrário. Para disfarçar a situação de fato, que o termo traduzia bem, de inferioridade social, de dependência econômica, de subalternidade hierárquica. Contrastando com a sua origem, por vincular-se a homens que andam montados, o título conservou a significação, por indicar o trabalhador da estância. Entre os seus misteres, na zona sulina da pecuária, - e também no sul da Mato Grosso, carreado pelo elemento gaúcho para ali deslocado, - não está o da doma, apenas, que era, e ainda é, em outras regiões, abrangido pela significação do termo, mas todos os trabalhos ligados ao regime pastoril. Peão é, pois, o trabalhador da propriedade pastoril, aquele que lida com o gado, na região pecuária do sul brasileiro. A condição de trabalhador, isto é, status social absorveu tanto o conteúdo da significação do vocábulo que CALLAGE chega a assinalar o seu uso nas cidades, para designar "todo e qualquer empregado de ínfima categoria". Esta é uma extensão, porém. Na sua inteireza de significação, o termo abrange o trabalhador da estância sulina, aquele que vive de lidar com o gado. Continua a ter lugar de relevo, entre os misteres do peão, a doma dos animais bravios, particularmente de cavalos. Nessa tarefa, como que o peão se reveste das virtudes que caracterizaram o gaúcho livre, seu antepassado, de características bem diversas das suas. Mas a doma é um episódio apenas, entretanto, cheios de espetáculo, de arte e de galhardia, de sua vida de trabalhador, como a marcação, o rodeio. As transformações econômicas sofridas pelo quadro geográfico transformaram o gaúcho em simples peão, trabalhador em regime de salário, em que se transfiguram, nos momentos de festa e de espetáculo, as qualidades do gaúcho tradicional, de que é o herdeiro. |
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