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À
margem dos grandes rios, à medida que se aglomeram os povoadores, já se
impõe serviço de abastecimento coletivo que distribua, a cada casa, a
quota que lhe caiba. Quando, porém, não haja tal organização, a
necessidade premente de consumo sugere soluções afeiçoadas a cada
ambiente, como ocorre na região nordestina semi-árida, cujo regime se
expande até o médio São Francisco.
O rio afigura-se, por longo trecho, fita líquida, a serpentear em meio de terreno ressequido, em que só medra a caatinga. Os habitantes apenas se afastam da beira d'água o suficiente para que os não molestem as inundações calamitosas, tão destruidoras como as secas periódicas. Manancial inesgotável, em meio da penúria, fornece-lhes o rio o alimento de que necessitam. Há mister, todavia, de promover-lhe o transporte. Na era dos bandeirantes, refere a tradição transmitida por Teodoro Sampaio quando se afastavam do rio São Francisco, muniam-se de "borrachas", sacos especiais de couro, que enchiam d'água, quanto comportassem. E quando acabasse a ração, imediatamente regressavam, para tomarem nova quantidade, enquanto não alcançassem, à frente, nova fonte de suprimento. Esses de passagem para o território piauiense, que iam desbravar, conheceram as peculiaridades regionais e tomaram as precauções possíveis. Outros que estacionam no vale, resolvem de maneira, diversa o mesmo problema. Valem-se os ribeirinhos menos dotados de recursos financeiros, de utensílios de barro, bilhas ou potes, ou simplesmente cabaças que, uma vez cheias, as mulheres equilibram à cabeça e com admirável perícia conduzem à vontade. Para os que podem retribuir-lhes os serviços, oferecem os "aguadeiros" o seu concurso. Incumbem-se da distribuição de água para os moradores, ainda os mais distantes da barranca. Utilizam-se da energia e mansidão do jumento, que se dá às maravilhas naquelas paragens. "Muito mais sóbrio e resistente que o cavalo, afirmou M. Cavalcanti Proença, que lhe observou de perto as qualidades e vícios, desenvolveu-se com facilidade na caatinga e presta hoje valiosos serviços como animal de carga e sela, varando os trilhos do sertão, minorando a escassez de transportes". Alimenta-se, quando não haja outra forragem, de cascas de árvores e folhas, como os caprinos, que também se multiplicam em regiões análogas. Submisso, quando não empaca, deixa-se conduzir pelo cabresto, como se fora animal indefeso. E suporta carga desproporcional ao seu tamanho, quer nas estradas, quer nas ruas urbanas, onde, serviçal, distribui água à clientela do seu dono. O arreamento reduz-se, para tal aplicação, ao mínimo. Ao lombo, acomoda-se-lhe a cangalha, rudemente almofadada com enchimento de capim, por dentro, e munida de ganchos por fora, em que se dependuram ancorotes de madeira, dois por banda. Leva-os facilmente o aguadeiro à beira d'água e lá, calças arregaçadas para não se molhar, e camisa de mangas curtas, tira-os do suporte para enchê-los sem demora. E ao recolocá-los na armação, apropriada a segurá-los, estará em condições de atender à freguesia,mediante a retribuição ajustada. Destarte, o animal, cabeçudo e pequenino, que suporta com resignação a falta d'água, eficientemente concorre para fornecê-Ia a quem diste dos reservatórios naturais. É elemento habitual na paisagem de extenso trecho do São Francisco, assim no planalto, como igualmente na baixada, e por vastas áreas do Nordeste, onde os espaçados locais de abastecimento, rios perenes, açudes ou cacimbas, são frequentados pelos aguadeiros com os seus jumentos, também conhecidos pelos nomes de "jegue" e "jerico", além de vários apelidos, que lhes evidenciam a colaboração prestimosa, especialmente quando utilizados em benefício da população desprovida de outro qualquer serviço regular de distribuição d'água. |
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