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Ritos do Guerreiro
A formação do guerreiro Sateré Mawé
(do texto de Sheila Nunes)
A formação do guerreiro Sateré Mawé é celebrada através do Ritual de passagem da Tucandeira (formiga Tucandeira), chamada pela etnia de Waiperiá, a celebração é a maior expressão de identidade do grupo.
Na preparação do ritual o jovem é separado dos demais com o auxílio dos representantes da comunidade. Os membros da comunidade, juntamente com o líder xamânico, preparam o local onde será celebrada a Festa da Tucandeira.
No dia do ritual os convidados se reúnem no barracão para assisti-lo ao som da música da tucandeira, entoada por homens que participam do ritual.
No menino, o iniciado, é colocado o chocalho denominado de inhaã-bé. O chocalho é um instrumento de som que serve para aliviar a dor do iniciado. Sem este instrumento a dor seria mais atroz. É afixado na perna do iniciado a quatro dedos acima do joelho, na parte da coxa, próxima da parte pélvica, íntima-sexual.
Formação do Guerreiro
Ritual da Tucandeira - Foto: Crédito não encontrado
Na mão é posta a luva contendo as formigas tucandeiras. O jovem dança no meio, depois o pajé se aproxima, pega nos braços do iniciado e dança com ele. Enquanto dançam, as pessoas seaproximam, dão as mãos formando uma corrente ritual.
As luvas são tecidas com fibras vegetais. As tucandeiras são presas nesse instrumento pelo abdômen a fim de deixar os ferrões para dentro das luvas. Este ritual de passagem se torna completo na vida de um Sateré-Mawé quando é realizado várias vez durante a vida, pois trata-se de um ciclo que deve ser realizado no mínimo vinte vezes.
A comunidade, por sua vez, cumpre a sua parte no acordo social recebendo o rapaz e aceitando-o em seu estado transitório. Se ele passar na prova, recebe-o com seu novo status. Por isso, todos se preparam para a festa e na celebração dançam de mãos dadas. A comida é feita especialmente para o dia do ritual.

A tucandeira presa na luva decidirá o estado viril do jovem Sateré-Mawé, intronizando-o na sociedade e fazendo-o homem reprodutor. O jovem que passa pelo ritual é assistido por toda a sociedade étnica, se ele resistir às ferradas, está pronto para ser um guerreiro, caçador, pescador, construtor de família e com aptidão para ser representante da comunidade.
A relação entre o pajé com o iniciado é uma relação de respeito hierárquico. Em outras palavras, o pajé indica ao jovem o caminho da tucandeira, falando-lhe sobre o sagrado e sobre os mistérios do grupo. No ritual o pajé acompanha o jovem indicando-lhe os procedimentos e num determinado momento da dança ele se junta ao rapaz.
Este é o diálogo entre o rito e o mito o qual ritualiza o primeiro contato dos Sateré-Mawé com a tucandeira. A relação de hierarquia política entre o irmão mais novo, o Tatu Bola (iniciado) com o irmão mais velho, o Grande Tatu (pajé).
No preparo da festa a ornamentação é fator fundamental, é um elemento de identidade. O verniz estético da arte manual Sateré-Mawé assenta-se no seu acervo mítico: seres sobrenaturais e suas representações, os entes da natureza que tem papel central na etnia e que personificam a fauna e a flora, tudo é fonte de inspiração poética.
Tucandeira
Formigas tucandeiras presas na luva - Foto: Crédito não encontrado
A simbologia das penas das luvas fazem alusão e reverência à resistência étnica. As de arara simbolizam o contato interétnico, os conflitos da época da conquista, enfim, as pelejas que os mawé têm atravessado. As penas de gavião são as respostas aos conflitos, à resistência e à valentia dos Sateré-Mawé.
Ao chegar no fim da preparação o jovem Sateré-Mawé enfrenta a dor emanada do veneno da tucandeira, não podendo mostrar qualquer sinal de fraqueza. É o momento em que o menino corta a linha tênue do universo físico para o metafísico onde colocará à prova a sua virilidade, tornando-se homem e, superando seus limites com formas humanamente possíveis.
Ao som da música a festa começa. O pajé, dirigente do ritual, fala com as tucandeiras para despertá-las. Fuma um tabaco de tauari, o fumo excita as formigas. Inicia a canção da tucandeira que dá candência aos passos da dança. Aos poucos as pessoas vão se aproximando da dança formando uma corrente.
O ritmo dos passos é alterado de acordo com a intenção mítica. Passos mais fortes são para emitir ar com o intuito de fazer retornar a vida ao primeiro mawé, o filho do guaraná. No local onde estão as luvas não se pode tocar ou passar por debaixo, é lugar sagrado. Para os mawé a reverência ao altar deve ser a mesma que é dada ao tuxaua.
Ritual da Tucandeira não é só para provar a resistência do jovem, mas é para ensinar os mistérios mitológicos da memória mawé. A tucandeira é a guardiã dos segredos que fazem do rapaz um guerreiro valente, forjado no contato íntimo com os mistérios ancestrais e com os espíritos dos antepassados.
Depois de ter conhecido a Tucandeira o jovem regressa à vida do espaço físico do mundo natural. Ao deixar o mundo metafísico o jovem Sateré-Mawé volta para onde começou o ritual, com nova experiência, renasce para assumir o novo status social. Os símbolos sociais tomam outro significado, passando a ser vivos dentro do rapaz.

