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Mitos
coletados por
Nimuendaju
Dos
indígenas da ex-aldeia de Santa Rosa
A
aldeia de Santa Rosa, um pouco ao norte de Jequié, Estado da Bahia, foi
fundada em mil e oitocentos e sessenta e tantos com alguns indígenas
descendentes dos Tupiniquim da aldeia Trancoso, perto de Porto Seguro.
Algum tempo depois, reuniram-se a estes os remanecentes dos
Kamuru-Kariri da aldeia da Pedra Branca, destruída por causa da
resistência ao recrutamento para a guerra do Paraguai. Expulsos os
indígenas de Santa Rosa em começos do século XX, eles se retiraram ao
Gongogi e, enxotados dali, se estabeleceram mais ao sul, num afluente
do rio Pardo. Sendo-lhes tomado novamente o lugar pelos neobrasileiros,
alguns remanescentes se refugiaram, em 1938, nas terras do Posto
Paraguaçu do Serviço de Proteção aos Índios, no rio Cachoeira, onde
Nimuendaju os conheceu naquele ano. Seu informante, Apolinário, tinha a
idade de oitenta e tantos anos, tendo vindo, na idade de uns dez, de
Trancoso para Santa Rosa. Os seus conhecimentos da cerimônia da jurema,
ele os adquiriu, sem dúvida, em convívio com os kamuru-Kariri, mas as
lendas parecem ser legitimamente Tupi. Nenhum desses indígenas
conservou o menor conhecimento de sua língua original.
A
cerimônia da Jurema
Iam-se
buscar, a leste do sítio da cerimônia, pedaços de galhos
de jurema dos quais se tirava a casca, de cima para baixo, com um
bastão
de pau. A massa lenhosa era posta em infusão com água e depois
espremida numa cuia especial (com um prolongamento que servia de cabo).
A cerimônia era executada durante a noite para os neobrasileiros
não saberem dela. Um certo número de moças sentava-se
ao redor da cuia. Elas fumavam de um grosso cachimbo de barro e
sopravam
a fumaça sobre a bebida, onde ela formava uma camada espessa. Um
velho, com um maracá enfeitado com um mosaico de penas grudadas,
dançava, com o torso curvado, ao redor do grupo, cantando:
Endarindandá
nafé nafé nafé! e as moças respondiam:
Darindarindandá!
Em
seguida, o velho dava às moças e aos homens, que formavam
uma fileira ao lado, um pouco da bebida de jurema numa pequena tigela
de
barro.
A jurema
mostra o mundo inteiro a quem a bebe: vê-se o céu aberto,
cujo fundo é inteiramente vermelho; vê-se a morada luminosa
de Deus; vê-se o campo de flores onde habitam as almas dos índios
mortos, separadas das almas dos outros. Ao fundo vê-se uma serra
azul. Vêem-se as aves do campo de flores: beija-flores, sofrês
e sabiás. À sua entrada estão os rochedos que se entrechocam,
esmagando as almas dos maus quando estas querem passar entre eles.
Vê-se
como o sol passa por debaixo da terra. Vê-se também a ave
do trovão, que é desta altura (1 metro). Seus olhos são
como os da arara, suas penas são vermelhas e no alto da sua cabeça
ela traz um enorme penacho. Abrindo e fechando este penacho, ela produz
o raio e, quando corre para lá e para cá, o trovão.
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