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1. Os preás e os caratingas Em tempos muito antigos, Sol e Lua viviam juntos na Terra. Sol trouxe da caçada um ayó cheio de preás e caratingas. "Meu irmão", disse ela a Lua, péla esses preás!" Tendo Lua pelado três dos animais, disse, repentinamente, ao Sol: "Não é, meu irmão? Depois de pelados esses preás, todos vão fugir!" Mal havia dito isto, os três preás já pelados fugiram. Sol, que já tinha pelado os seus preás, meteu-os outra vez no ayó apertando a boca deste quando os animais quiseram fugir. Bateu o ayó com os preás no chão e matou-os novamente. "Tu és um conversador!", disse ele a Lua. "Agora os teus preás fugiram. Tu não tens fome, não?" Deu-lhe um preá e alguns caratingas. Naquele tempo, estes tinham o mesmo gosto bom dos carás cultivados. Quando Lua estava comendo os caratingas, disse: "Meu irmão, estes caratingas são muito amargos!" Desde então tornaram-se amargos como são ainda hoje. 2. A enchente Acabada a refeição, Sol foi ao riacho beber água. Na aguada viu um enorme quelônio deitado. Sol parou a certa distância e se dirigiu ao animal: "Avô, queiras afastar-te um pouco para o lado, para que eu possa beber água!" Então o quelônio se afastou e Sol bebeu à vontade. Depois apanhou uma folha de patioba, amarrou suas pontas e a levou, cheia d'água, para Lua. Este, porém, disse que a água estava suja e que ia beber na aguada. "Na aguada está deitado meu avô", avisou Sol, "peça-lhe primeiro que se afaste." Lua chegou à aguada e, vendo o quelônio, gritou-lhe: "Sai daí! Estás fedendo e sujando a água!" Mas o quelônio não se mexeu, nem quando ele gritou pela segunda vez. Então Lua, apanhando uma pedra, atirou-a no animal. A pedra fez-lhe um buraco no meio da carapaça dorsal. Imediatamente começou a descer uma chuva tão violenta que tudo ao redor ficou inundado. Lua fugiu, mas a água arrastou-o, morrendo, então, afogado. Acabada a chuva e escoada a água, Sol procurou seu irmão por toda parte, encontrando-o morto e meio coberto de areia. Então recitou uma fórmula mágica e fez Lua ressuscitar. |
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3. 0 enfeite do pica-pau
Depois
ambos foram para longe. Sol mandou que Lua fosse buscar lenha e fizesse
fogo, enquanto ele próprio ia caçar. Encontrou com os pica-paus que
tinham um enfeite vermelho na cabeça, feito de fios que ardiam como
fogo. "Avô", disse Sol, "dá-me um novelo dos teus fios! Necessito
dele para amarrar minhas flechas!" "Sim", disse o pica-pau, "mas trazes
primeiro lama, meu neto! Muita lama, bastante, para que possas apagar o
fogo com ela, senão serás queimado!" Então Sol trouxe, do riacho, um
monte grande de lama. Os pica-paus deitaram dois novelos para baixo e o
Sol jogou lama no fogo até apagá-lo. Sol foi para casa e 1á deu um dos
novelos a Lua. Lua, porém, não ficou satisfeito com o presente e
disse que ia, em pessoa, buscar mais fios. Por mais que Sol procurasse
dissuadi-lo, procurou os pica-paus, os quais também lhe ordenaram que
trouxesse, antes de tudo, um monte de lama. Lua, porém, teve preguiça e
só trouxe um pouco. Quando, então, o pica-pau atirou o novelo
ardente, Lua procurou em vão apagar o fogo com a pouca lama que
trouxera, e o fogo o queimou. Assim o achou Sol quando, depois de algum
tempo, foi à sua procura. Ele o ressuscitou por meio de uma fórmula
mágica; mas, desde então, Lua tem o rosto queimado
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4. 0 roubo das flechas Sol
e Lua não tinham mais flechas. Então Sol foi à aguada de uma aldeia.
Pôs três pedaços de casca de pau, um por cima do outro, nas próprias
costas, e transformou-se em capivara. Depois esperou até que veio uma
mulher buscar água. Esta, ao avistar o animal, gritou: "Gente! Uma
capivara! Vinde matá-la!" Logo, todos acorreram ao local com suas
armas, atirando flechas no animal, mas estas não varavam as três cascas
do seu dorso, que eram de pau-d'arco. A capivara saltou n’água,
mergulhou e emergiu novamente, e todos atiraram-lhe flechas,
cobrindo-lhe completamente o corpo. Então ela mergulhou e, nadando,
levou as flechas. Longe da aldeia, Sol tomou outra vez a sua forma
primitiva, de homem. Puxando as flechas da casca de pau, fez com elas
dois grossos feixes, um para si mesmo e outro para Lua, aconselhando a
este que se desse por satisfeito com o presente. Lua, porém, teimou em
querer, ele mesmo, ganhar flechas também. Foi à aguada da aldeia e, se
bem que Sol o tivesse avisado que pusesse pelo menos três pedaços de
casca de pau nas costas, achou que um só era suficiente. Depois,
transformado em capivara, ficou sentado. Os homens chegaram com suas
armas e as flechas, varando a casca de pau, mataram Lua. Abriram-no e
esquartejaram-no, moqueando-lhe os pedaços. Sol fez conjeturas de toda
espécie, formando planos para salvar o irmão. Por fim, transformou-se
em um beija-flor e, chilreando ao redor do moquém, agarrou um pedacinho
do tamanho de um dedo e voou com ele. Com isso, ressuscitou o irmão;
repreendeu-o bastante por causa de seu mau comportamento, ameaçando
abandoná-lo, caso não se corrigisse. 5. Lua na caverna Depois
os dois foram caminhando juntos. Estava chovendo fortemente e sem
interrupção. Acharam uma caverna num rochedo e nela se abrigaram do
temporal. Então Lua, o falador, disse: "Meu irmão, parece-me que esta
caverna vai se fechar!" Mal havia falado, as pedras se uniram diante da
entrada, ficando os dois presos. Sol, porém, transformado em mucuim
(pequeno carrapato), conseguiu escapar por uma fenda, mas Lua ficou
preso na caverna.
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Ilustrações de viagem: Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil / Jean Baptiste Debret. São Paulo: Círculo do Livro S.A. s. data.
Fonte: Os Mitos / Curt Nimuendaju in Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional . nº 21 / 1986 - Fundação Nacional Pró-Memória / Secretaria do Patrimônio e Artístico Nacional (SPHAN) Ministério da Cultura
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