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Kayapó
-Kayapó 2
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Kayapó
(Horda Irãamráyre)
Mitos coletados por Nimuendaju
Kayapó
A descida do céu

É notável que nos mitos de origem dos homens em geral, dos Kayapó e das outras tribos em particular, não figure nenhum personagem sobrenatural; quando muito, algum vayaná terrestre.

Dois caçadores acharam uma cova de tatu com rastros levando para dentro, e resolveram desentocar o animal. Cavaram muito fundo, chão adentro. Por fim, a terra debaixo, deles ficou mole. "O tatu já está perto!", disseram eles, continuando a cavar afoitamente. De repente, vararam com o cavador a coberta do (atual) céu. Pela abertura irrompeu uma rajada de vento tão forte que os dois foram projetados para fora do buraco. Tornaram, porém, a aproximar-se, vendo, então, pelo buraco, a (atual) terra li embaixo com os seus muitos buritizais, babaquais e outras árvores frutíferas. Todos vieram olhar pelo buraco, e finalmente resolveram abandonar o céu, onde então habitavam, para se mudarem para baixo, para a terra. Juntando tudo quanto havia de algodão fiado na aldeia, fizeram com ele um cabo grosso. 

Amarraram numa árvore do céu uma ponta do cabo, atirando a outra pelo buraco abaixo. Depois desceram, escorregando por ele, um atrás do outro, também as mulheres com os filhos pequenos às costas, na faixa de carregar criança. Mas só os mais corajosos chegaram até a terra; os mais medrosos desciam um pouco, logo perdiam a coragem, tornando a subir pelo cabo a toda a pressa. Por fim, uma parte ficou definitivamente no céu e recolheu o cabo, mas choravam por causa daqueles que se haviam separado, descendo para a terra.

A Moça da Estrela e a Moça da Lagarta
(Kanye-kwéi e Pino-kwéi)

Dois irmãos dormiam todas as noites no pátio da aldeia. Um deles que olhava sempre as estrelas disse finalmente: "Aquela estrela é muito bonita!  Se ela descesse eu casaria com ela!" Então a estrela desceu, tomou a forma de uma moça e dormiu durante a noite em sua companhia.  Quando ia amanhecendo, o homem escondeu-a dentro de uma cabaça grande, com tampa, que sempre levava consigo. Sua mãe o observou e desconfiou de alguma coisa. Ela abriu a tampa e a estrela saiu, sem demora, em forma de moça, conservando dali em diante a forma humana. Um dia ela convidou o marido para acompanhá-la numa visita ao céu. Mandou que vergasse a ponta de uma árvore ao chão e se pôs em cima do arco assim feito, para se deixar arremessar ao céu pelo impulso, quando a árvore disparasse. Seu marido, porém, teve medo de semelhante processo de viajar e lhe disse que fosse só. Ela se deixou arremessar pelo companheiro ao céu, e, quando voltou, trouxe de lá mandioca, batatas, inhame e outras plantas cultivadas que os índios, naquele tempo, ainda não conheciam, porque a princípio comiam com a carne só pau podre e orelhas de pau
(Urupê, espécie de fungo – Polyporus sanguineus). Sem demora, os índios plantaram aqueles alimentos que, no dia seguinte, já estavam maduros para a colheita.  Isto durou até que o homem, um dia, começou a brigar com Kanye-kwéi. Aborrecida, ela voltou para o céu e nunca mais tornou à terra. As plantas cultivadas precisam agora de longo tempo para amadurecerem.

Na mesma noite em que Kanye-kwéi descera pela primeira vez para junto do homem, uma lagarta se arrastara para junto do seu irmão, que estava deitado a seu lado. Ela se transformou também numa bonita moça e dormiu com o rapaz. Ao amanhecer tomou outra vez a forma de lagarta, e ele a escondeu debaixo do pau que lhe servia de travesseiro, na sua cama. Quando sua mãe varreu o terreiro, descobriu a lagarta e a esmagou. O homem ficou muito zangado com isso, mas depois de algum tempo a lagarta se refez e tomou outra vez a forma de moça.  Quando, ao romper do dia, se transformou novamente em lagarta, o homem escondeu-a bem.  Sua mãe, porém, achou-a pela segunda vez, mas agora lhe dirigiu a palavra, e a lagarta tomou forma de moça, para sempre.


