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SPI - O Serviço de Proteção aos Índios



O Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais, foi criado pelo Decreto n.º 8.072, de 20 de julho de 1910, e inaugurado em 7 de setembro do mesmo ano. Previa uma organização que, partindo de núcleos de atração de indígenas hostis e arredios, passava a povoações destinadas a indígenas já em caminho de hábitos mais sedentários e, daí, a centros agrícolas onde, já afeitos ao trabalho nos moldes rurais brasileiros, receberiam uma gleba de terras para se instalarem, juntamente com sertanejos. Esta perspectiva otimista fizera atribuir, à nova instituição, tanto as funções de amparo aos indígenas quanto a incumbência de promover a colonização com trabalhadores rurais. Os indígenas, quando para isto amadurecidos, seriam localizados em núcleos agrícolas, ao lado de sertanejos. Posto do SPI
Posto do SPI na aldeia Kaingang de Duque de Caxias, Santa Catarina
Nos anos seguintes esta regulamentação seria modificada em alguns pontos essenciais. Já em 1914, reconhecendo-se a especificidade do problema indígena, o Serviço passaria a tratar exclusivamente dele, transferindo as atribuições de localização de trabalhadores nacionais para outra repartição governamental.

O regulamento baixado com a lei de criação do Serviço, confirmado, com pequenas modificações, pelo Decreto n.º 9.214, de 15 de dezembro de 1911, fixou as linhas mestras da política indigenista brasileira. 
Pela primeira vez era estatuído, como princípio de lei, o respeito às tribos indígenas como povos que tinham o direito de ser eles próprios, de professar suas crenças, de viver segundo o único modo que sabiam fazê-lo: aquele que aprenderam de seus antepassados e que só lentamente podia mudar.

Outro princípio de importância fundamental era a proteção ao indígena em seu próprio território. Punha-se cobro à velha prática dos descimentos, que desde os tempos coloniais vinham deslocando tribos de seu habitat para a vida famélica dos vilarejos civilizados. Esta técnica de “civilização do indígena” fora utilizada, desde sempre, como a principal arma do arsenal de desorganização da vida tribal. Uma vez fora do ambiente em que se tinha criado e onde era eficiente seu equipamento de luta pela subsistência, o indígena dificilmente poderia manter a vida comunal e só lhe restava fugir ou submeter-se aos seus dominadores.

Pelo regimento ficava também proibido o desmembramento da família indígena, pela separação de pais e filhos, sob pretexto de educação ou de catequese. Era outra prática secular que, embora responsável por fracassos clamorosos e até por levantes sangrentos, continuava em vigor.Acreditando só poder salvar os indígenas pela conquista das novas gerações e com absoluto menosprezo pelo que isto representava para os pais indígenas, os filhos lhes eram tomados e conduzidos às escolas missionárias. O pior é que o sistema jamais dera os resultados que dele se esperavam. Na realidade, só privava o jovem indígena da oportunidade de iniciar-se nas técnicas e tradições tribais, as únicas realmente operativas em sua vida de adulto... Na missão o indígena era preparado para uma vida de civilizado que não teria oportunidade de viver. Quando voltava à aldeia, via-se lançado à marginalidade, nem era um indígena eficazmente motivado pelos valores tribais e capaz de desempenhar os papéis que sua comunidade esperava de um adulto, nem bem era civilizado, por força do que ainda conservava de indígena, e, sobretudo, pelo sucessivo fracasso em todas as tentativas de passar por civilizado entre civilizados. Malgrado as qualificações educacionais e técnicas que adquirisse na escola, continuariam a considerá-lo como um indígena e a tratá-lo com todo o peso do preconceito que separa indígenas de sertanejos.

Toda a ação assistencial deveria, doravante, orientar-se para a comunidade como um todo, no esforço de levá-la a mais alto nível de vida, através da plena garantia possessória, de caráter coletivo e inalienável, das terras que ocupam, como condição básica para sua tranqüilidade e seu desenvolvimento; da introdução de novas e mais eficientes técnicas de produção e da defesa contra epidemias, especialmente aquelas adquiridas no contato com civilizados e que, sobre populações indenes, alcançam maior letalidade.

Rondon não ficou na formulação dos princípios. Colocou-se à frente do Serviço de Proteção aos Índios, como seu diretor, a princípio, depois como orientador sempre vigilante. Graças à sua ação indigenista o SPI pacificou quase todos os grupos indígenas com que a sociedade brasileira deparou em sua expansão, sempre fiel aos métodos persuasórios. Dezenas de servidores do SPI, ideologicamente preparados e motivados pelo exemplo de Rondon, provaram, à custa de sua vida, que a diretiva Morrer, se preciso for, matar, nunca, não é mera frase.

