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-Kuarup
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Kuarup
O Kuarup é um ritual dos povos indígenas do Alto Xingu para homenagear os mortos. Os troncos feitos da madeira “kuarup” são a representação concreta do espírito dos mortos ilustres.

O Kuarup é um tronco de madeira e a madeira, segundo os xinguanos, é a própria substância de onde vieram. Esse tronco é que repõe a perda, de acordo com a paradigma da narrativa mítica.

O Kuarup é um ciclo de festas que começa num ritual funerário, numa festa de luto.

Kuarup
Homens de diversas aldeias dançando na Festa do Kuarup
A morte de um indivíduo líder ou de linhagem de tribo xinguano é perigoso para a aldeia e parentes próximos. Torna-se necessário a “reparação do dano” para o funcionamento coeso da aldeia envolvida pela morte. Essa reparação é feita no ciclo do Kuarup, na própria organização social dessa festa, onde os xinguanos mergulham no início dos inícios de seus mitos de origem e reintegram o presente no passado, anulando assim o tempo de conflito e dor em que os deixou o acontecimento de uma morte.
Preparação dos troncos Kuarup
Preparação dos troncos Kuarup do povo Kuikuro
...trazem da floresta vários toros de madeira, conforme o número dos que desapareceram, que vão ficando em linha reta no centro do terreiro em frente às malocas onde são recortados e decorados com as respectivas insígnias que em vida os fazia distinguir pajés, guerreiros, caçadores ou até mesmo aqueles que maior descendentes legaram à comunidade. 
Convidados
Outros povos xinguanos são convidados à participar da Festa do Kuarup do povo Kamayurá

No início do Kuarup, os visitantes das outras aldeias são recebidos com presentes variados, de peixe com mingau, pasando pelo beiju. Em seguida são encaminhados para locais, que circundam a aldeia, onde possam acampar.

Como o início do ciclo do Kuarup é um ritual funerário, esse ritual tem seu ponto de partida através de um grupo de indígenas de uma mesma aldeia.
Após o enterro, enlutados e enterradores renovam sua pintura, esse fazer se repete nas etapas do ciclo do Kuarup depois dos ritos funerários. Em continuidade ao percurso da festa, os enterradores pedem autorização para a construção do “apenap” - uma cerquinha baixa, feita de troncos, que rodeia temporariamente as sepulturas. Tanto o corte da madeira para a construção do “apenap” como o corte dos troncos a serem implantados na festa do Kuarup, é serviço pago com comida, numa troca de serviços.
Flautas uruá
As flautas uruá anunciam a implantação  do Kuarup (Kuikuro)
Implantação do Kuarup
Cerimônia da implantação do Kuruap dos Kamayurá pelos pajés
O Kuarup é plantado numa procissão idêntica ao enterro. As flautas uruá previamente anunciam esta etapa. Duas unidades de dança podem ser observadas na dança das flautas uruá.
Os dançarinos percorrem o espaço de maior privacidade, atravessando as duas portas da residência, frente e fundos, cortando o espaço social e de serviço, pelo centro da casa. Na abertura, desenvolve-se uma unidade mínima, perto da sepultura, que depois vais se repetir nos interiores de todas as outras residências, para, finalmente, fechar o cerimonial frente ao “apenap”. Um unidade máxima em termos de deslocamento espacial pode ser notada no percurso que se desenvolve no terreiro, que é o espaço representação de toda a tribo, um espaço tribal, percorrendo o espaço exterior das residências.
Após o cerimonial de implantação do Kuarup, os troncos são queimados com o fogo trazido da casa dos enlutados, retornando após a queima, à casa desses. Esse fogo, da casa de quem perdeu a vida, é alternado com o fogo pertencente a quem repôs uma vida no solo xinguano e é levado pelos visitantes, junto com a madeira do “apenap”, para a queima durante toda a noite em que permanecerão acordados, concentrados na sua “auto consciência tribal” para a luta no dia seguinte. Os visitantes estão ao redor da aldeia, junto à mata, junto a natureza.
O percurso do fogo:
1. Vem da casa dos enlutados, simbolizando a morte;
2. Acende o Kuarup, que representa a reposição da vida no solo xinguano, voltando a casa dos enlutados;
3. É posteriormente devolvido à natureza quando levado aos visitantes (que ficam nos arredores da mata que circunda a aldeia), junto com a madeira do “apenap” (sepultura) para a queima, durante a noite que antecede a luta huka huka.

