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Um
homem de muitos poderes mágicos fez uma derribada e a queimou. Depois
chamou sua mulher e se mudou com ela para um outro lugar. "Não queres
plantar tua queimada?", perguntou a mulher. "Não", respondeu "não
preciso plantar nada." Foram embora. Alguns meses depois o homem mandou
um seu parente, do bando, ver como estava o roçado. "Por que o mandaste
ao roçado", objetou a mulher, "se lá não plantaste
coisa alguma?!" Quando o enviado chegou ao roçado, achou-o cheio
dos mais variados frutos, que cresciam todos de um só pé.
O enviado voltou com cinco espigas de milho. Quando a mulher as viu,
ficou
grandemente admirada; seu marido, porém, disse-lhe: "Estás
vendo, mulher? Eu não te disse?" - Os Marét haviam
plantado a roça do homem.
Uma mulher com seu filho de uns seis anos foi ao mato. Não tinham coisa alguma para comer e queriam colher frutas. A mulher colheu frutas de caraguatá e empilhou-as para levá-las na volta. Depois dirigiram-se a um outro lugar onde havia frutas de deyakitáig (cansanção). De repente, o menino disse: "Veja só, mãe!" No meio da mata estava um monte de bonitos jerimuns. Por ali, nem mesmo a grande distância, não havia roçados. "Quem teria trazido esses jerimuns para cá?", disse a mulher. "Vou já levar alguns deles para casa!" Encheu o ayó1 “e carregou o seu achado para o acampamento, onde contou como o tinha obtido. "Foram os Marét”, disseram os outros, "vamos também buscar jerimuns!" Assim fizeram todos, e comeram jerimuns com fartura. A princípio, tiveram um pouco de medo, receando que lhes podia fazer mal, mas nada lhes aconteceu. Rignbrúk, filho de Entán, disse: "Pai, eu queria fumar! Não tens trato com os Marét? Pede-lhes fumo para mim! "De noite, Entán sentou-se e cantou. Pediu tabaco aos Marét e estes prometeram atendê-lo na manhã seguinte. Quando amanheceu, mandaram-lhe primeiro um cachimbo novo, vermelho, cheio de tabaco para provar. Rignbrúk acendeu-o e o achou excelente. Então os Marét trouxeram um pacote inteiro de tabaco, para que Entán o distribuísse pela sua gente. Era um fumo de qualidade superior, e a gente lhe pediu para ver uma folha dessa espécie, para eles desconhecida. Então Entán foi buscar uma entre os Marét; era do tamanho de uma folha de bananeira. Depois de todos a terem admirado, ele a levou outra vez aos Marét. Em toda a região não havia tabaco. |
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A força mágica Os Botocudos
traduzem Yikégn pela palavra
portuguesa "forte". Subentende-se "forte sobrenaturalmente", porque a
força
física, em língua de Botocudos, é nyipmro.
Todos os chefes dos Botocudos eram yikégn, mas nem
todos
os yikégn foram chefes. Hanát contou-me como o
chefe
Biyán se tornou
yikégn:
Biyán,
tomando suas armas, foi sozinho ao mato caçar. A essa época,
ainda não possuía força mágica. Na mata, encontrou
um grande número de Marét. Estes o pegaram e o
atiraram
ao ar, aparando-o nas palmas das mãos, e assim o transformaram numa
espécie de peteca durante algum tempo. Finalmente, um dos Marét
achou que já chegava, porque Biyán já tinha recebido
bastante força mágica. Ele se recolheu à casa, completamente
estonteado, e se deitou; depois cantou. Feito isto, foi ao mato, e os Marét
lhe trouxeram alguns ananases muito grandes que ele distribuiu pela sua
gente.
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Transformações
Afora esta faculdade
de tratar com os Marét,
possuem os yikégn ainda uma outra: podem operar em si mesmos ou
nos outros repentinas transformações.
Um
homem foi ao mato caçar. Matou uma guariba mas esta ficou pendurada,
muito alto, nos galhos de uma árvore. Chegando em casa, ele contou
ao filho que tinha deixado o macaco no mato. Então o filho pediu-lhe
licença para acompanhá-lo ao mato, a fim de buscar o referido
animal. Quando o menino avistou o macaco no galho da árvore, insistiu
com seu pai que trepasse e o atirasse para baixo; este, porém,
respondeu
que a árvore era grossa demais. Mas o filho não cessou de
importuná-lo, até que ele, finalmente, subiu. Quando chegou
onde estava o animal, cortou-o em pedacinhos e deixou-os cair um a um.