Outra característica básica do programa de Rondon é a perspectiva evolucionista em que foi vazado, que permitiu não só aquilatar a importância funcional e a relatividade das instituições culturais, mas, também, criar uma expectativa de desenvolvimento natural e progressivo ao indígena, na base de sua própria cultura. 
A melhor expressão deste programa seria formulada anos mais tarde, por Luiz Bueno Horta Barbosa, nestas palavras:

“O Serviço não procura nem espera transformar o indígena, os seus hábitos, os seus costumes, a sua mentalidade, por uma série de discursos, ou de lições verbais de prescrições, proibições e conselhos; conta apenas melhorá-lo, proporcionando-lhe os meios, o exemplo e os incentivos indiretos para isso: melhorar os seus meios de trabalho, pela introdução de ferramentas; as roupas, pelo fornecimento de tecidos e dos meios de usar da arte de coser, à mão e à máquina; a preparação de seus alimentos, pela introdução do sal, gordura, dos utensílios de ferro, etc.; as suas habitações; os objetos de uso doméstico; enfim, melhorar tudo quanto ele tem e que constitui o fundo mesmo de toda a existência social. E de todo esse trabalho, resulta que o indígena e não um mísero ente sem classificação social possível, por ter perdido a civilização a que pertencia sem ter conseguido entrar naquela onde o queriam levar”. (1923: 25.)
Para aquilatar-se a importância desses princípios e o caráter pioneiro de sua formulação, naquele Brasil de 1910, basta considerar que, em 1956, a 39.ª Conferência Internacional do Trabalho, reunida em Genebra, aprovou, como recomendação para orientar a política indigenista de todos os países que têm populações indígenas, um documento inspirado, em grande parte, na legislação brasileira, no qual esses mesmos princípios são enunciados, como as normas básicas que devem disciplinar todas as relações com os povos tribais.

Consideradas em seu contexto histórico, essas diretrizes positivistas eram o que se oferecia, então, de mais avançado. A etnologia, da qual se poderia esperar alguma orientação, tendo em vista a copiosa bibliografia de descrição de costumes exóticos que reunira, era ainda uma disciplina de museu, inteiramente alienada da realidade humana dos materiais com que lidava. A atitude do etnólogo, em geral, era da mais completa indiferença pelo destino dos povos que estudava. O indígena, olhado sobranceiramente das alturas da civilização européia, orgulhosa de si mesma, era visto como ser exótico, discrepante, cujas ações de fósseis vivos só interessavam enquanto pudessem lançar luz sobre o passado mais remoto da espécie humana.

A realização prática dessa política apresentava uma série de problemas, a começar pelas dificuldades de acesso às regiões habitadas por grupos indígenas, pela variedade de línguas e tradições culturais; pela diversidade de ambiente e de condições de vida e, sobretudo, pelas desconfianças que séculos de amargas experiências com civilizados haviam deixado em cada grupo indígena. A esses obstáculos se juntaram outros, ainda mais difíceis de vencer: os provenientes dos interesses escusos que o SPI teria de contrariar, para garantir ao indígena a posse das terras que lhe pertenciam e que haviam sido usurpadas; para impedir sua escravização e para impor respeito à família indígena. 
Inicia-se, assim, uma obra que levaria anos para ser posta em prática, ainda que mediocremente.

Nos primeiros anos de atividade, ao Serviço de Proteção aos Índios foram facultadas todas elas. O Parlamento, pressionado pelo clamor geral em prol de medidas de amparo aos civilizados em luta contra os indígenas, votava prontamente as verbas solicitadas. A segunda condição também pode ser satisfeita, porque Rondon contava com a equipe que forjara durante a construção das linhas telegráficas, composta de oficiais de formação positivista, experimentados no trato com os indígenas e movidos do maior entusiasmo à causa indígena. Ao lado deles formaram, desde a primeira hora, alguns professores universitários, funcionários públicos, médicos, engenheiros e publicistas quase todos positivistas, que haviam liderado a campanha pela criação do Serviço. Desses saíram os primeiros dirigentes e os inspetores do Serviço de Indígenas. O que acaso lhes faltava, em compreensão do complexo problema com que lidavam, era compensado pela dedicação fervorosa que devotavam aos indígenas. O poder de autoridade não faltou, também, e vinha, quiçá, da única fonte realmente capaz de impor-se no interior – o exército. Constituídas, em sua maioria, por oficiais, as chefias do Serviço eram respeitadas como se o próprio exército andasse pelo interior nesta campanha de amparo ao indígena.

Pouco depois, começam a faltar, um após outro, todos aqueles requisitos essenciais e o Serviço de Indígenas entrou na sua verdadeira história: breves períodos de atividade intensiva, seguidos de longos períodos de inoperosidade e quase estagnação. 
Três anos depois de criado, exatamente quando acabara de expandir suas atividades por todo o território nacional, atingindo dezenas de grupos indígenas, e quando um reforço de dotações se fazia necessário, viu cortadas suas verbas em sessenta por cento. A causa imediata eram as dificuldades financeiras que enfrentava o país com a iminência da guerra e a crise de alguns ramos da economia nacional, principalmente da borracha. Mas a crise e a guerra passaram e as dotações só foram restabelecidas em 1925, ascendendo até 1930, para de novo decaírem. 

Fonte :  Os Índios e a Civilização / Darcy Ribeiro. - São Paulo: Círculo do Livro S.A. s/data.


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