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Lendas Regiões
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O velho guerreiro
não tivera forças
para acompanhar a tribo em sua marcha.
Sua filha mais nova, sem coragem de abandoná-lo, preferira renunciar à segurança da tribo. Para não assistir à partida de sua gente, haviam permanecido dentro da oca. O velho insistira com a filha para que fosse com os outros: - Vá, enquanto é tempo, Iari. Pouco me resta de vida e depois, o que será de você? O que fará neste lugar abandonado? Antes ficar sozinho do que angustiar-me com seu destino. - Não fale assim, pai. Sabe que eu não teria coragem de abandonar-lhe. O que faria o senhor sozinho? Morreria de fome! Os dois continuaram a viver na aldeia e dava pena ver o esforço do indígena para ser útil à filha. Lentamente, com o maior sacrifício, reunia um pouco de lenha, apanhava, apanhava alguma fruta. Ela, então, não parava: plantava, colhia, cozinhava, procurava manter em ordem a oca e o terreiro, onde o mato, adivinhando a fraqueza da moça, parecia resolvido a retomar o que fora seu. Até as onças, que antes não se aproximavam, temendo a flecha dos guerreiros, andavam urrando cada vez mais perto. A noite era cheia de sobressaltos e o dia, vazio de esperanças. Os meses foram passando. |
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Numa
triste tarde de inverno, o velho estava um
tanto afastado da aldeia, colhendo algumas frutas, quando viu mexer-se
uma folhagem próxima. Pensando que fosse uma onça, ficou
gelado. Para defender-se, não tinha mais forças; para fugir,
não podia contar com as pernas. Completamente paralisado, esperou
o pior. Em vez da onça, porém, viu surgir um homem branco muito forte, de olhos da cor do céu, vestindo roupas coloridas, que aproximou-se do velho guerreiro e pediu: - Venho de longe e há dias que ando sem parar. Estou cansado e queria repousar um pouco. Poderia arranjar-me uma rede e algo para comer? O velho lembrou-se que a comida era escassa, mas não pode recusar. - Sim, respondeu. Venha comigo. E tomaram o caminho da aldeia. Ao chegar, ele chamou Iari e apresentou-lhe o viajante: - Este homem, minha filha, está mais cansando do que nós e também sente fome. Cuide para que nada lhe falte. Iari acendeu o fogo e preparou tudo o que havia de comer, embora soubesse que não seria fácil conseguir mais. O estranho comeu com apetite. O velho e sua filha cederam-lhe sua oca e foram dormir numa das outras, abandonadas. Iari levou sua rede, nela acomodou o pai e dormiu no chão, porque não havia outra rede e a de seu pai ficara com o viajante. Logo
cedo, o velho indígena encontrou o
homem branco cortando lenha. Pediu-lhe que parasse, pois era um
hóspede,
mas o homem respondeu que já estava bem descansado e gostaria de
ajudar, também.
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- Posso pedir mesmo?
- Claro! Diga o que deseja! - Queria ter um amigo que me fizesse companhia até que meus dias acabassem. Assim, Iari poderia alcançar nossa tribo e ser feliz. Fico triste em vê-la aqui sozinha, sem amigas, sem uma festa, só trabalhando. Se ao menos eu tivesse mais forças! Poderia ficar sozinho. Ela não quer deixar-me, porque sabe que eu não sobreviveria. - Vou arranjar-lhe um amigo, prometeu o mensageiro. Um amigo que lhe dará alegria e forças para o resto de seus dias. Mostro-lhe, então, uma erva estranha: - Esta é a erva-mate. Plante-a, deixe que ela cresça e faça-a multiplicar-se. Depois ferva suas folhas e beba o chá. Novamente as forças lhe voltarão e poderá trabalhar e caçar o quanto quiser. Sua filha, se desejar, poderá ir ao encontro da tribo. Iari foi chamada e disse que não, preferia ficar na companhia do pai. Não poderia ser feliz em sua tribo, se o deixasse só. O enviado de Tupã sorriu, emocionado: - Por ser tão boa filha, você merece uma recompensa. A partir de agora, você é Caá-Iari, a deusa protetora dos ervais. Cuidará para que o mate jamais deixe de existir e fará com que os outros o conheçam e bebam, para ficarem fortes e felizes. Em seguida, o homem partiu. Tinha dito a verdade: o velho guerreiro recuperou as forças perdidas e nunca mais passaram necessidade. Entretanto, Iari vivia preocupada com o pedido do estranho. Ele queria que ela tornasse o mate conhecido. Mas como? Estavam tão longe que ali não aparecia ninguém! Ela não sabia o que fazer. Numa distante aldeia de indígenas, realizava-se uma grande festa. Todos estavam contentes porque tinham feito uma boa caçada e tão cedo não precisariam preocupar-se com alimento. Enquanto uns dançavam e cantavam, outros comiam e bebiam. Depois de algumas horas de alegria, dois jovens indígenas, que tinham bebido mais do que deviam, começaram a discutir. |
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Eram
Piraúna e Jaguaretê. O primeiro usava um colar
feito com dentes de cem inimigos que abatera nas guerras; o segundo era
famoso por sua força e coragem. Eram os guerreiros mais fortes da
tribo.
