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-Kayapó 2
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Kayapó
(Horda Irãamráyre)
Mitos coletados por Nimuendaju
Família Kayapó
Família Kayapó
A subtribo Irãamráyre dos Kayapó Setentrionais é conhecida desde o começo do século passado, habitando os campos a oeste do Araguaia, na bacia do rio Pau d'Arco. De um modo geral, eles se conservaram pacíficos. Seus vizinhos e inimigos pelo lado do oeste eram os Kayapó da subtribo dos Gorotire. De 1891 em diante, a tribo foi objeto da catequese de Frei Gil de Villanova, que em 1897 fundou Conceição do Araguaia. Nessa época contavam os Irãamráyre 1.500 pessoas. Os missionários não conseguiram a conversão da tribo mas, em 1940, esta estava reduzida a três mulheres e dois homens, dispersos entre os neobrasileiros.
O material presente foi obtido com esses dois últimos homens, na margem do Arraias, em 1940.

A língua Kayapó é um membro do grupo do norte e oeste da família Gê, parente próxima da língua Timbira e, especialmente, do Apinayé..

A origem da tribo Kayapó

No começo só existia o Kayapó Katembári com sua mulher, oito filhos e outras tantas filhas. Irmãos e irmãs casavam entre si, mas não tinham filhos, e por isso seu número nunca aumentava. Vagavam pelo mundo fazendo guerra a todas as tribos que descobriam, tomando-lhes os enfeites e adotando, com estes, as festas e as cerimônias dos vencidos. Aborrecia-os, porém, serem tão poucos, e por isso pediram ao velho Katembári que criasse mais Kayapó. "Sim", respondeu este, "vou faze-lo, pois também eu estou enfadado de estar só!" Saiu só para o campo alto, onde procurou uma sucupira
(Bowdichia sp.), da qual cortou os galhos. Num vaso feito de uma folha, trouxe água e com ela fez sua magia. Depois meteu um aspersório de penas de urubu-rei na água mágica, trepou com ele no topo da árvore e, gritando alto, aspergiu para todos os lados. Depois desceu e deitou ao redor da árvore, no chão, num círculo largo, folhas de caeté, sempre uma em cada lugar onde havia de ter uma choça. Feito isto, tornou a casa e disse aos filhos: "Amanhã já teremos muitos companheiros!" Esta notícia alegrou-os muito, e quando na manhã seguinte foram ao lugar onde Katembári tinha feito a sua magia, já ouviam de longe as vozes das crianças e das mulheres. Ao redor do pé de sucupira tinha surgido durante a noite uma grande aldeia de Kayapó.

A origem dos Gorotire

Os piores inimigos dos Irãamráyre foram, durante mais de meio século, seus vizinhos a oeste, os Gorotire-Kayapó da região do rio Fresco, além do divisor das águas do Xingu. Sobre a origem dos Gorotire e da inimizade entre a tribo do Pau d'Arco e eles conta a tradição o seguinte.

A princípio habitavam todos os Kayapó uma só aldeia grande. Era esta tão grande que era preciso um dia inteiro para se dar a volta pelo círculo todo das casas. Os Me-norõ-ní-re preparavam-se para uma festa, aprendendo um número de cantigas para ela. Depois foram caçar para trazerem a carne para a festa. Nesse meio tempo, os Me-kra-re dançaram com as cantigas dos Me-norõ-ní-re. Quando estes voltaram e viram que os homens haviam se apoderado de suas cantigas, tornando com isto impossível a celebração de sua festa, aborreceram-se grandemente.  Consultaram-se com um velho que conhecia as regiões a oeste dos Irãamráyre. A tarde este velho foi ao pátio e chamou os Me-norõ-ní-re: "Vinde! Vinde todos! Amanhã eu quero comer króe-ti
(trairão, Hoplias macrophtalmus, um peixe que não existe no Araguaia mas na bacia do Xingu)!" Os outros habitantes da aldeia estranharam tal convite mas o velho combinou tudo com os dois Ka-dywúdn dos Me-norõ-ní-re para o dia seguinte. Na manhã seguinte eles partiram da aldeia, levando suas raparigas. Foram quase todos os Me-norõ-ní-re. Emigraram para o Oeste, onde fundaram uma aldeia própria. Depois fizeram flechas de guerra e voltaram para lutar com os Me-krá-re que os haviam ofendido. Multiplicaram-se e formaram a tribo dos Gorotire. - As hostilidades continuaram até 1939.

