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Adornos
Pintura
Preparo da pintura
Pintura Asurini do Trocará
Pintura Asurini do Xingu
Pintura Wayana
Pintura Xavante
Pintura Xerente
Plumária

Pintura Corporal Asurini

Do texto da Professora Regina Polo Müller junto aos Asurini do Xingu

Os Asurini do Xingu são indígenas de língua Tupi-Guarani, com uma população de aproximadamente 60 indivíduos localizados no Pará. Foram contatados na década de 70.


A situação de contato recente com os brancos permitiu registrar, em 1976, aspectos tradicionais de sua cultura, em particular uma de suas manifestações artísticas, os desenhos geométricos usados na decoração do corpo humano e dos objetos.

Esses desenhos possuem significado e sua elaboração segue a gramática própria desse sistema de comunicação, obedecendo regras estéticas e morfológicas.
Os significados do desenho Asurini estão associados à cosmologia e às noções fundamentais da visão de mundo deste povo.

Nas cosmologias Tupi, grupo linguístico ao qual pertencem os Asurini, pode-se definir três ordens ou domínios, os quais se encontram referidos na nomenclatura dos desenhos geométricos: a natureza, a cultura e o sobrenatural.

À predominância do sobrenatural na organização do cosmo e na própria reprodução da sociedade correspondem aspectos formais das representações visuais manifestas nos desenhos geométricos.
Pintura Corporal Asurini do Xingu
A divisão vertical do corpo na aplicação do desenho
marcando o ventre, identifica a pintura feminina
usada por Maruia.
Motivo : kwasiara - Foto : Renato Delarole
Pintura Corporal Asurini do Xingu
Desenho que cobre a parte superior do rosto.
Motivo : ja'eakynga -  
Foto : Renato Delarole
As manifestações tradicionais do desenho são partes de um repertório que se atualiza por meio de um processo formal de elaboração de imagens, desenvolvidas desde a infância. Assim, qualquer que seja a forma na qual for aplicado, o desenho traduzirá as imagens por intermédio de estampas geométricas tradicionais.  

O corpo humano é o suporte por excelência das manifestações gráficas elaboradas pelas mulheres Asurini, Atualmente é muito freqüente a confecção de cerâmica decorada dirigida para o comércio com o branco, mas supõe-se que, antes do contato, a pintura corporal foi o principal  meio de expressão da arte gráfica. A divisão do corpo em áreas para a decoração obedece a outras regras além das regras formais do desenho.

Trata-se de critérios como sexo, idade e atividade que determinam categorias sociais marcadas no corpo por esses signos visuais. No homem, há uma divisão horizontal de ombro a ombro. O desenho do ombro, que liga a faixa horizontal, é o desenho da tatuagem executada nos guerreiros, por ocasião da morte do inimigo. Marca, portanto, a atividade do sexo masculino: a guerra. Nas mulheres, a divisão é vertical e marca o ventre.

As superfícies decoradas compreendem o barro cozido (nos potes de cerâmica), a pele (no corpo humano) e a casca do fruto da cabaça (nas cuias). Para cada superfície são utilizados matéria-prima e instrumentos adequados.

No corpo humano, usa-se o suco do fruto do Jenipapo verde, tinta vegetal, e os pincéis são a haste de uma
 leguminosa (jufuiva), uma lasca da palha de babaçu, os dedos ou o talinho encapado de algodão. Rala-se o fruto verde do jenipapo na raiz da palmeíra-paxíubinha e espreme-se o sumo, ao qual se adiciona carvão vegetal, esfregado no fundo de uma panela de cerâmica semi-quebrada, onde se deposita o líquido. Com o carvão, o desenho fica visível durante a execução da pintura, feita com os pincéis ou os dedos. Após o banho, horas depois da aplicação, o risco desaparece momentaneamente com a eliminação do carvão, mas ressurge forte e permanece indelével, devido ao efeito do sumo do jenipapo na pele humana, e permanece por cinco dias ou mais.

Na tatuagem usa-se um escarificador, o merirynha (feito de dente de cutia bem afiado), tinta de jenipapo e resina de árvore. Para impedir o sangramento, aplica-se uma infusão de água e folhas de urucum. A escarificação torna-se indelével ao ser coberta com tinta de jenipapo e uma mistura de carvão e resina vegetal. A pele tatuada deve ser mantida seca pelo espaço de, pelo menos, uma semana.

