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Pukaré
foi o único adulto que atendeu ao pedido de Lúcia Andrade: elaborou um
catálogo visando fornecer um panorama bem completo das pinturas, o que
lhe interessava era mostrar os diferentes motivos e suas combinações.
Tanto nesse catálogo quanto nos trabalhos das crianças, a pintura é
sempre representada no corpo humano. Nesse sentido, o mais interessante
é que Pukaré apenas aplicou a pintura, pois os corpos foram desenhados
por sua filha para que, neles, fossem aplicados os diferentes motivos. O catálogo de Pukaré foi composto de 19 pinturas, onde aparecem 29 motivos combinados de diversas formas. Acima, à direita, apresento duas dessas pinturas como exemplo. Para os Asurini, o corpo, enquanto superfície para a pintura, está dividido em várias partes: rosto (onde se destaca o nariz, que pode ser pintado com um motivo diferente do restante da face), pescoço, ombros, braços e antebraços, peito, barriga, costas e pernas. Em cada uma dessas unidades pode ser aplicado um motivo diferente, contanto que se respeitem as regras de combinação. Isso é bem diverso, ao contrário, por exemplo, do que ocorre entre os Xikrin que, para a aplicação da pintura, estabelecem duas grandes divisões: a pintura facial e a do corpo, havendo uma área de transição entre a base do pescoço e o esterno que se estende até a clavícula. |
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A
pintura corporal Asurini marca as etapas do ciclo de vida dos
indivíduos e os diferentes eventos de que eles participam. É possível,
observando-se a pintura que o indivíduo ostenta, identificar se ele
está, por exemplo, indo participar de um ritual xamanístico ou de um
ataque guerreiro. Pode-se também saber se o indivíduo é solteiro,
casado ou se já tem filhos. A pintura distingue também pessoas que
estejam passando por momentos ou estados especiais do restante da
aldeia: as mulheres menstruadas (que não podem se pintar) das outras
mulheres; os mortos dos vivos; os dançarinos (personagens centrais dos
rituais xamanísticos) dos outros homens.
A pintura pode marcar o status da pessoa, do nascimento a sua morte. O morto é pintado com urucum enquanto o recém-nascido deve ser pintado com jenipapo. As pinturas podem ser usadas tanto cotidianamente quanto em ocasiões especiais, e para cada situação existem combinações de motivos adequadas. As ocasiões que exigem pinturas específicas são: festas na própria aldeia e nas vizinhas, visitas a outros grupos locais, cerimônias de casamento, guerras, resguardo pela morte do inimigo e o luto. Atualmente, a pintura cotidiana praticamente inexiste. A pintura corporal não é mais utilizada para marcar as diferentes categorias da sociedade, apesar de ainda ser um instrumental disponível e armazenado para isso. Ela não foi esquecida ou perdida. No entanto, a pintura corporal é presença obrigatória nos rituais, pois nenhum indivíduo se imagina dançando sem estar devidamente pintado e ornamentado. A pintura é utilizada atualmente para marcar três momentos ou estados de extrema importância na cultura Asurini: o ritual, luto/morte e a menstruação. Nas ocasiões rituais, a pintura distingue os participantes do restante da aldeia. Dentro do primeiro grupo, destaca principalmente os dançarinos, aqueles que, durante as festas, entram em contato com o sobrenatural. As mulheres participam como espectadoras e cantoras – elas cantam para seus maridos e filhos -, mas nunca dançam. Dançar é uma atividade restrita aos homens. |
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Dançarino Asurini |
Os
dançarinos distinguem-se dos outros participantes não por alguma
pintura exclusiva, mas pelo uso da penugem do urubu-rei, que é aplicada
em seus braços, pernas e no peito, utilizando-se como colante a seiva
da maçaranduba. Enquanto a pintura é executada pela esposa ou mãe na casa que é considerada de âmbito doméstico, a aplicação da penugem é feita pelos homens no espaço público-ritual, que a casa cerimonial (tekataua). O uso e aplicação da penugem pertence somente à esfera masculina. A morte requer dois tipos de pintura. O defunto deve ter seu rosto pintado com urucum, enquanto nos vivos, nos parentes do morto, é aplicado, no corpo todo o jenipapo. Estes últimos nunca devem se pintar com urucum, que “lembra o sangue, o morto”. A pintura marca a separação entre os vivos (indivíduos socialmente ativos) e os mortos, que deixam de utilizar o jenipapo e de pertencer ao mundo social. Portanto, as mulheres menstruadas, que estão temporariamente excluídas das atividades públicas e rituais, também não devem ser pintadas com jenipapo, mas somente com urucum. |
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A
pintura, hoje, pode não mais distinguir as diferenças internas da
sociedade Asurini, mas é ainda uma marca social que diferencia os seres
humanos dos seres sobrenaturais, com os quais estão em constante
contato.
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