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Ciclo
da caça ao indígena de Henrique Bernadelli
Museu Paulista |
A maior parte das representações atuais dos paulistas do século XVII, seja na pintura, seja na escultura, mostra-os como uma espécie de Pilgrim Father, em seu trajo, e com altas botas de montar. Mas, na verdade, eles, ao que parece, muito pouca coisa usaram além do chapelão de abas largas, barbas, camisa e ceroulas. Caminhavam quase sempre descalços, em fila indiana, ao longo das trilhas do sertão e dos caminhos dos matagais, embora muitas vezes levassem uma variedade de armas. Sua vestimenta incluía, igualmente, gibões de algodão, espessamente acolchoados, e que se mostravam tão úteis contra as flechas ameríndias que em 1683 sugeriu-se fossem usados na guerra contra os belicosos negros de Angola, do outro lado do Atlântico. O elemento feminino não deixava de estar presente, nas bandeiras maiores, pois embora os paulistas não levassem as esposas legais em suas expedições, muitas vezes faziam-se acompanhar de mulheres ameríndias, como cozinheiras e concubinas." O
povoamento da Capitania de São
Vicente iniciou-se no litoral. Seus primeiros centros de povoamento
constituíam-se em redutos de náufragos, degredados e fugitivos que
procuravam suas costas. A expedição de Martim Afonso fundou suas
primeiras vilas: São Vicente e Santo André da Borda do Campo. Ainda
durante o século XVI outras povoações foram-se formando no
litoral, como Santos, em terras doadas a Brás Cubas, dotada de porto
superior a São Vicente, Santo Amaro e, ao sul, o povoado de
Conceição de Itanhaém que aparecia "com o intuito de fazer
convergir para ali a gente que andava dispersa por aquele litoral".
O povoamento alastrara-se também para o interior, tendo como ponto
importante a fundação em 1554 do colégio de São Paulo no campo de
Piratininga, que funcionou como núcleo de povoado: "A Santo
André da Borda do Campo," nota Jaime Cortesão, "segue-se
São Paulo do Campo, o que representa na ordem urbana o superlativo
que vai da posse superficial, da Borda, à posse plena, sem
limitação, do Campo." |
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Não contando com o
pau-brasil, a
primeira atividade a desenvolver-se foi o tráfico de escravos, como
era conhecido o porto de São Vicente, "porto de escravos",
antes da fundação da vila. Com a introdução da cana-de-açúcar,
houve a montagem dos primeiros engenhos; em 1549, Hans Staden notava
como a ilha de São Vicente se distinguia pelos sítios que eram
sedes de engenhos de açúcar.
Não tardou, porém, que o capital mercantil se desinteressasse de São Vicente e se orientasse às melhores condições que lhe ofereciam outras capitanias, como Bahia e Pernambuco. |
Conseqüentemente
a Capitania de São
Vicente ficou relegada a um plano econômico inferior e o homem então
preferiu o planalto. Galgou a Serra do Mar e aí se estabeleceu,
desenvolvendo uma policultura de subsistência baseada no trabalho
forçado do indígena capturado no sertão. Visava assegurar uma base
material que lhe garantisse a sobrevivência. Assim, firmou-se
definitivamente no planalto, de onde partiu, depois, em todas as
direções, na arrancada sertanista em busca de indígenas, de pedras
e metais preciosos. À medida que São Paulo de
Piratininga
ia substituindo Santo André como ponto avançado de colonização do
sertão, atiçava-se a resistência indígena à ocupação de suas
terras. A reação de carijós e tamoios fazia com que se
organizassem, a partir de São Paulo, expedições contra eles. Eram
as chamadas "lutas defensivas" ou "guerras justas",
que acabavam por "limpar" de indígenas as terras ao mesmo
tempo em que justificavam sua escravização. Inúmeras arremetidas
contra eles foram feitas nesse período pelos vales do Paraíba,
Tietê, Moji Guaçu e alto do Paranapanema. Jerônimo Leitão,
capitão-mor da Capitania de São Vicente (1571-1592), destacou-se na
luta contra os tamoios no Rio de Janeiro e contra os tupiniquins e
carijós no vale do Tietê. Em 1581, rumando em direção sudoeste,
atravessou o Paranapanema e chegou até à região do Guayrá, onde
realizaria novas incursões nos anos seguintes, de lá trazendo as
primeiras levas de indígenas.
