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Nessas
ocasiões, os padrões utilizados revelam a qual grupo social cada
indivíduo pertence, segundo critérios variados: há as pinturas
clânicas, indicativas dos "partidos"; há aquelas relacionadas às
classes de idade, os "partidos de festa"; há as usadas pelas metades
rituais, os "partidos de tora". Papéis sociais diferenciados têm, como
marca distintiva, padrões próprios de pintura corporal. É o caso dos
encarregados do corte e ornamentação das toras de buriti para as
corridas rituais, os danohuikwá. O mesmo acontece nas cerimônias de cura ou outras, onde sua atuação especializada é requerida. Trazem no corpo pinturas exclusivas: cada qual se apresenta como a representação do espírito da natureza (animal ou outro) que o protege e lhe transmite os ensinamentos mágicos que lhe dão o poder da cura e da premonição. Fora de situações cerimoniais, no dia-a-dia de uma aldeia Xerente, só crianças podem eventualmente estar pintadas. Há dois padrões básicos: o da onça e do tamanduá, e se aplicam, respectivamente, a crianças recém-nascidas e crianças de 2 e 3 anos, de ambos os sexos. Depois dessa idade, passam a usar padrões clânicos, como os adultos. As crianças são geralmente pintadas por suas mães e as tinturas são as mesmas empregadas sobre o corpo dos adultos: urucum e carvão. Em três situações cerimoniais distintas há a prática da pintura corporal entre os Xerente. São elas: a nominação masculina, a corrida de toras e o casamento. |
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Padrão
da pintura corporal Xerente em carvão sobre papel.
Uso de espátula de bambu e carimbos de buriti, para os motivos do clã Isake / Krozaké , da metade wahiré. (Trabalho de Juliana Stukrépré, Aldeia do Posto indígena Xerente, 1984) |
As
técnicas e os padrões da pintura corporal Preto, vermelho e branco são as cores da ornamentação corporal básica entre os Xerente. O preto é conseguido com o carvão pulverizado, misturado ao "pau-de-leite", (aremsú) previamente colocado sobre folha lisa como a da bananeira, por exemplo. O pintor, dasisdanãrkwá, apóia a folha sobre a palma da mão e, ali, mistura as tintas. O corpo, untado com óleo de babaçu, recebe as grandes listras e os detalhes em preto que lhe são impostos com a ajuda de uma espátula de taquara, de carimbos esculpidos em pedaços de miolo da tora de buriti ou feitos de pequenas pontas de cabaça ou de um talo miúdo da folha do buriti, conforme o padrão desejado. O vermelho, geralmente por ser apenas espalmado sobre o corpo - como fundo sobre o qual é aplicado o desenho clânico - ou usado apenas em detalhes - pequenos traços na barriga e sobre o umbigo ou ao longo das costas, sobre a coluna -, é obtido diretamente das sementes do urucum. aramente os Xerente usam a massa consistente obtida pela fervura prolongada das sementes. |
Padrão
da pintura corporal Xerente em carvão sobre papel.
Uso de espátula de bambu e ponta de cabaça pequena, para os motivos dos circulos, do clã Kuzö, da metade doí. (Trabalho de Juliana Stukrépré, Aldeia do Posto indígena Xerente, 1984) |
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A tintura, obtida
diretamente das sementes cruas, é misturada com nrõso
(coquinho de babaçu), mastigado como meio para a extração do óleo. O
branco, quando há, é sobreposto à pintura propriamente dita: trata-se
de detalhes executados com penugem de krerê (periquito) ou em algodão.
Há dois motivos básicos na pintura clânica dos Acuen-Xerente: o traço (wahirê) e o círculo (doí). Esses motivos são hoje, como sempre, uma das referências básicas, aos olhos dos próprios Xerente, para a identificação de suas metades patrilineares exogâmicas tradicionais. A palavra que descreve o motivo serve, atualmente, de designação genérica para o conjunto de clãs cujos padrões específicos de pintura corporal têm, por base, o motivo em questão. Assim, wahirê, em seu uso genérico, designa todos os clãs que têm no traço o elemento de sua pintura específica; doí, todos os clãs que têm no círculo seu motivo característico. A especificidade de cada clã é expressa por uma variação exclusiva no uso do motivo básico, formando padrões distintivos. A exclusividade se obtém por variação no tamanho do motivo ou no lugar do corpo onde é aplicado e, no caso do traço, se é aplicado horizontalmente e em série ou verticalmente e como traço único. As linhagens não são distinguidas no plano da pintura corporal. Tudo leva a crer que, embora os termos tradicionalmente usados na denominação das metades, Sdakrã e Sip’tato tenham caído quase completamente em desuso, a oposição entre elas permanece, em nível conceitual. O uso distintivo dos motivos da pintura corporal é um outro campo - em relação à terminologia de parentesco e às facções políticas - de expressão dessa oposição conceitual. Esses padrões clânicos são aplicados sobre o corpo nos espaços vazios deixados por alguns elementos fixos da pintura corporal Xerente: a "gola", a "moldura", as "braçadeiras" e a pintura da parte inferior das pernas (entre o joelho e o tornozelo). Esses elementos fixos são todos feitos com carvão e aplicados ao corpo com espátula de taquara. |
Corrida feminina de toras, por ocasião da festa de nominação na aldeia Funil. Observa-se ao fundo, o homem responsável pela tora de buriti, Piköhuikwa. Foto de Agenor F. Farias |
A
pintura das metades rituais Para a realização das corridas com grandes toras de buriti (isitro), os Xerente dividem-se em duas metades rituais, os "partidos de tora", transformados a partir de pares de classes de idade. Cada uma dessas metades encarrega-se de transportar uma tora esculpida e ornamentada. Essas toras grandes, de cerca de dois metros de comprimento, merecem atenção e cuidados especiais por parte dos pajés, para não serem molestadas por espíritos da mata. Cada uma das toras é pintada com pau de leite, carvão e urucum e ornada com plumagens de gavião fumaça, nos motivos ao belo. Os membros de cada metade têm seus corpos pintados e ornamentados segundo o mesmo padrão que suas toras respectivas. Nesse contexto, as metades rituais são designadas por Steromkwá e Htamhã. |
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Na Festa de nominação os
homens adultos pintam o corpo, segundo os padrões clânicos, untam os
cabelos com óleo de coco.
Na cerimônia de casamento a pintura corporal é indicativa da filiação dos participantes a grupos sociais de ascendência paterna (metades e clãs). Há incertezas, ambiguidades e indefinições nos depoimentos dos Xerente, há imprecisões e contradições nas afirmações individuais isoladas. Não se trata, a nosso ver, de identificar nisso a “desorganização”, o “colapso” ou o sinal de uma desarticulação irreparável. Trata-se de uma sociedade que, apesar da antiguidade (pelo menos 250 anos) e da intensidade de seu contato com a população regional, manteve-se como entidade linguística, cultural e etnicamente diferenciada. |
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