À
boca da noite, o malfeitor chegou a uma maloca estranha, na qual
entrou. Imediatamente os habitantes caíram em massa sobre ele,
abatendo-o. Seu irmão, porém, que o havia seguido, escondeu-se perto,
no oco de um pau, de onde observou como os inimigos cortaram a cabeça
do morto, jogando-a num monturo, enquanto lhe queimavam o corpo. Ele
resolveu levar a cabeça para casa. Assim que anoiteceu completamente,
saiu do seu esconderijo e, apanhando muitos vaga-lumes, esfregou-os no
próprio rosto, no corpo e nos membros, que ficaram fosforescentes. Seu
aspecto era, agora, o de um fantasma, e quando entrou no meio dos
inimigos, que ainda estavam sentados reunidos no terreiro, estes
correram apavorados, escondendo-se na maloca. Ele apanhou a cabeça do
irmão e fugiu, levando-a. Por mais que corresse, não lhe foi possível
alcançar sua maloca na mesma noite. Então resolveu enterrar a cabeça na
manhã seguinte e, depois de ter feito uma cama, adormeceu. Pela manha,
cedo, a cabeça a seu lado começou a falar: "Meu irmão, dá-me água!" 0
homem assustou-se grandemente: "Que história é esta dessa cabeça?" Foi
buscar água, oferecendo-a à cabeça para que bebesse, mas o líquido
escorria imediatamente pelo pescoço cortado. Foi buscar mais, porém o
efeito era o mesmo. Então cavou, no mesmo lugar, um buraco fundo e nele
deixou sepultada a cabeça, continuando o seu caminho em direção à
maloca. Vendo, porém, uma fruteira, subiu para comer frutas, pois
estava com fome. Nisto, a cabeça tinha-se libertado do buraco e veio
pulando pelo rastro do irmão e, vendo-o sentado na fruteira, pediu-lhe
que atirasse algumas frutas. O homem apanhou uma e a atirou pelo mato
adentro; sem demora, a cabeça pulou atrás a fim de apanhá-la. O homem
aproveitou a ausência da cabeça para descer a toda pressa, e correr
para sua maloca. "Mataram meu irmão e a sua cabeça virou fantasma!",
contou ele aos outros. Todos se esconderam na maloca, fechando bem as
portas, porque a cabeça já vinha perto, pulando. Chegou à porta e pediu
a sua mãe que a abrisse; mas ninguém lhe respondeu. Chorou e se
lamentou do lado de fora durante a noite toda: "Que me resta fazer
agora?! Macaco eu não posso ser, porque me comeriam. Água não posso
ser, porque me beberiam e me ferveriam. Pedra eu não posso ser, porque
sobre mim defecariam." Assim foi discorrendo e, já pela manhã,
lembrou-se da lua. "Serei a lua", disse. "Depois de três dias, eu
aparecerei, e então acontecera uma coisa à minha irmã (isto é: ela
ficará menstruada; naquele tempo, como não havia ainda lua, as mulheres
não ficavam menstruadas nem davam à luz). E assim será cada vez que eu
aparecer de novo." Depois pediu à sua mãe que lhe desse um novelo de
fio de algodão; esta lhe atirou o objeto pedido, por uma fenda na
parede, no terreiro. Ele atirou o novelo para o céu, mas o fio era
curto demais; pediu mais outro novelo. Agora alcançou o céu pelo fio
que desenrolara. Quando já estava alto, sua gente saiu da maloca e viu
como ia subindo cada vez mais e como, por fim, desapareceu no céu.