Os Asurini dão às manifestações artísticas, na esfera feminina, a mesma ênfase dada ao xamanismo. Na socialização do indivíduo, o exercício artístico desenvolvido desde a infância pela mulher corresponde ao domínio dos mitos, cantos e prática ritual xamanística, aos quais o jovem do sexo masculino deve se dedicar, mesmo que não se torne um xamã. O rapaz é educado nessas práticas sob orientação dos xamãs, durante os rituais dos quais são assistentes. A menina aprende a técnica do desenho praticando na decoração do próprio corpo. A decoração da cerâmica e a confecção dos potes serão aprendidas junto à sua mãe (real ou classificatória) ou irmã mais velha (real ou classificatória), que lhes transmitem a técnica e, em alguns casos, um repertório particular de variações de um padrão. Para chegar a reproduzir esse repertório, entretanto, começará pelo domínio da geometrização do espaço. As mulheres mais velhas e experientes obtêm, como resultado de sua prática e habilidade individual, a decoração de uma peça na qual não se distingue o começo/fim do desenho, levando-se em conta que não há risco preliminar à pintura, dividindo geometricamente a área" decorada. Quanto ao repertório particular, trata-se, em sua maioria, de variações do padrão tayngava. Esse é o padrão por excelência que permite a composição infinita, característica do estilo de desenho Asurini e onde se encontra a criação individual.
Pintura Corporal Asurini do Xingu
A divisão  horizontal - faixa que liga ombro a ombro - identifica a pintura masculina no corpo de  Takamuí
Motivo : kafueví - Foto :
Renato Delarole
Pintura Corporal Asurini do Xingu
Pintura corporal - Motivo ipirajuak (pintura de
peixe), padrão tayngava.  Foto : 
Renato Delarole
Estilos e padrões dos desenhos

A aplicação dos desenhos decorativos - existentes abstratamente em uma superfície supostamente infinita e imaginária - sobre formas determinadas e restritas se dá por meio de técnicas que permitem preencher quesitos formais e de estilo. Essas técnicas são a ampliação, que permite aumentar as dimensões do desenho, especialmente na execução do padrão tamakyjuak (losangular); a extensão, que se realiza pela repetição contínua ou variação de uma unidade elementar do padrão, geralmente usada na execução do padrão tayngava (grega); a repetição simétrica de módulos geométricos e o recorte, operação que destaca uma região do desenho infinito, como no caso dos motivos kumandã (curvilíneo) e huiapet.

A ordenação dos espaços para os Asurini não são os espaços luminosos que delineiam as figuras, mas sim os espaços negros entre eles. A geometrização e a totalização do espaço como modo de percepção visual são as tendências que definem o desenho Asurini.

Tayngava : padrão, imagem, réplica, imagem do humano.
A tradução da palavra ayngava (raiz = ayng; ave a) = formador de circunstância) é replica, medida,  imagem. Por exemplo: a estilização de uma ave (uirâ) em um objeto ritual feito de taquarinhas encapadas de algodão chama-se uiraraingava (imitação, imagem de uirâ); o desenho de um homem é avaraingava (ava = gente); um pedaço de pau que serve de medida para marcar a planta de uma casa no chão é ayngava. Acrescida do prefixo "t" (forma gramatical que indica possuidor humano), significa "imagem do ser humano".

No processo de aprendizagem do desenho geométrico, a forma tayngava é o "a-e-i-o-u" dos Asurini. As meninas, treinam desde pequenas a desenhar o tayngava, a figura elementar da grega.

Tayngava é também o nome de um boneco feito de taquarinhas encapadas de algodão, figura antropomórfica, usada pelos xamãs e auxiliares em rituais xamanísticos. O traço mínimo do padrão de desenho tayngava pode ser considerado o braço/perna desta figura, como indicam as mulheres Asurini ao identificá-la. Esse elemento ritual está relacionado à noção de ynga (princípio/substância vital) compartilhada por espíritos e humanos e manipulada pelos xamãs.
O tayngaua representa, na verdade, uma noção básica da filosofia Asurini: a noção de que a representação/imagem é constitutiva do ser e de que a pessoa humana se constitui do princípio vital ynga e de sua representação/imagem, os quais, simultaneamente, conferem a unidade do ser humano/vivente.



Fonte : Tayngava, a noção de representação na arte gráfica Asurini do Xingu / Regina Polo Müller in Grafismo Indígena: Estudos de Antropologia Estética / Lux Vidal (organizadora), 2ª ed. – São Paulo: Studio Nobel: FAPESP: Editora da Universidade de São Paulo, 2000.

Regina Polo Müller  -
Professora do Instituto de Artes da Unicamp, tem se dedicado há mais de quinze anos ao estudo de manifestações artísticas em sociedades indígenas. Elaborou duas teses sobre temas nesta área de pesquisa: a dissertação de doutorado, versando sobre arte, história e xamanismo entre os Asurini do Xingu (1987) e a de mestrado, sobre a ornamentação corporal Xavante (1976). Escreveu vários artigos sobre a arte indígena, destacando-se "Pintura e Adornos Corporais", em co-autoria com Lux Vidal, parte do volume Arte Índia da Suma Etnológica Brasileira, organizada por Berta Ribeiro (Vozes/FINEP, 1986). Coordenou e participou de diversas exposições sobre arte e cultura material de grupos indígenas no Brasil. Foi membro da equipe de edição do Levantamento de Povos Indígenas no Brasil/CEDI (1983-85) e antropóloga da FUNAI (1978-1984). Coordenou projetos de assistência com ênfase na área da saúde, comercialização da produção de objetos e defesa do território indígena. 


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