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Asurini
do Xingu
(Registro de Regina A. P. Müller - 1976) O Ritual da Pajelança realiza-se com muita freqüência, mobilizando todo o grupo para sua execução. A maioria dos homens participam como paié nestes rituais e o paié principal, em cada um deles, é auxiliado pelos assistentes e pelas cantadoras, encarregadas também de preparar o mingau ritual. A “pajelança” compreende dois tipos de rito: o maraká e o petymwo, executados para invocar seres sobrenaturais, com os quais os xamãs entram em contato e para transmitir aos pacientes o "remédio" (muynga) que recebem, então, através do estado de transe. O maraká é realizado também como ritual propiciatório para seres sobrenaturais identificados com animais da floresta (porco-do-mato, tazaho e veado, arapoá). |
![]() As uirasimbé, jovens
participantes do ritual xamanístico Maraká,
desempenham a função de executar a dança junto ao xamã, buscar água e
preparar o mingau ritual oferecido aos espíritos, aos pacientes e aos
demais oficiantes - Foto Renato Delarole
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Enquanto
que nos rituais xamanísticos realizados para o tratamento de doentes,
ocorre o transe, no maraká
para o veado e porco-da-mato, ocorre a “incorporação”, entendida como o
estado no qual o xamã toma as características do sobrenatural em
questão. O estado de transe é para os Asuriní, morte. O xamã é morto
pelo sobrenatural (ozoká
= ele matou; omano = ele
morreu).
Entre os Asuriní, a "incorporação" ocorre também na iniciação do xamã. No caso em que Regina A. P. Müller assistiu, tratava-se da Onça sobrenatural cujos seres se chamam Tiwá. O jovem xamã arrastava-se pelo chão, de quatro, esturrando, como faz o animal. |
Rituais xamanísticos e conteúdo dos cantos: espíritos guardiães e categorias únicas. | ||
A
realização dos rituais xamanísticos apresenta diferentes aspectos à
observação do pesquisador, os quais oferecem material fundamental para
a análise e compreensão do xamanismo e da cosmologia Asuriní:
1. Especificidades no conteúdo de cada ritual, divididos em propiciatórios e terapêuticos, realizados em casos de doenças e para invocar a benevolência dos espíritos e nas principais cerimônias; 2. os participantes: funções rituais e papéis sociais; 3. a reunião dos homens da aldeia por ocasião da realização dos rituais; 4. representação visual nestes eventos, na qual se combinam gestos, dança, canto, simbolismo doa objetos rituais e da decoração do corpo; 5. parafernália ritual: variedade de objetos rituais, decoração do corpo dos participantes, diferentes formas de tokaia (a “armadilha” para atrair os espíritos); 6 . seqüência dos ritos: complexidade teatral na execução dos rituais; 7. a execução dos rituais xamanísticos como fonte etnográfica a respeito de “classes” de seres sobrenaturais: os espíritos guardiães e as categorias únicas. Espíritos guardiães são os seres que entram em contato com os xamãs nos rituais terapêuticas e propiciatórios, uma vez invocados através do canto e da dança. a) Rituais propiciatórios: nestes rituais são chamados Tazaho e Arapoá, espíritos identificados com animais da floresta, porco-da-mato e veado, respectivamente; b) Rituais terapêuticas: nestes rituais vêm Karowara, Apykwara e Tiwá, seres vistos apenas pelos xamãs. Todos esses nomes, Tazaho, Arapoá, Karowara, Apykwara, Tiwá cobrem, cada um deles, uma espécie de espírito guardião cujo número pode ser infinito, como a própria população humana, a qual reproduzem em outros mundos (o fundo das águas, as grutas de pedra no céu, Pikui’o, a morada dos Porcos). A mulher de um xamã Asuriní disse que ele é um Tiwá que já tem um filho adulto lá onde moram estes espíritos, indicando, portanto, que possui, como Tiwá, um desenvolvimento do ciclo de vida semelhante ao vivido enquanto ser humano. Estes espíritos são também seres humanos, pois de acordo com o mito de Wazaré, único sobrevivente depois do dilúvio, o mundo dos humanos foi novamente povoado por seus filhos, entre eles, Karowara, Apykwara e Tiwá. Segundo o mito sobre Apykwara, eles são xamãs. Os Tiwá são Seres-Onça e possuem nomes próprios como: Dzawateté, Dzawaripazowa, Tiwapywa, Dzeripawi, Mboapizawara, Waweroká, Wariní, Emozamoza, Dzehoturé, Awenõ, Mbaipai, Mbaiauirá, Uirataowa, Tawirizá etc. O prefixo de alguns nomes vem da palavra Dzawara, que quer dizer Onça. Os Karowara e Apykwara também são identificados individualmente. E o conteúdo dos cantos executados nos rituais xamanísticos, que informam sobre esta individualização dos espíritos guardiães, como sua denominação e outras referências sobre suas peculiaridades. Estes cantos narram a ação ritual que se desenvolve e a atuação dos espíritos como por exemplo, o momento em que chegam à tokaia