A árvore do milho (pau-bári)

Junto à aguada da aldeia dos Kayapó havia uma grande árvore, carregada de espigas de milho de todas as qualidades. O milho maduro caía dentro d'água, mas naquele tempo ninguém ainda sabia que era comestível e, quando os índios entravam n'água, desconfiados, empurravam as espigas para o lado. Um dia, uma velha estava banhando seu netinho na aguada quando um acutipuru (Quati-puru ou caxinguelê – nomes de diferentes espécies de esquilos brasileiros – Sciurus Lin) lhe saltou ao ombro. Enxotou-o, mas ele voltou a pousar no seu ombro. Então a velha, pegando-o, atirou-o longe. O animalzinho, porém, voltou novamente e falou: "Não me atires fora! Quero contar-te uma coisa!" Saltou-lhe outra vez ao ombro e disse: "O milho que estás desprezando é uma comida muito boa! Soca-o no pilão e assa a massa obtida!" Então a velha juntou uma boa quantidade de espigas, levou-as para casa e fez como o acutipuru lhe havia ensinado. Depois enfeitou seu netinho e lhe deu um pedaço de bolo de milho. O menino passou, comendo, pelo pátio da aldeia, justamente quando todos os homens ali estavam reunidos. Estes perguntaram o que estava comendo, e ele deu a cada homem um pedacinho do bolo para que o provassem. Os homens acharam-no excelente e mandaram o menino duas vezes à sua casa, a fim de trazer mais. Então a velha mesma levou um grande bolo de milho para o pátio e contou-lhes da árvore que produz as espigas. Na manhã seguinte todos foram à aguada, juntando o que havia de espigas no chão e dentro d'água. Depois resolveram derribar também o pé, e mandaram um menino à aldeia para buscar um machado de pedra. No caminho, o menino viu uma corujinha-do-campo, que matou, assando-a e comendo-a imediatamente; somente depois de tudo isso tratou de buscar o machado. Na volta, porém, viu-se transformado em ancião decrépito, e teve de cortar um bastão para se apoiar. Os homens junto ao pé de milho esperaram durante muito tempo, inutilmente, pelo machado de pedra, e mandaram finalmente um outro menino buscá-lo. Este encontrou-se, no caminho, com o velho que vinha com o machado. Os homens derrubaram a árvore, e plantaram depois o milho.
A aquisição do fogo

Quando os indígenas ainda não tinham fogo, torravam a carne da caça no sol, para comê-la. Um homem foi, com seu pequeno cunhado, tirar os filhotes de um ninho de arara que achara numa árvore alta. Fez um motá de varas amarradas e mandou o menino subir. Este meteu uma pedra branca, redonda, na boca e trepou. Quando alcançou o ninho, seu cunhado perguntou-lhe: "Há filhotes?" - "Não", respondeu o menino, "há ovos." - "Então atira um para baixo!", mandou o homem, e abriu as mãos para apanhá-lo; mas o menino atirou-lhe a pedra branca nas mãos. Com isto, o homem enfureceu-se. Cortou as varas do motá, atirou-as para um lado e voltou a casa. O menino que, sem o motá, não podia descer, ficou sentado junto ao ninho da arara. Sofreu horrivelmente de sede e de fome; bebeu a própria urina e comeu as próprias fezes. Finalmente, um jaguar, que havia matado uma anta e um porco, passou debaixo da árvore. Vendo a sombra do menino mover-se no chão, quis apanhá-la, mas nada pegou. Então levantou a vista e, vendo o menino na árvore, perguntou-lhe o que estava fazendo ali. O menino contou-lhe o ocorrido. "Onde teu cunhado jogou as varas?", perguntou o jaguar. "Umas para aqui, outras para ali", respondeu o menino. O jaguar foi buscá-las, e, depois de amarrá-las outra vez, mandou o menino descer. Este obedeceu mas, quando já estava perto do chão, ficou com medo e tornou a subir a toda pressa. O jaguar tranqüilizou-o: não lhe faria mal algum, que descesse sem susto. Quando o menino finalmente chegou ao chão, mandou que montasse em cima da carga de caça morta que levava. Assim o jaguar o conduziu a sua casa, lavou-o e lhe deu carne assada para comer, pois ele possuía fogo; na sua casa jazia um grande tronco de jatobá, aceso numa ponta.  Todos os dias o jaguar ia caçar, enquanto sua mulher ficava em casa, fiando. Quando o menino sentiu fome, dirigiu-se a ela: "Mãe, dá-me de comer!" Ela, porém, em resposta, mostrou-lhe as unhas. O pequeno gritou de medo e correu ao encontro do jaguar para lhe contar o que havia acontecido. No dia seguinte, porém, deu-se a mesma coisa, e no terceiro também. Então o jaguar lhe fez um arco e flechas. A onça fêmea perguntou para que era isso, mas o jaguar respondeu que o menino havia de ir à caçada com ele. Às escondidas, chamou, porém, o menino e mandou que flechasse a onça fêmea no peito, quando ela o ameaçasse outra vez. Depois foi caçar como de costume. Decorrido algum tempo, o menino foi outra vez pedir carne, e a onça fêmea renovou a ameaça com as unhas. Então armou o arco contra ela. A onça gritou que não atirasse, mas o pequeno flechou-a no peito, matando-a. O jaguar, quando voltou, viu o que tinha acontecido e disse: "Agora temos de nos separar. Cada um deve seguir seu caminho, e tu deves voltar ao teu povo!" Deu-lhe um cesto cheio de carne moqueada e lhe ensinou o caminho para a aldeia. O menino chegou à aguada e esperou atrás de uma árvore até que viu chegar sua irmã, que vinha buscar água. Esta, avistando-o, nada disse, mas voltou e contou à mãe que o tinha visto. Então ambas desceram à aguada e trouxeram-no à aldeia. Ele distribuiu a carne moqueada e contou suas aventuras, não esquecendo de dizer que na casa do jaguar havia fogo e que lá se conservava. No dia seguinte todos foram buscar o fogo. Para serem mais ligeiros diziam: "Eu vou como este animal", e outro dizia: "Eu vou como aquele animal!", etc. Assim transformados, seguiram. O beija-flor e a raposa foram os primeiros a chegar, e suspenderam o tronco de jatobá aceso. Todos os outros ajudaram a carregá-lo, enquanto o jacu corria atrás, apanhando as brasas que caíam; por isso ele tem o papo vermelho até hoje.
Onça, sapo e tamanduá mixila  

