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Tipos Regionais do Nordeste
Barranqueiros
Barranqueiros
Barranqueiros -  Ilustração de Percy Lau
Conhecidos tipos humanos do São Francisco, habituados a enfrentar e a suportar os caprichos do rio bem como a situação de abandono em que tem economicamente vivido a região, os "barranqueiros", são, antes de tudo, habitantes ribeirinhos, em geral paupérrimos e vivendo em toscas habitações erguidas nos barrancos do curso d'água.
Levam um gênero de vida que reflete, para o norte de Pirapora, o regime irregular do rio.

Um dos traços mais característicos desse temperamento do São Francisco é o modo segundo o qual se opera a passagem das águas do período das cheias (fevereiro-abril), para o da vazante, completando-se no curto prazo de, aproximadamente, um mês, a oscilação da máxima enchente para o regime da estiagem.
Nesta fase, os "barranqueiros" tiram proveito do solo fértil das vazantes praticando agricultura de subsistência; pescam para o consumo próprio, ou se dedicam à venda de lenha para os vapores que fazem a navegação do rio médio.
Por ocasião das cheias, a fisionomia da paisagem se transforma, carregando-se de cores melancólicas e sombrias.
É nessa época, prenunciada pela queda das primeiras chuvas em outubro, que vive a população a fase culminante de um grande drama. O nível do rio principia a crescer rapidamente; as águas invadem as terras marginais menos elevadas; os afluentes transbordam represados pela corrente principal.
Nos barrancos, povoados e moradias, sofrem, então, os efeitos das cheias avassaladoras, ficando os habitantes à mercê da própria sorte. De dia, ou de noite, a qualquer momento, apressadamente, inúmeros ranchos podem ser abandonados,  enquanto, em derredor, minguadas culturas, crescidas na estiagem se deixam arrastar pela correnteza, ou fenecem na submersão. Concomitantemente, escavando meandros no leito maior, vai a erosão complicando ainda mais o traçado da rede fluvial nos depósitos das vazantes. Aumenta, assim, a confusão nas faixas argilosas, laterais à corrente líquida principal.
Não obstante a altura de alguns metros, as barrancas, convenientemente solapadas, se desmoronam, ao mesmo tempo que massa enorme de matéria orgânica é transportada pela correnteza. Então, aqui e ali, nos pontos adequados, e de permeio com a massa detrítica vegetal, os sedimentos se depositam para constituírem na estiagem, o solo dadivoso de onde nova agricultura de vazante emergirá.
Com efeito, outras roças de feijão, de milho, de melancia, de abóbora, surgem, sucessivamente, dispostas ao pé das habitações, que abrigam, enfim, as personagens do grande drama, os "barranqueiros".

Num quadro geográfico assim, vivendo num mundo de economia pobre e de lucros escassos, o "barranqueiro", inculto e sem recurso, traduz as condições do meio. Daí, em parte, a precariedade de sua habitação; a sobriedade de sua alimentação, aliás, insuficiente sob o ponto de vista dietético; sem espírito de intranquilidade e insegurança; sua resignação em face do isolamento em que, há duzentos anos, tem permanecido a região; daí outrossim, sua ignorância e quase indiferença pelas coisas que se passam fora do seu meio. Por outro lado, mesmo na estiagem, época da fartura, tem o "barranqueiro" sua capacidade de trabalho reduzida pela maleita, ressurgida no vale logo após a descida das águas. Atacado pelo impaludismo, pela opilação, pelo bócio, pelo mal de Chagas, desnutrido, seu aspecto exterior se reduz ao de um indolente vulgar, sem estímulo para a luta pela vida. Todavia, nem todos os "barranqueiros" são assim tão pobres e de aspecto triste e desanimado. Há os que vivem vida menos árdua, possuidores que são de terras e de melhor saúde. Estes parecem viver mais felizes. Têm fisionomia mais franca, físico mais apurado, maior resistência e amor ao trabalho.

Em contraste com os casebres de pau-a-pique e as tendas de "pele-de-gado" - habitações rudimentaríssimas cobertas de couro e por isso mesmo denominada "bois" - as casa dos "barranqueiros" mais afortunados, embora modestas,  apresentam-se mais sólidas e confortáveis. Em geral, as habitações dos "barranqueiros" são baixas e pequenas. Nos pontos em que falta a madeira, portas, janelas e mobiliário são feitos de "mandacaru", cujo tronco fornece madeira branca adequada. O chão é duro, as paredes barreadas, o teto de palha. Algumas vezes, cascas de árvores, como a barriguda, cobrem as residências. O interior das casas compreende pequena sala, quarto, corredor e cozinha. Na sala, alguns tamboretes, catre, banquilhas, gamela de madeira, encontram--se espalhados e uns quantos sacos de farinha podem ser vistos. Ao fundo, na cozinha minúscula, ficam o fogão e a almofada de bilro. No quarto, uma ou duas esteiras se encontram estendidas no chão. Nelas, assentadas, as moças trabalham fabricando rendas.
Às vezes, num canto do terreiro, é possível avistar-se um ralo e uma bolandeira. Mais adiante, em volta da habitação, um feijoal, um milharal; culturas de melancia, arroz, cana-de-açúcar, mandioca, mamona, mas, tudo para o gasto. Do algodão, também plantado no barranco, as mulheres retiram a matéria-prima para fazer tecidos. Finalmente, certas pilhas de lenha aguardam o momento de serem vendidas ao primeiro vapor a aparecer.