Nota: As classes de idade dos kayapó não são organizações como as dos Timbira Orientais, onde todos os iniciados juntos pertencem vitaliciamente a uma mesma classe, sem jamais poder passar para outra. Entre os kayapó, como entre os Apinayé, o indivíduo passa com a idade sucessivamente de uma para outra. Das oito classes de idade masculinas dos Kayapó (inclusive três classes intermediárias), é a dos Me-norõ-ní-re (moços que já usam o estojo peniano) a mais importante e que mais se destaca socialmente. A dos Goromanõro abrange os candidatos à classe dos Me-norõ-ní-re, mas que ainda não receberam o estojo peniano, e estão sob a tutela destes. Os Me-kra-re são os pais de família. Cada classe de idade tem dois chefes, que trazem o título de Kadywúdn.
A visão do Sol (Gorotire)

Tepkrít contou-me o seguinte: Entre os Gorotire que, em 1939, estiveram durante algum tempo no Arraias, havia um certo Kraité. Este e Nreitumtí, a velha tia da mãe de Bepkrít, costumava contar um ao outro muitas histórias. Entre outras, o Gorotire contou na presença de Bepkrít a aventura seguinte:

"Eu sei", disse ele, "como Mut se apresenta, porque eu mesmo o tenho visto. Ele é um dos nossos. Eu estava só no campo quando o avistei, de pé, sobre um cupinzeiro. Seus olhos eram deste tamanho
(duas polegadas de diâmetro) e resplandeciam, seus cabelos atrás desciam até a cintura e de cada canto da sua boca corria uma listra vermelha, verticalmente, pelo queixo, o pescoço e o lado do corpo. Sua cor era clara, e no mais era exatamente como um índio. Ele estava de pé, com os braços abertos. Atrás, na cabeça, tinha uma roda de penas de arara, sempre alternando uma comprida e uma curta. Achava-se a esta distância (- 100 passos) de mim.  Aproximei-me devagar. Ele se voltou, e eu pude ver o enfeite da sua cabeça por trás: no meio, por cima da roda de penas, ele trazia uma pequena chapa occipital (Kenkrí). As penas de arara pareciam constantemente crescer e diminuir outra vez, e suas pontas refulgiam e cintilavam.  Então não me atrevi a chegar mais perto, e, pouco depois, ele desapareceu.".

O Trovão

Três fenômenos naturais aparecem personificados nos contos dos Irãamráyre: o trovão, o arco-íris e os bólidos luminosos. De todos, o mais importante é o trovão, que mais uma vez deriva de um vayaná terrestre.

Um índio de nome Bebó tinha matado e esquartejado uma anta. Seus companheiros repartiram entre si a carne, e não deixaram nem um pedacinho para Bebó. Então este foi para casa e se deitou para dormir. Suas mãos estavam sujas de sangue da anta e, vendo-o assim, sua mulher o aconselhou a lavá-las antes de dormir. Ele, porém, respondeu-lhe que queria mesmo dormir com as mãos sujas. No dia seguinte, quando os outros foram caçar, ele ficou em casa. Foi tirar uma acha de madeira na mata e começou a fazer com ela uma espada de pau. Enquanto trabalhava, contemplava de vez em quando a sua obra, e então via da madeira resplandecente saírem fulgurações de relâmpago. Quando a arma estava pronta, ele mandou sua mulher buscar látex de pau e pintou o corpo inteiro de preto, só deixando limpo o rosto. Depois disse à sua mulher: "Agora vou-me embora, mas quando me vires voltar pelo Oriente, procura com teus filhos a terra firme, porque então virá a época das enchentes!" Então, tomou sua espada de pau e foi atrás dos caçadores. Quando chegou perto deles, pendurou a arma no ombro pela alça de corda e subiu com ela numa árvore alta. Começou a gritar, e todos se juntaram debaixo da árvore.  Finalmente, o Kabén-dywudn declarou que se devia tirar Bebó da Arvore e, subindo atrás dele, agarrou-o por um pé e o puxou um pouco para baixo. Mas, de repente, houve um raio e um trovão, e o Kabén-dywudn e alguns outros que estavam mais perto do tronco da árvore caíram mortos. Os outros sentiram um choque tão violento no espinhaço que caíram no chão. Quando se ergueram outra vez, penosamente viram que Bebó tinha subido novamente ao cimo da árvore.  Depois ele se elevou por sobre ela até o céu, e, em meio a raios e trovões, desapareceu entre as nuvens.