O filho gritou, para cima, que atirasse o animal inteiro, mas o pai não
o atendeu. De repente o tronco da árvore inchou e os galhos
estremeceram:
o homem transformou-se num gavião real, suas flechas, em garras,
e soltando um assobio, voou. O filho juntou os pedacinhos de carne e
levou-os
para casa.
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As
almas
Cada pessoa adulta
tem um número de almas (nakandyún),
algumas até cinco e seis, mas só uma delas habita no corpo;
as outras ficam ao redor dele. Em sonhos o nakandyún
abandona
o corpo e tem as suas aventuras independente dele. A perda do nakandyún
causa doenças.
Hanát foi ao mato caçar. Encontrou dois mbrukík (macacos sauá) que matou e levou. Quando ele chegou a casa, caiu sem sentidos. Um bando de macacos sauá chegou em forma de moças e quis levá-lo, mas ele se recusou a acompanhá-las. De repente, ouviu o assobio agudo dos Marét, e logo as macacas o abandonaram. Ficou, porém, doente, porque elas tinham levado o seu nakandyún. Elas ainda voltaram em forma humana para atormentá-lo. Finalmente apareceram três Marét à porta da casa e afugentaram as macacas, levando Hanát consigo para o seu país, no céu, onde lhe devolveram o nakandyún. Eles lhe deram também uma bebida e ele ficou bom. |
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Os
fantasmas
Dos ossos do cadáver
forma-se o nandyón
(fantasma), a saber: o nandyón yuka-krinã dos ossos
frescos, depois de putrefata a carne, e o nimhiãmíe,
reconhecível pelos seus cabelos compridos e que caminha aos saltos,
dos ossos velhos. Outras formas de nandyón Raulino
qualificou
de nandyón-ron (- n. comprido) e nandyón-him
(- n. preto).
A habitação dos nandyón chama-se Kiyém parádn e está sob a terra, sendo iluminada pelo sol quando aqui é noite. Ali os nandyón passam uma vida mais ou menos como os vivos aqui. Os Marét não permitem que voltem permanentemente à superfície da terra, enxotando-os assim que eles se apresentam. Apesar disto, acontece as vezes que aparecem aos vivos. Se o vivo não avançar corajosamente contra o fantasma, matando-o ou lhe dando, pelo menos, uma boa surra, pode morrer em conseqüência do encontro. Por isso, as mulheres receiam particularmente semelhantes aparições. Entretanto, no conto seguinte o encontro não teve más conseqüências para uma mulher. Uma
mulher disse a seu marido: "Fica aqui, ouço chamarem-me para a mata!"
Quando a mulher seguiu no rumo do chamado, encontrou os nandyón
na mata. Eles a pintaram com tinta preta. Quando voltou, ela
disse
ao marido: "Isto é o meu vestido que os
nandyón me
deram!" Essa pintura podia ser vestida ou despida como roupa.
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Sol,
lua, eclipses, noite
O
sol é do sexo masculino. A lua grande (não a lua crescente!)
é masculina (munyák yekán - pai Lua), a pequena, feminina
(munyák yopúe - mãe Lua).
Os eclipses produzem-se quando sol e lua brigam e se insultam. Ficam, então, escuros de raiva e de vergonha. Em tempos remotos, não havia noite. Um homem desceu do céu e disse aos índios: "Se quiserdes, podeis matar-me!" Eles mataram-no, e ficou noite. Depois de algum tempo, tornou a viver, e fez-se novamente dia. Ele subiu ao céu de onde viera, e é hoje o sol. |
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A
origem da trovoada
Tarú
(- céu; não e idêntico nem ao sol nem ao deus celeste,
Yekan
kren-yirúgn!) tinha mulher e filha. Esta era casada com um
homem
de nome Ngan-nhin. Naquele tempo moravam na terra. Tarú
possuía um couro de lontra chamado krin-pakyúe que
era o dono do segredo do mundo superior. Quando Tarú
queria
colher sapucaias, levava o couro de lontra e o pendurava. Seu genro
quis
ir colher sapucaias também, e pediu que o deixassem levar o couro.
