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O
transporte mais simples e mais curto, feito por dois homens, paga-se de
dezesseis a vinte vinténs. Um escravo cangueiro deve trazer diariamente
a seu amo, sob pena de castigo, de seis a oito francos. Encontram-se
esses carregadores em certas praças da cidade; vê-se de longe a enorme
vara com anéis de ferro nas extremidades e em cuja ponta se amarra a
corda cuidadosamente enrolada.
A cena se passa no interior da Alfândega, perto dos armazéns em que são descarregados os líquidos. Carregando os mais pesados fardos e por isso mesmo obrigado a descobrir, durante as horas mais quentes do dia, a parte superior do corpo, o cangueiro põe certa faceirice em dobrar em torno dos rins o resto de sua indumentária. Orgulhoso de sua força, não esquece de enfeitar a cabeça com qualquer boné velho de uniforme militar, a fim de realçar a originalidade de sua vestimenta; mas é principalmente na peça principal, no peitilho estofado, que o luxo dos enfeites aparece. Essa indispensável almofada, que atenua a pressão da vara no ombro do carregador, é sempre ornamentada com uma franja velha de seda mandada ajustar cuidadosamente num albardeiro. Não satisfeito ainda com esses trapos, não raro de cores variegadas, acrescenta ele um pedaço de espelho, botões de metal, e pequeninas conchas. A cabaça de aguardente e o saquinho de couro para o dinheiro completam o equipamento do granadeiro da Alfândega, título esplêndido com que o cangueiro foi distinguido entre os demais negros de ganho. O grupo principal, que representa o transporte de uma pipa de aguardente. Apresenta um quadro da variada indumentária que cresce ao pitoresco das cenas movimentadas do interior da Alfândega. |
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Embora
pareça estranho, que neste século de luzes se depare ainda no Rio de
Janeiro com o costume de transportar enormes fardos à cabeça dos carregadores negros,
é indiscutível que a totalidade da população brasileira da cidade,
acostumada a esse sistema que assegure o remuneração diário dos
escravos empregados nos serviços de rua, se opõe à introdução de
qualquer outro meio de transporte, como seja, por exemplo, o dos carros
atrelados. Com efeito, a inovação comprometeria dentro de pouco tempo,
não somente os interesses dos proprietários de inúmeros escravos, mas
ainda a própria existência da maior classe da população, a do pequeno
capitalista e das viúvas indigentes, cujos negros todas as noites
trazem para casa os vinténs necessários, muitas vezes, à compra das
provisões do dia seguinte. É esse meio de transporte, geralmente
empregado, que enche as ruas da capital desses enxames de negros
carregadores, cujas canções importunam freqüentemente o estrangeiro
pacato, entregue a ocupações sérias nas suas lojas. Desde alguns anos,
entretanto, um regulamento policial proíbe aos negros, nas ruas,
exclamações demasiado barulhentas.
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Carregadores: Carruagens e móveis prontos para embarque Registro de Debret - Início do século XIX no Rio de Janeiro. |
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O
desenho representa os detalhes do transporte de uma carruagem
desmontada, cujas partes separáveis estão, como as demais embrulhadas
em esteiras de palha, precaução usada para o embarque de objetos dessa
natureza mandados do Rio de Janeiro para outras partes do Brasil. Esse
sistema de embalagem, que resguarda suficientemente do sol e da
umidade, é pouco dispendioso e representa a vantagem de, pela sua
flexibilidade, tomar pouco espaço nas embarcações.
A esteira de palha, fabricada no Brasil do mesmo modo que as palhaças pelos jardineiros em França, é também o leito habitual do negro e do indigente. Vende-se a cinco vinténs cada uma, mas comprando-se por dúzias o preço é apenas de quatro vinténs. |
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O
número de carregadores representados nesta cena dará uma idéia da
quantidade de negros empregados na mudança de uma casa rica, em que
cada móvel é carregado isoladamente. O transporte se efetua numa única
viagem, a fim de tornar a fiscalização mais fácil. Por isso mesmo,
quando se depara com semelhante cortejo, pode-se ter a certeza de que a
longa coluna é sempre precedida por um ou dois criados brancos e
comandada por um intendente, ou feitor, que a acompanha a cavalo. Esses
fiscais, sempre de chicote na mão, mantêm severamente a ordem durante o
trajeto.
Finalmente, chegando ao seu destino, a caravana, inundada de suor, se coloca em uma única fila. Aí cada negro aguarda, de mãos abanando, o pagamento de seus serviços. Para evitar discussões, recebem todos salário idêntico, fixado em três a quatro vinténs para um longo trajeto e em dois vinténs para um trajeto dentro da cidade. Depois de pago, o negro é obrigado a se retirar, a fim de evitar qualquer pretexto para voltar à fila. Formam-se então alguns grupos de manhosos solicitadores de indenizações, mas estas são atendidas com ameaças de chicotadas, e os negros fogem correndo e rindo eles próprios do infeliz resultado de suas injustas reclamações. |
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Carro é o nome
genérico de várias carruagens do Brasil; aplica-se aqui a uma humilde
carreta de quatro pequenas rodas cheias, de dezoito polegadas de
diâmetro, construída com simplicidade e inteiramente de madeira.
Constitui-se de uma tábua de quatro pés de largura por seis de
comprimento, montada sobre dois pares de rodas cujos eixos giratórios
executam seu movimento graças a um encaixe cômodo formado por enormes
pinos, também de madeira e aderentes a ambos os lados do estrado. Uma
argola de ferro em cada canto serve para a passagem das cordas da
carreta, a qual não possui uma dianteira móvel e que para virar precisa
ser puxada de um lado até que o estrado escorregue pouco a pouco sobre
a ponta do eixo da frente, o qual, por isso, como o eixo de trás,
aliás, ultrapassa de dezoito polegadas a largura da carreta. Ao chegar
a uma esquina, ergue-se a frente da carreta e puxa-se até terminar a
meia-volta, esfregando-se as rodas imóveis sobre o calçamento.
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Carregadores: Negros de carro Registro de Debret - Início do século XIX no Rio de Janeiro. |
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Seis
negros são empregados no serviço de semelhante carro; quatro puxam à
frente com corda e dois outros empurram por trás a massa rodante. A
carreta e os seis negros pertencem ao mesmo proprietário, sendo cada
viagem paga à razão de duas patacas e quatro vinténs.
Encontram-se inúmeros carros desse tipo junto ao muro que se prolonga até a porta da alfândega. Aí, durante as horas de abertura do estabelecimento, parte dos negros descansa nas carretas, enquanto os camaradas espiam o negociante de quem esperam trabalho. Mas este deve também encarregar um fiscal de acompanhar o transporte das mercadorias, para evitar os roubos dos carregadores infiéis, efetuados durante as inevitáveis paradas do trajeto. A cena se passa na Rua Direita, na altura da porta da Alfândega. |
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