Huka Huka
Huka Huka
A luta huka huka do Kuarup dos Kamayurá
Huka Huka
A luta huka huka do Kuarup dos Kamayurá
A luta Huka Huka é o clímax do Kuarup, inaugurando uma nova etapa de vida numa comunidade xinguano, uma vez que a perda ocorrida esta tribo já está, nesse momento, reposta dentro do espaço comunitário. O pacto tribal já está novamente firmado.
A luta representa então um pacto intertribal, geral, após a reposição de uma vida, cujo resgate pela tribo dá à comunidade um novo crédito. Esse novo crédito está representado no substituto da vida, na figura da madeira, no Kuarup; mais especificamente, o crédito está simbolizando no cinto do Kuarup, um adorno que passa a ser o prêmio da comunidade na disputa intertribal, que se resume nesta luta.
Com essa prática instaura-se novamente entre a comunidade xinguano a adversidade tribal e completa-se, assim, o resgate da vida suspensa durante o luto. A comunidade que é credora da reposição de uma vida, doa através do cinto do Kuarup, esse crédito.
O pequi: o mito que instaura a ideia de Vida

Após a luta há a distribuição da castanha do pequi: os nativos esperam que ela amadureça e caia da árvore. Uma vez caída, madura, ela é colocada em cima da sepultura, cobrindo-a. Quando, depois da luta, a castanha passa a ser distribuída. Sua distribuição é feita pela moça púbere, que até esse momento estava reclusa e que, agora, libertada no ciclo do Kuarup, já pode procriar.
O pequi é objeto de troca entre as tribos xinguanas participantes do Kuarup.
Segundo a história da criação dos cosmos xinguano, ele veio das cinzas do jacaré, e este, por sua vez, é tido como conquistador das mulheres. O Kuarup reúne uma comunidade intertribal. Assim, quando a tribo promotora da festa oferece o pequi aos visitantes, no encerramento dos festejos, por meio de suas púberes libertadas para a procriação da vida, também oferece aquela fruta em troca da liberdade das mulheres da aldeia, para que procriem somente com os homens da própria aldeia.
Os visitantes homens são potenciais conquistadores de mulheres, são jacarés (inclusive, a própria tribo reconhece que seu morto festejado foi um jacaré, pois o pequi oferecido fica depositado em sua sepultura até a hora da distribuição, no final da festa).
Moça púbere
Após a luta os tocadores percorrem a aldeia, entrando de casa em casa, apresentando as moça púberas para seus pretendentes.  São elas quem irá distribuir o pequi aos visitantes.
Nessa fase dos festejos, com o luto suspenso, o curso da vida na aldeia que promoveu o Kuarup voltou a sua plenitude, incluindo todas as suas adversidades diante das tribos visitantes.
O pequi, em mais esse ato de troca, substitui, isto é, dilui a potencial pretensão dos homens das outras aldeias em conquistar as mulheres da aldeia promotora da festa. Com isso o pequi ganha também um sentido de ordenador da procriação da vida para os xinguanos, o que é confirmado pelas origens dessa castanha na sua mitologia.
O pequi, segundo essa mitologia, "nasceu com quatro diferentes cores, conforme a direção dos ramos (norte, azul; sul, verde: leste, branco; oeste, vermelho)".
A festa é encerrada com muita comida. A comida, como vimos, é um pagamento freqüente feito como troca de serviços realizados desde os preparativos do ciclo do Kuarup (paga-se com ele prestações de serviços pelo início do processo de levantamento do luto da aldeia), até o seu encerramento na confraternização entre as comunidades das várias tribos participantes da festa. A comida representa sempre a vida nessa festa. Assim, ela inicia o ciclo Kuarup e encerra esse mesmo ciclo, que relembra a história da origem da vida da comunidade xinguana, no tempo e no espaço de uma de suas aldeias.

Fontes: Uma Leitura da Semantização do Espaço na Festa do Kuarup / Luiz Gonzaga Marchezan in Rituais Indígenas Brasileiros  / Vários autores. - São Paulo: CPA Editora Ltda., 1999.
Índios – Suplemento Especial. Encarte do Jornal Radical, produzido em parceria com a FUNAI – Fundação Nacional do Índio. Abril de 1997
Viagem ao Xingu / Paula Saldanha e Roberto Werneck. - Lisboa : Edições Del Prado S. A., 1999 - Col. Expedições - Terras e Povos do Brasil
Fotos do Kuarup dos Kamayurá: Roberto Werneck e Pedro Werneck


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