Tarú,
com relutância, consentiu, mas lhe recomendou que limpasse bem o
mato em torno do lugar em que o fosse pendurar. Ngan-nhin foi a um pé
de sapucaia e pendurou o couro, mas só limpou ligeiramente a mata
ao redor. Subiu na árvore e começou a derrubar as frutas,
que caíram, pã-pã, no solo da mata. Então
o couro de lontra começou a se mover e a esbravejar ao redor do
tronco em que estava pendurado, e a bater contra as árvores, trovejando
e estalando. Uma grande tempestade se levantou e, do chão, ao pé
da árvore, rebentou a água. Esta subia rapidamente, mas Ngan-nhin
não se importava. Continuou a jogar sapucaias para baixo e estas
caíam, tu-tu, dentro d'água. De repente, ele viu
que
a água já estava prestes a chegar ao lugar em que estava
sentado. Então começou a chorar e a gritar. A enchente suspendeu-o,
junto com o couro da lontra, ao céu. Afinal, os Marét
compadeceram-se dele e o deixaram entrar no céu. Lá
está o couro de lontra até hoje. Quando se move no céu,
ouve-se o trovão e a água do céu transbordar e, então,
chove na terra.
Antes disto não havia trovoada. O céu era tão perto da terra que, desta, se podia passar a ele sem susto; mas separaram-se. |
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A
água
A
cobra grande Nyukuádn é a dona da água. Causa
as enchentes e dá à chuva o sinal para cair pelo arco-íris
(nyukuán-imbyégn - urina de Nyukuán).
A princípio o único ser que possuía água na Terra era o beija-flor (holokeyún); todos os outros só bebiam mel. O beija-flor banhava-se todos os dias. Os outros também queriam ter água e encarregaram o mutum de seguir o beija-flor quando este fosse ao banho. O beija-flor, porém, era tão rápido que aquele logo o perdeu de vista. De uma feita, todos estavam reunidos e fazendo fogo. Por último, chegou a irara, que se demorou porque estava tirando mel. Pediu com voz baixa: "Dá-me água!" "Aqui não há água!", responderam-lhe. A irara ofereceu mel ao beija-flor em troca de água, mas este não aceitou a proposta. Enquanto todos ainda estavam rodeando o fogo, o beija-flor disse: "Vou banhar-me!" e partiu. A irara seguiu-lhe no encalço e chegou quase ao mesmo tempo que o beija-flor à água, que se achava na concavidade de um rochedo. O beija-flor saltou n'água, e a irara, imediatamente atrás dele, espalhou a água em todas as direções, formando, assim, os rios e os córregos. |
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A
aquisição do fogo
A
princípio, só o urubu Ambéa possuía
fogo. O mutum Pondyí deitou-se no meio do caminho e
fingiu-se
morto. As moscas varejeiras fizeram sua desova sobre ele que, depois,
ficou
cheio de vermes. O urubu desceu, trazendo fogo para assar o mutum. Este
dizia baixinho aos vermes: "Não entreis em meus ouvidos, nem no
meu nariz!" O filhote do urubu estava pousado junto e, vendo como o
mutum
movia os olhos, gritou: "Pai, ele não está morto! Está
movendo os olhos!" "Não", respondeu o velho urubu, "ele está
morto. Não o vês cheio de vermes? Espera um pouco, vamos comê-lo
já!" Então o mutum agarrou, o tição de fogo
do urubu, fugindo com ele. O urubu perseguiu-o. O mutum chegou onde
estava
o maguari² e pediu que este escondesse o fogo. O maguari atendeu-o,
escondendo-o no seu ayó, sobre o qual sua mulher
sentou-se,
cumprindo o que lhe determinara o companheiro. O urubu procurou por
toda
parte e, como não achasse o fogo, retirou-se por fim. Então
o maguari tirou-o e o espalhou para todos os lados, de maneira que hoje
existe fogo em toda parte. Quando o urubu viu isto, renunciou de uma
vez
à posse do fogo, comendo desde então sua comida crua.
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1-
Saco de carga trançado em malha, usado por
muitas tribos do Nordeste do Brasil.
2- Ave de rio, ciconiforme (Ardea cocoi L.)
Ilustração de viagem: Viagem ao
Brasil
do Príncipe Maximiliano de Wied-Neuwied - Biblioteca
Brasiliana
da Robert Bosch GMBH. - Petrópolis: Kapa Editorial, 2001.
Fonte: Os Mitos / Curt Nimuendaju in Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional . nº 21 / 1986 - Fundação Nacional Pró-Memória / Secretaria do Patrimônio e Artístico Nacional (SPHAN) Ministério da Cultura
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