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O Pau-de-Arara

O Pau-de-Arara
O Pau-de-Arara - Ilustração de Percy Lau
Sendo uma das áreas mais povoadas do Brasil, o Nordeste é o filão incansável que fornece ao país os contingentes impressionantes de braços para todas as atividades profissionais. Mas, não só a isto se deve a dispersão das gentes da terra sáfara na procura de outros rincões que se extremam pelas latitudes pátrias: o que expulsa o nordestino de sua gleba é mais propriamente a intermitência dos flagelos climáticos aliados ao descaso e abandono em que o homem de EUCLIDES se confina.

A emigração sempre ocorreu em maior volume durante as secas condicionando a vida do sertanejo às vicissitudes mais cruéis. Longa, senão impossível, seria a enumeração de fatos que se ligam para mostrar a luta desigual do homem do sertão tentando sobrepor-se às próprias resistências para não ceder ao fenômeno ingrato que o expulsa do chão nativo negando-lhe o fator precípuo de sua permanência ali, a água. Sem ela, sem as reservas líquidas que o caboclo não pode armazenar quando a chuva, seguindo o roteiro caprichoso da evolução dos ventos se derrama sobre as planícies calcinadas, a terra se converte em madrasta. Onde antes oferecia vida e paz, agora gesticula como possessa expondo na rigidez dos galhos desfolhados anúncios de tragédias. E o homem emigra.

Outrora, os caminhos escassos, as estradas incompletas, as distâncias cheias de obstáculos, cujo percurso desanimava os mais corajosos, não permitiam aos emigrantes a facilidade de locomoção que hoje se verifica. Já não afloram pelas estradas com a mesma insistência os vestígios macabros que denunciavam a passagem das caravanas. Surgiu um elemento novo na paisagem moderna: o caminhão. Para ele fizeram-se extensões de admiráveis panoramas, rasgaram-se planos onde se descortinam audaciosas perspectivas. Construída a transnordestina e a Rio-Bahia, o Nordeste se uniu umbilicalmente ao sul, ao leste e oeste; São Paulo protetoramente recolhe os destroços humanos que ancoram em suas miragens e o estado da Guanabara (A Guanabara foi um estado do Brasil de 1960 a 1975, que existiu no território do atual município do Rio de Janeiro), comprimindo-se ainda mais entre suas montanhas, dilata os subúrbios para conter o alude que desce da Bahia e de Minas Gerais em maior escala, completando-se com os retirantes da Paraíba, do Ceará, de Sergipe ou do Piauí.

Como um espinhaço vertiginoso, alguns milhares de quilômetros de terra arrebatada às selvas estabeleceram um fluir continuo de veículos, que unem regiões opostas e aproximam um povo, que a distância diversifica nos costumes, nos tipos, nas crendices, um sistema de condução que contém, em suas características, perfeitas mazelas sociais: o "pau-de-arara". Resulta ele de uma carroçaria de caminhão abrigada ao sol por uma coberta de lona, o encerado. As pessoas viajam sentadas em pranchas colocadas transversalmente, enquanto no sentido longitudinal, nos lados e no centro, agarram-se nas madeiras que servem de suporte à improvisada capota. Daí provém o adjetivo da incômoda condução, que lembra um poleiro onde as criaturas humanas desenvolvem prodígios de equilíbrio para manterem-se apoiadas. Por extensão, os seus ocupantes tomam mesmo nome passando a nova terminologia a designar todo aquele que viajou nos terríveis caminhões. É um estigma que acompanha o emigrante até que ele organize sua vida, seus negócios na terra que o acolhe, e a prosperidade apazigue os indícios antigos.

Campina Grande, na Paraíba, é um dos pontos principais do Nordeste onde mais de cinquenta pessoas começam um roteiro angustioso de dez, quinze ou vinte dias, encolhidas no tablado sacolejante de um "pau-de-arara", sob um toldo que as encobre como uma mortalha de brasa, o ar contaminado dos mais diversos odores, as bátegas de suor escorrendo pelos rostos machucados pelo sono intranquilo dos pernoites interrompidos. A viagem vai-se pontilhando de pormenores, que inscrevem na memória aflita dos flagelados muitas páginas inenarráveis, decorrentes da fome, sede e cansaço. A falta de higiene, a miséria e o desinteresse dos poderes públicos, contribuem para a dissolução moral e orgânica das mentes primitivas que as estradas carregam até estes destinos: - Rio - Campo de São Cristóvão, de onde, aos poucos, se irradiam pela cidade empregando-se nas construções civis, em misteres anônimos do comércio e outras atividades ocasionais; Presidente Prudente, Ameliópolis, Santo Expedito e outras sedes de latifúndios, em São Paulo, com a oferta de suas terras generosas; o norte do Paraná com a promessa de riquezas futuras, ainda armazenadas nas profundezas geológicas. Chegam, a esses lugares, nordestinos da mais variada escala social. Chegam a todos os quadrantes do país, pois emigram, também, em outras direções, como semente que precisasse frutificar em solo estranho, atingindo a soma de dezessete mil o número dos que já entraram na Paulicéia, em um mês, certa ocasião. Aliás, as estatísticas acusam a entrada de, pelo menos, quatrocentos mil "nortistas" em São Paulo durante 1952.

É assustador o volume de emigrantes que se evade do Polígono das Secas nos bojos imundos dos "paus-de-arara"... O índice alarmante acabará por habituar-nos ao absurdo que as cifras apresentam pela continuidade com que os sinistros veículos vão deixando pelas estradas as marcas dos seus pneus.

Nota: O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que analisou os anos de 1995, 2001, 2005 e 2008.

A pesquisa aponta que, desde o começo da série (1995) até o ano de 2001, o fluxo do Nordeste para o Sudeste era maior que o fluxo inverso, situação que sofreu uma reviravolta nos sete primeiros anos da década de 2000.

Em 2008, o fluxo entre as duas regiões voltou a ser favorável ao Sudeste. A pesquisa dá como uma das explicações para essa alteração uma mudança de perfil dos migrantes. Segundo o instituto, "os migrantes do Nordeste para o Sudeste já gozam de melhor situação, em termos de formalização do trabalho, que a dos próprios trabalhadores não migrantes da Região Sudeste".

(http://www.estadao.com.br/noticias/geral,migracao-do-nordeste-para-o-sudeste-aumenta-imp-,596568)


Fonte : O Pau-de-Arara / Francisco Barbosa Leite in Tipos e Aspectos do Brasil. - Departamento de Documentação e Divulgação Geográfica e Cartográfica / Instituto Brasileiro de Geografia / Fundação IBGE. - Rio de Janeiro, 1970


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