Quando alguns indígenas viram o que estava acontecendo, procuraram acalmar os dois jovens, pois sabiam que uma briga entre eles teria resultado funesto. Depois de muito esforço, levaram cada um para um lado e a festa continuou. Mas os dois estavam mesmo decididos a terminar a discussão que haviam iniciado. Pouco a pouco, um foi chegando perto do outro e a briga recomeçou. Desta vez, apelaram para a força. Os indígenas mais corajosos fizeram de tudo para separá-los. Porém, quem podia com eles? Fortes como eram, cheios de ódio e com cauim a embotar-lhes o raciocínio, pareciam duas feras e não dois homens. De repente, Jaguaretê empunhou um tacape e deu um violento golpe na cabeça de Piraúna, matando-o. Interrompendo-se a festa e Jaguaretê foi amarrado ao poste das torturas. Pelas leis daquela tribo, os parentes do morto podiam executar o assassino. Trouxeram o pai de Piraúna, para que ordenasse a execução de Jaguaretê, mas ele não quis fazê-lo. Disse que Jaguaretê só era culpado de haver bebido demais, tendo dado, assim, oportunidade a Anhangá, o espírito mau, de dominá-lo, levando-o a matar o amigo. Ele não deveria ser morto, portanto. Apenas expulso da tribo. Teria de viver sozinho nas matas desconhecidas, onde poderia refletir com calma sobre o que fizera. A decisão do velho foi obedecida. Depois de desamarrarem o jovem guerreiro, deram-lhe permissão para que pegasse suas armas e ordenaram que partisse imediatamente. Jaguaretê obedeceu e seguiu para o exílio. Ia triste, cabisbaixo, pois o efeito da bebida estava passando e podia ver agora o mal que fizera. Seguiu seu caminho e embrenhou-se na mata. Depois que Jaguaretê sumiu na floresta, ninguém ouviu falar mais nele. Com o tempo, foi completamente esquecido. Muitos anos depois, alguns indígenas daquela tribo, que nem tinham ouvido falar em Jaguaretê, saíram para caçar. Entraram pelo sertão, onde era fácil encontrar uma onça, aprofundando-se cada vez mais. No meio da floresta, encontraram uma cabana. Surpresos, aproximaram-se com cuidado. |
Nisto, um homem
forte e sorridente apareceu.
Embora tivesse os cabelos brancos, o corpo e o rosto eram os de um
jovem.
Ele acolheu os indígenas com cordialidade e ofereceu-lhes uma bebida desconhecida. Era Jaguaretê, o indígena expulso de sua tribo, e a bebida desconhecida era o mate. Os indígenas quiseram saber por que ele vivia sozinho naquela cabana e que bebida era aquela. Jaguaretê contou-lhes a sua história: - Assim que me vi sozinho na floresta, não agüentava mais o cansaço e o remorso, joguei-me no chão e ali fiquei, pedindo a morte. O arrependimento e a saudade de minha gente me torturavam. Fiquei muito tempo caído no mesmo lugar. Pressenti, então, que alguém estava perto de mim. Levantei a cabeça e vi uma jovem de olhar bondoso. Ela fitou-me com compaixão e disse: - Tenho pena de você, porque não matou por querer e agora está arrependido do que fez. Para que possa suportar seu exílio, vou ensinar-lhe uma bebida que não enfraquece nem tira a razão como o álcool, mas fortalece o corpo e clareia a mente. Meu nome é Caá-Iari, a deusa protetora dos ervais. Mostrou-me uma estranha planta e esclareceu: |
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- Esta é a
erva-mate. Plante-a, deixe-a
crescer e faça-a multiplicar-se. Depois, prepare uma infusão
com suas folhas e beba o chá. Seu corpo será forte e sua
mente será clara por muitos e muitos anos.
Segurei, emocionado, a planta que a deusa me entregara. Ela me olhou, em silêncio. Depois, desaparecendo pouco a pouco, como se fosse fumaça, ordenou: - Não deixe de transmitir a quem encontrar, o que aprendeu sobre o mate! - Portanto, meus amigos, finalizou Jaguaretê, quero que levem alguns pés de erva-mate para sua tribo e nunca deixem de transmitir aos outros o que aprenderam. - Não vem conosco? - perguntou um indígena. - Não, não vou, respondeu Jaguaretê, pensativamente. Agora é tarde. Todos os que eu conhecia na tribo já devem estar mortos e eu seria um estranho. É preciso que eu cumpra meu exílio. Além disso, estou habituado com este lugar, que me sinto parte dele. E não estou sozinho, tenho o mate para alegrar minhas horas de solidão. Os indígenas voltaram e contaram aos outros o tinham ouvido. O mate foi plantado e multiplicou-se. Outras tribos aprenderam o seu uso e ele é, até hoje, muito difundido no Sul... |
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