para trazer o Muynga, substância que o xamã transmite aos pacientes. Referem-se aos enfeites e animais de estimação que os acompanham no cortejo, notando-se que no caso de Tiwá, identificado com a Onça, são numerosas as aves mencionadas nos cantos. Complementando esta fonte, segundo descrição dada por um informante, a aparência dos Tiwá é a de um corpo semelhante ao humano, mas coberto de penas. Apesar da aparência humana e da identificação com a Onça, são também “Seres-Pássaros”. Os espíritos guardiães são, por sua vez, intermediários entre os xamãs e outra “classe” de seres que chamarei de categoria única: a Onça (Dzawara) , a Cobra (Mbaia), Tau (Mulher-Peixe?) e Kawara (?). Através da intermediação dos espíritos guardiães, estes seres também entram em contato com os humanos (Awá). A Cobra, por exemplo, está presente numa das principais cerimônias Asuriní o Turé, cerimônia das flautas e em todos os rituais xamanísticos. Da mesma maneira, a Onça é uma presença também constante nestes rituais. Sobre a relação de intermediação, dizem os Asuriní que os Tiwá levam o xamã até Dzawara (Tiwá oeraha Dzawara oeshak = Tiwá leva para ver a Onça) e que Apykwara leva para ver Kawara (Apykwara oeraha Kawara oeshak). Esta relação também existe entre os espíritos guardiães entre si, indicando talvez uma hierarquia entre eles: Karowara leva para ver Tazaho (Karowara oeraha Tazaho oeshak) e Arapoá leva para ver Apykwara (Arapoá oeraha Apykwara oesnak) . Lembro aqui que Tazaho e Arapoá como animais da floresta, porco-da-mato e veado, respectivamente, são chamados nos rituais propícíatóríos. Kawara se manifesta no ritual do Kaworywa e é mencionado na mitologia. Kaworywa, nome da principal função neste ritual é o Sapo na mitologia Asuriní. No mito de Mahiporomongawa, o Pássaro dzakyryna realiza o ritual Kawara. Este ritual finaliza a seqüência que compõe a cerimônia das flautas, culminando com a celebração dos mortos. Taú é uma Mulher-Peixe (?), cujo mito se refere ao seu abando deste mundo, indo pelas águas do rio, e é invocado pelas mulheres no ritual Tauwa. No mito, seu nome é Tawoma. O ritual Tauwa também é parte da cerimônia das flautas e celebra os feitos dos guerreiros, os Mboakara, tatuados nesta ocasião por terem matado um inimigo. No mito, Mboa é o irmão de Tawoma, cujo marido é morto por ele. Mitos sobre a Onça e a Cobra também são narrados pelos Asuriní. A Cobra deu a flauta aos homens, e as relações entre cunhados e entre neto e avó são o tema de um mito, cujos protagonistas são Onças. |
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Mitologia e o cotidiano Asurini: heróis míticos e
os anhynga
Além das categorias únicas e espíritos guardiães, a mitologia oferece, como fonte etnográfica complementar, informações sobre outras “classes”de seres sobrenaturais; os heróis míticos. Trata-se de seres que o pesquisador conhece através da narrativa mítica apenas, solicitada aos informantes. Estes seres são Mahira, Kyty, Wazaré e Kwatsiarapara. Somente num passado mítico viviam neste mundo como seres humanos, ao contrário dos espíritos guardiães e categorias únicas, que convivem com os Asuriní. O conhecimento que o pesquisador tem dos espíritos guardiães e categorias únicas se dá através da execução dos rituais e, neste sentido, são familiares e fazem parte do cotidiano Asuriní, dada a intensidade com que se realizam os rituais xamanísticos. Mais presentes ainda no dia-a-dia da aldeia são os anhynga: estão em todo lugar, a qualquer momento e, a caminho da roça, puxando o punho de sua rede, podem assustar, seqüestrar, causar doença etc. Os anhynga também são numerosos, senão infinitos e existem no céu (ywakanhynga), na mata (anhynga oata) , na água (yhpyanhynga). Segundo a descrição dada por um informante, anhynga não tem cabelo nem dente. Pode se transformar em Lagarto (tozo) ou outro animal, cujo encontro pode causar doença. Certa vez, um Asuriní encontrou um anhynga e ficou sem fala e extático, só voltando a si algum tempo depois. Os anhynga podem raptar crianças e quando elas são encontradas estão definhadas, à beira da morte. Num ritual terapêutico, os xamãs retiraram um anhynga do corpo do paciente. Além das características negativas, anhynga também é comentado como algo jocoso. Quando alguém está comendo e a comida cai, antes de chegar à boca, é anhynga que está com fome e derruba a comida dos “outros”. Todas as referências sobre anhynga entre os Asuriní são negativas ou jocosas e se trata de um ser sobrenatural mencionado na bibliografia sobre os Tenetehara, Tapirapé, Apapokuwa, Tupinambá. No mito Asuriní sobre os espíritos guardiães Apykwara e Karowara, anhynga é mencionado como morador da mesma região habitada por aqueles seres, no céu. |
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