A
convicção dos que ficam é diferente. Os jovens têm outros valores,
conforma-se sem muita convicção o capitão Hermelindo Brazão. Aos 46
anos, nem jovem nem velho, o capitão vive com insegurança uma nova fase
de transição. Os valores do mundo exterior chegam no margem oposta, com
as barcos que sobem o rio. O bar do porto não tem nenhum suco natural,
típico da região, como o maracujá e o caju. Em compensação, uma
coca-cola em lata e gelado custa R$ 0,90 (1996).
Brazão se queixa de
que nunca recebeu qualquer ajuda do Foirn. Camanaus tem uma escola para
suas crianças no interior de uma maloca bem arejada. Atrás do
quadro-negro amontoam-se sacos de cimento, madeira serrada, barras de
ferro e outros materiais para pequenas construções comunitárias. Ele
pensa que a perda de memória em sua aldeia poderia ser amenizada com o
ensino das línguas nativas. O presidente da Foirn rebate irritado as
observações do capitão Camanaus. Justifica que a entidade que dirige
“não é assistencialista” como se o pedido de Brazão fosse desse teor. O
atrito à distância entre os dois homens, como tudo na região, tem
raízes fincadas nos últimos 400 anos. A ocupação das terras, a
exploração dos indígenas e a posse de suas mulheres só foi possível com
manobras de divisão entre eles. De muitas maneiras, elas permanecem
ainda hoje. Os comerciantes de São Gabriel, por exemplo, herdaram dos
regatões o hábito de ludibriar os índios. Um hoteleiro local conta
indignado que comprou pela metade do preço um estoque de café moído com
prazo de vencimento quase no limite. O mesmo produto ele viu ser
vendido aos índios acima do preço normal.
Também esses comerciantes
continuam abastecendo os indígenas de álcool. Os capitães Fortunato
Nascimento e Hermelindo Brazão gostariam de ver o vício longe de suas
comunidades. Mas eles próprios bebem e, às vexes, passam um pouco do
limite. Nascimento pondera que faz isso em datas específicas, 19 de
março, dia de São José; 3 de julho, dia de São Tomé; e 7 de Setembro,
Dia da Pátria. Quando “passa do limite”, Nascimento vai se deitar. O
mesmo acontece com Brazão. Qualquer um que caminhe por São Gabriel, no
entanto, vê indígenas caídos ou perambulando pelas ruas, sem rumo
aparente. Se pudessem se deslocar no tempo, missionários do passado
certamente teriam amenizado as restrições ao que consideravam atos
selvagens de seus protegidos. A cerimônia do caxiri, por exemplo,
acontecia no interior de um ritual que mantinha as raízes culturais e
por isso mesmo fortalecia os laços de identidade. O alcoolismo de hoje,
ao contrário, talvez seja só uma maneira de esquecer o esquecimento.
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