Uma onça, vendo um sapinho sentado, só, debaixo de um anajazeiro, perguntou: "Kram, que estás fazendo?" -"Estou passeando", respondeu o sapo. "Estás só?", acrescentou a onça. "Não", respondeu o sapo, "meu povo é muito numeroso!" - "Mentes, estás só!", insistiu a onça. "Vem comigo e verás", disse o sapo. A onça o acompanhou. Depois de algum tempo, o sapo começou a gritar, e de todos os lados outros sapos responderam, em tal número, que a onça fugiu apavorada. Tão às cegas correu que furou um dos olhos numa ponta de galho. Encontrou o tamanduá mixila (Myrmecophaga tetradactyla) e lhe contou a sua desventura. Este prometeu curá-la, mas o que fez foi arrancar à onça o outro olho que lhe restava. Ela se rolava pelo chão, rugindo, quando veio a jaó (Um tinamídeo – Crypturellus Brab. e Chumb.), perguntando o que havia, e a onça fez-lhe sua queixa. Então a jaó foi buscar na patrona de seu marido um pedaço de resina de jutaí, e dela fez dois olhos novos para a onça. Esta foi seguindo o rastro do tamanduá mixila, que debalde procurava escondê-lo, tomando seu caminho em parte pelos galhos das árvores. A onça, enfim, o alcançou, quando ele ia se esconder dentro de um buraco no chão, e arrancou-lhe a carne dos braços. Por isso o tamanduá mixila tem os braços finos.

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A relação de Kramdywú dos kayapó corresponde aproximadamente à relação Kramgéd-ti - pa-kram dos Apinayé. Entre estes, quando uma criança atinge a idade de uns cinco anos, seus avós lhe escolhem um padrinho (kramgéd-ti) e uma madrinha (kramgédy). O nome que eles dão ao afilhado é pa-kram. Este os trata com o mesmo respeito devido aos pais e  avós. A principal obrigação destes padrinhos consiste em fornecer enfeites e objetos cerimoniais ao afilhado. Entre os Kayapó, esta relação não depende da livre escolha - pelo menos até certo ponto -, como no caso dos Apinayé: certass famílias matrilineares estão tradicionalmente nesta relação com certas outras, sendo uns os padrinhos dos filhos dos outros. Estes compadres se tratam entre si de Kra, e as comadres de Kram.

Fonte: Os Mitos / Curt Nimuendaju in  Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional .  nº 21 / 1986 - Fundação Nacional  Pró-Memória / Secretaria do Patrimônio e Artístico Nacional (SPHAN) Ministério da Cultura


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