Coincidiu com o governo de D. Francisco de Sousa, chegado ao Brasil em 1599, a intensificação da atividade das bandeiras, centradas em São Paulo. Data daí o início das grandes bandeiras, organizadas e disciplinadas com divisões militares, ouvidores do campo, escrivões, capelães e roteiros estabelecidos. |
Combate de bandeirantes de Mogi
das Cruzes com Guaikuru de M. J. Botelho Egas
Museu Paulista |
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MASP - Museu de Arte de São Paulo |
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Biblioteca Municipal Mário de Andrade, São Paulo |
O termo bandeira era de início aplicado às companhias de milícia portuguesas, que pelo seu regimento deveriam consistir de 250 homens. Não valeu aqui, entretanto, essa norma, pois recebia esse nome desde uma expedição de quinze ou vinte homens até outras que reuniam centenas de membros. A maioria, em qualquer bandeira, consistia em auxiliares indígenas, escravos ou livres, usados como batedores de caminhos, coletores de alimentação, guias, carregadores, e tudo o mais, enquanto os paulistas brancos e mestiços formavam o núcleo. "Com o correr do tempo os paulistas tornaram-se tão habilitados nas artes do sertão e dos matagais quanto os ameríndios já o eram, ou mesmo, segundo alguns contemporâneos, 'como as próprias feras'. Essas bandeiras percorriam freqüentemente o interior durante meses e mesmo anos a fio. Às vezes, plantavam mandioca em clareiras das florestas e acampavam nas redondezas até a época da colheita. Dependiam, entretanto, principalmente, da caça, dos peixes que obtinham nos rios, de frutas, ervas, raízes e mel silvestre. Usavam o arco e a flecha tanto quanto os mosquetes e outras armas de fogo, e, a não ser pelas armas que levavam, punham-se de viagem com a bagagem notavelmente leve. |
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As
Reduções Jesuíticas e os ataques dos bandeirantes
Por
volta de 1610 foram fundadas pelos
jesuítas espanhóis as primeiras reduções na Província de Guayrá,
a de Loreto e a de Santo Inácio, às margens do rio Paranapanema, no
atual Estado do Paraná. Não demorou que outras surgissem, e já, em
1628, treze delas agregavam mais de 100 mil indígenas.
Os bandeirantes paulistas, que por esse período corriam o sertão em busca de indígenas para vendê-los como escravos, logo colocaram em perigo essas reduções. As incursões contra elas eram particularmente rentáveis, pois podiam capturar de uma só vez grande quantidade de homens já habituados ao trabalho e civilizados pelos jesuítas e obter por eles um preço muito maior que por outros indígenas ainda não "domesticados". Os primeiros assaltos às Reduções de Guayrá deram-se por volta de 1619 e 1623, pelas bandeiras capitaneadas por Manuel Preto. A partir de 1628 eles tornaram-se freqüentes. Manuel Preto e Antônio Raposo Tavares, em 1629, voltaram a atacar Guayrá, numa bandeira em que iam 900 mamelucos e 2 000 indígenas liderados por 69 paulistas. Nessa investida destruíram inúmeras reduções, aprisionaram os indígenas e destruíram a cidade castelhana de Vila Rica. Entre 1628 e 1631 estimam-se em 60 000 os índios que foram aprisionados dessas reduções, que iam sendo destruídas e reduzidas a cinzas. |
São
Miguel das Missões, RS - Foto de Ione Bonfim, gentilemnte
cedida pela autora
Os Guarani participaram como mão-de-obra na construção e muitas vezes eram os autores das esculturas e dos frisos decorados. São Miguel das Missões guarda a mais preservada missão jesuítica do Brasil. As ruínas do povoado, fundado no século 17, foram declaradas Patrimônio Mundial pela Unesco em 1983 |
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Com
os constantes ataques bandeirantes,
tomava-se impossível aos jesuítas manter-se na região, o que fez
com que abandonassem essas frentes avançadas de colonização (1632)
e fossem estabelecer-se, levando consigo mais de 10 000 indígenas,
na atual província argentina de Missões, entre o alto Paraná e o
alto Paraguai. Essa retirada possibilitou a Portugal a incorporação
de extensas terras antes tidas como da coroa espanhola. Infrutuosos
foram aí, entretanto, os esforços de evangelização, levando os
jesuítas a procurarem a outra margem do rio Uruguai e se fixarem na
região do atual Rio Grande do Sul e Uruguai. Como não pudessem
manter-se livres do assédio vicentino, trataram de organizar eles
próprios a resistência a essas investidos que se sucediam, armando
os indígenas das reduções. Domingos de Torres, chamado de "mestre dos
índios no manejo das armas de fogo", um veterano das
guerras da Flandres, instruiu militarmente os guaranis, e quando, em
1641, uma grande bandeira composta por mais de 400 paulistas e
milhares de indígenas atacou novamente na zona compreendida entre os
rios Uruguai e alto Paraná, sofreu uma derrota fragorosa em Mbororé.
O próprio Raposo Tavares, derrotado em Mbororé, dirigiu-se para os Andes, na infrutífera busca de minas de prata. Poucos anos depois, voltou à sua normalidade o tráfico de escravos da África, com a retomada pelos portugueses dos mercados de negros que haviam caído em mãos dos holandeses. Perdia-se, desse modo, o sentido das bandeiras de apresamento, que contribuíram largamente para a expansão do império português na América e renderam para os bandeirantes cerca de 300 mil indígenas escravizados, segundo afirmações dos padres jesuítas Francisco Dias Taño e Antônio Ruiz de Montoya, entre 1614 e 1639. Líderes das reduções guaranis do Tape: Nicolau Nhenguiru - Cacique de Caaró, que derrotou a bandeira de Domingos Cordeiro em Caaçapaguaçu, em 1639. Inácio Abiaru - Cacique da redução de La Cruz, que, após a morte de Nhenguiru, assumiu o cargo de Capitão-Geral de Guerra e Justiça Maior. Derrotou a bandeira de Jerônimo Pedroso de Barros na batalha de Mbororé, em 1641. Antonio Uracatu e Matias Beramini - Cacique da redução de Yapeju, que, em 1657, derrotaram a bandeira de Manoel Preto e Francisco Cordeiro. |
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