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Motivo : ja'eakynga - Foto : Renato Delarole |
As
manifestações tradicionais do desenho são partes de um repertório que
se atualiza por meio de um processo formal de elaboração de imagens,
desenvolvidas desde a infância. Assim, qualquer que seja a forma na
qual for aplicado, o desenho traduzirá as imagens por intermédio de
estampas geométricas tradicionais. O corpo humano é o suporte por excelência das manifestações gráficas elaboradas pelas mulheres Asurini, Atualmente é muito freqüente a confecção de cerâmica decorada dirigida para o comércio com o branco, mas supõe-se que, antes do contato, a pintura corporal foi o principal meio de expressão da arte gráfica. A divisão do corpo em áreas para a decoração obedece a outras regras além das regras formais do desenho. Trata-se de critérios como sexo, idade e atividade que determinam categorias sociais marcadas no corpo por esses signos visuais. No homem, há uma divisão horizontal de ombro a ombro. O desenho do ombro, que liga a faixa horizontal, é o desenho da tatuagem executada nos guerreiros, por ocasião da morte do inimigo. Marca, portanto, a atividade do sexo masculino: a guerra. Nas mulheres, a divisão é vertical e marca o ventre. As superfícies decoradas compreendem o barro cozido (nos potes de cerâmica), a pele (no corpo humano) e a casca do fruto da cabaça (nas cuias). Para cada superfície são utilizados matéria-prima e instrumentos adequados. No corpo humano, usa-se o suco do fruto do Jenipapo verde, tinta vegetal, e os pincéis são a haste de uma leguminosa (jufuiva), uma lasca da palha de babaçu, os dedos ou o talinho encapado de algodão. Rala-se o fruto verde do jenipapo na raiz da palmeíra-paxíubinha e espreme-se o sumo, ao qual se adiciona carvão vegetal, esfregado no fundo de uma panela de cerâmica semi-quebrada, onde se deposita o líquido. Com o carvão, o desenho fica visível durante a execução da pintura, feita com os pincéis ou os dedos. Após o banho, horas depois da aplicação, o risco desaparece momentaneamente com a eliminação do carvão, mas ressurge forte e permanece indelével, devido ao efeito do sumo do jenipapo na pele humana, e permanece por cinco dias ou mais. Na tatuagem usa-se um escarificador, o merirynha (feito de dente de cutia bem afiado), tinta de jenipapo e resina de árvore. Para impedir o sangramento, aplica-se uma infusão de água e folhas de urucum. A escarificação torna-se indelével ao ser coberta com tinta de jenipapo e uma mistura de carvão e resina vegetal. A pele tatuada deve ser mantida seca pelo espaço de, pelo menos, uma semana. Os Asurini dão às manifestações artísticas, na esfera feminina, a mesma ênfase dada ao xamanismo. Na socialização do indivíduo, o exercício artístico desenvolvido desde a infância pela mulher corresponde ao domínio dos mitos, cantos e prática ritual xamanística, aos quais o jovem do sexo masculino deve se dedicar, mesmo que não se torne um xamã. O rapaz é educado nessas práticas sob orientação dos xamãs, durante os rituais dos quais são assistentes. A menina aprende a técnica do desenho praticando na decoração do próprio corpo. A decoração da cerâmica e a confecção dos potes serão aprendidas junto à sua mãe (real ou classificatória) ou irmã mais velha (real ou classificatória), que lhes transmitem a técnica e, em alguns casos, um repertório particular de variações de um padrão. Para chegar a reproduzir esse repertório, entretanto, começará pelo domínio da geometrização do espaço. As mulheres mais velhas e experientes obtêm, como resultado de sua prática e habilidade individual, a decoração de uma peça na qual não se distingue o começo/fim do desenho, levando-se em conta que não há risco preliminar à pintura, dividindo geometricamente a área" decorada. Quanto ao repertório particular, trata-se, em sua maioria, de variações do padrão tayngava. Esse é o padrão por excelência que permite a composição infinita, característica do estilo de desenho Asurini e onde se encontra a criação individual. |
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A divisão horizontal - faixa que liga ombro a ombro - identifica a pintura masculina no corpo de Takamuí Motivo : kafueví - Foto : Renato Delarole |
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Pintura
corporal - Motivo ipirajuak
(pintura de
peixe), padrão tayngava. Foto : Renato Delarole |
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Estilos e
padrões dos desenhos
A aplicação dos desenhos decorativos - existentes abstratamente em uma superfície supostamente infinita e imaginária - sobre formas determinadas e restritas se dá por meio de técnicas que permitem preencher quesitos formais e de estilo. Essas técnicas são a ampliação, que permite aumentar as dimensões do desenho, especialmente na execução do padrão tamakyjuak (losangular); a extensão, que se realiza pela repetição contínua ou variação de uma unidade elementar do padrão, geralmente usada na execução do padrão tayngava (grega); a repetição simétrica de módulos geométricos e o recorte, operação que destaca uma região do desenho infinito, como no caso dos motivos kumandã (curvilíneo) e huiapet. A ordenação dos espaços para os Asurini não são os espaços luminosos que delineiam as figuras, mas sim os espaços negros entre eles. A geometrização e a totalização do espaço como modo de percepção visual são as tendências que definem o desenho Asurini. Tayngava : padrão, imagem, réplica, imagem do humano. A tradução da palavra ayngava (raiz = ayng; ave a) = formador de circunstância) é replica, medida, imagem. Por exemplo: a estilização de uma ave (uirâ) em um objeto ritual feito de taquarinhas encapadas de algodão chama-se uiraraingava (imitação, imagem de uirâ); o desenho de um homem é avaraingava (ava = gente); um pedaço de pau que serve de medida para marcar a planta de uma casa no chão é ayngava. Acrescida do prefixo "t" (forma gramatical que indica possuidor humano), significa "imagem do ser humano". No processo de aprendizagem do desenho geométrico, a forma tayngava é o "a-e-i-o-u" dos Asurini. As meninas, treinam desde pequenas a desenhar o tayngava, a figura elementar da grega. Tayngava é também o nome de um boneco feito de taquarinhas encapadas de algodão, figura antropomórfica, usada pelos xamãs e auxiliares em rituais xamanísticos. O traço mínimo do padrão de desenho tayngava pode ser considerado o braço/perna desta figura, como indicam as mulheres Asurini ao identificá-la. Esse elemento ritual está relacionado à noção de ynga (princípio/substância vital) compartilhada por espíritos e humanos e manipulada pelos xamãs. O tayngaua representa, na verdade, uma noção básica da filosofia Asurini: a noção de que a representação/imagem é constitutiva do ser e de que a pessoa humana se constitui do princípio vital ynga e de sua representação/imagem, os quais, simultaneamente, conferem a unidade do ser humano/vivente. |
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