O ritual da Tucandeira encarna um aprendizado repassado de geração a geração por meio da tradição oral. Este conjunto de patrimônios imateriais herdado dos ascendentes sateré guardam acontecimentos históricos que marcaram a cosmovisão étnica. O seja, a dança, o cântico da tucandeira, a luva tecida com palha da floresta, o menino trazido ao ritual pelas mãos de mulheres e tantos outros elementos simbólicos presentes neste ritual de passagem, remetem à celebração de um feito mitológico da memória ancestral da etnia.
A formiga tucandeira encarna distintos símbolos culturais. Enquanto instrumento de imunização do corpo a formiga é a ferramenta utilizada como medicina para dar resistência física e psicológica ao novo guerreiro. Enquanto ferramenta de aprovação, juntamente com a luva (sa’ary
pé), a formiga forma o conjunto de saberes cuja missão é de imprimir coragem e aptidão para o trabalho ao novo adulto que se forma. A capacidade de resistência à dor é a grande virtude que o rapaz Sateré deve demonstrar nesta prova. Ele não pode chorar porque o choro é sinal de fraqueza e frouxidão.
Outro significado simbólico da formiga tucandeira é o de ela ser feminina. De acordo com Torres (2013) para os Sateré-Mawé é a tucandeira que determina a virilidade do guerreiro, é a fêmea que estabelece a ordem reprodutiva na tribo, quanto maior é a dor e quanto mais ele resistir a ela, mais viril será, mais vigor sexual terá.
A tucandeira é o cânone feminino que confere o significado de virilidade ao jovem mawé, sendo o ato do ritual um encontro com o arquétipo do herói mítico cultural Sateré-Mawé. É através da figura do herói Sateré que a comunidade étnica molda sua visão de mundo, ou seja, que elabora o conjunto de valores ancestrais, a autoafirmação, a busca da manutenção do patrimônio cultural e da permanência dos mitos, ritos e mistérios como permanência da própria etnia.

A formiga tucandeira é chamada cientificamente de Paraponera clavata, ela pode atingir cerca de 3cm. Conhecida nos Estados Unidos da América por Formiga Bala por causa do alto teor de dor de suas mordidas, igual à dor causada por uma bala de pistola. Em estudos de botânica e zootecnia, Bequaert (1929), classifica a mordida deste inseto himenóptero como uma das piores dores, medida em alta escala e longa duração.
De acordo com a Revista do Instituto de Medicina Legal de São Paulo (2005), o veneno é liberado por uma glândula presente no abdômen da formiga, o mesmo que é usado para a captura de alimentos. A mordida é uma das mais violentas de todos os insetos, o veneno é neurotóxico,
transmitido pelo sistema nervoso central.
A formiga usa como arma de defesa o ácido expelido em forma de secreção. Este veneno é constituído por uma mistura de proteína complexa, com substâncias neuropeptideo, chamada de ponerotoxin, utilizado em inseticidas biológicos. A mitologia Sateré-Mawé reconhece as propriedades deste líquido como vacina.
Os efeitos colaterais das mordidas da tucandeira são febre, náuseas, inchaço e dores no corpo por vários dias. São nas presas da formiga que está concentrada a maiorforça, sendo capaz de derrubar um galho de árvore. A resistência da condição humana frente ao alto grau de dor delineia o caráter do Sateré-Mawé. Aqui reside um dos pontos alto da estética Sateré-Mawé.

Fonte: Mitopoética e Virilidade: A Formação do Guerreiro Sateré Mawé / Sheila Nunes (Universidad de Valladolid, Espanha.) . - Porto Alegre : Iluminuras, 2014


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