Nota:  Esse Kabén-dywudn dos Kayapó tem mais ou menos as funções dos conselheiros dos Apinayé (pessoas que têm a função de admoestar em discursos públicos os habitantes da aldeia e de cuidar do cumprimento das tradições). 
O dilúvio 

Bebó tinha um sobrinho, filho de sua irmã, ao qual satisfazia todos os desejos. O sobrinho notou que outros habitantes da aldeia furtavam-lhe os produtos da roça, e fez uma magia: arrancou os grelos de um pati pequeno e meteu penas de xexéu (Belonopterus cayenensis) em seu lugar.  Então choveu durante muitos dias sem parar. A água subia, cobrindo a plantação. Ninguém podia caçar nem buscar mantimentos na roça. A enchente só poupou o lugar onde morava o sobrinho de Bebó. Finalmente os homens tiveram de refugiar-se nos galhos das árvores, onde se transformaram em guaribas e em ninhos de abelhas xupé. Outros se salvaram galgando serras altas. Por fim um outro vayaná descobriu a causa da chuva: arrancou as penas de xexéu do pati, e logo a chuva cessou e a água foi drenada. 

O Arco-íris 

Isto se deu pouco depois daquela grande inundação. Alguns índios estavam vagando pela terra, apanhando os acaris que haviam ficado em seco. Nisto, chegaram a um mandiocal, mas a maior parte das raízes havia apodrecido em conseqüência da inundação. Entretanto, acharam algumas prestáveis, que assaram e comeram com o peixe. Acabada a refeição, foram beber água, quando na aguada lhes apareceu o Arco-íris. Quando se aproximaram o Arco-íris se transformou na mulher que tinha água em seu ventre: "Que quereis?", perguntou ela. "Comemos, e agora queremos beber água", respondeu a gente. Então ela deu-lhes água e disse: "Quando quiserdes água, devereis pedir-me. Enquanto me virdes no começo do inverno, podereis viver tranqüilamente, porque nada vos acontecerá. Eu retenho a água. Se eu, porém, um dia não aparecer mais, a terra será inundada novamente, e todos vós morrereis!"  

O bólido 

Duas indígenas, colhendo no campo nozes de piaçaba, encontraram perto de um olho-d'água um filhote de ave, implume, mais ou menos do tamanho de um filhote de galinha. Levaram-no para casa e o criaram. Fazendo a avezinha banhar-se numa cuia com água, notaram que a água fervia quando ela saiu. Quando estava mais crescida, encheram um pilão com água, e esta também fervia logo que a ave nela se banhava. Finalmente esta ficou do tamahnho de uma galinha; suas penas, porém, eram cor-de-rosa, como as do colhereiro. Certo dia os indígenas pintaram-se e saíram para pescar com timbó. Depois de algum tempo as mulheres disseram: "Vamos lá também, para vermos se já pegaram muito peixes!" Foram e levaram a ave, mas quando chegaram perto do lugar da pescaria, a ave, vendo a água brilhar entre as árvores, voou e precipitou-se direto dentro dela. Ouviu-se um grande trovão, e todos os indígenas que estavam dentro da água morreram instantaneamente. Depois a ave subiu ao céu, e a gente reconheceu que era um Akrã-re(bólido). 

Fonte: Os Mitos / Curt Nimuendaju in  Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional .  nº 21 / 1986 - Fundação Nacional  Pró-Memória / Secretaria do Patrimônio e Artístico Nacional (SPHAN) Ministério da Cultura


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