A alimentação consta, ordinariamente, de feijão, farinha de mandioca, peixe, torresmo, carne de sol, sendo freqüente o uso de rapadura e, de vez em quando, a carne de bode.  Os que trabalham na extração de lenha, ou no meio do rio como  canoeiros, fazem uma refeição ao começar o trabalho e, outra, à hora de dormir, geralmente, às sete horas da noite. Todos,
porém, ao meio-dia, tomam a "jacuba" - farinha de mandioca, rapadura e água. A família é numerosa. As mulheres trabalham na roça, além de fazerem o serviço doméstico usual.

Além das mirradas culturas de subsistência, já referidas, os "barranqueiros" se dedicam à atividade da pesca, quando querem e para consumo próprio. Usam, preferencialmente, o método "caçador", o qual, - segundo M. Cavalcante Proença (Ribeira do São Francisco, Biblioteca Militar, voI. LXXVI, Rio, 1944, p. 144) - "consiste em colocar uma cabaça "poitada", flutuando sobre as águas e à qual está amarrada uma linha de pescar. A isca usada é sempre um pequeno peixe vivo, alimento preferido dos dourados e surubis. Posto o aparelho, o caboclo vai cuidar da vida no roçado, deixando ao "caçador" a tarefa da pesca automática. Quando o peixe "forma a carreira" depois de comer a isca, a bóia cede ao primeiro arranco, mas volta subitamente à superfície, depois de atingida certa profundidade, ferrando o surubi ou o dourado".

A situação atual dos "barranqueiros" do São Francisco, no seu aspecto social e econômico não mudou essencialmente em relação ao século passado. Já em 1879, subindo o rio, fixou Teodoro Sampaio, à entrada do vale médio, o panorama que então se lhe descortinou: "Nestas paragens, o deserto É: apenas aparente. O Brasil, em verdade, é mais habitado do que se pensa e menos rico do que se presume. Daqui para cima, em ambas as margens do rio São Francisco, não faltam moradores. A população é mesmo numerosa, embora pouco produtiva. Vive alheia às leis econômicas. Produz apenas o preciso para viver. Não importa, porque não produz para trocar, nem troca ou permuta, porque não tem mercado onde fazê-lo".
Cerca de cinqüenta anos depois, retratando o aspecto humano do São Francisco, M. Cavalcante Proença, que viveu dois anos em suas ribeiras, focalizou a pobreza reinante, no livro citado, p. 131: "Remeiros alegres e resignados, barranqueiros que têm a sua rocinha, pescadores que só têm uma canoa e uma tarrafa, meretrizes que não têm de seu nem mesmo o corpo mal nutrido e quase sempre doente, todos se aglomeram na beira do rio, olhando as águas que descem, os meninos que tomam banho o dia inteiro, as redes de arrastão e as tarrafas que estão estendidas a secar, os peixes que dão pinotes alegres borrifando água para os lados. Tudo o que é humilde e pobre procura o rio, até os flagelados que vêm pela primeira vez e acampam na sombra das gameleiras marginais, até os que moram afastados e no cair da tarde vêm buscar água para os arranjos domésticos. Esta é chamada "hora das cabaças" em que todo o mulherio desce o lançante da barranca para encher as vasilhas, para trocar impressões sobre dificuldades de vida, discutir, intrigar ou lastimar-se em presença da água muda e boa do São Francisco".

Outro observador perspicaz - Orlando M. Carvalho - na reportagem ilustrada que a Companhia Editora Nacional publicou como volume 91 de sua coleção Brasiliana, apreendeu, outrossim, em 1936, um aspecto importante para a interpretação do gênero de vida atual dos "barranqueiros": "O rio, com seu regime de perigoso devastador de barrancos, impõe as condições de moradia: o "barranqueiro" mora miseravelmente em casa de pau-a-pique, em companhia de "barbeiros", em um ponto a que as enchentes estão sempre chegando. Pode--se também aceitar que a casa é ruim porque não lhe pertence. Mas, se em Minas o regime comum é a meação ou a terça, já na Bahia é muito freqüente o proprietário do barranco morando mal. Quer dizer, não é so o rio que empobrece a casa do "barranqueiro", é a sua mentalidade também".
Essa mentalidade fatalmente mudará com o combate sistemático às endemias, à ignorância e à rotina. Para isso  imprescindível se torna que o apoio do governo seja metódico e suficiente e que as pessoas abastadas e de boa-vontade cooperem para a campanha da valorização humana e econômica do vale, felizmente já empreendida. 


Fonte :  Barranqueiros / José Veríssimo da Costa Pereira in Tipos e Aspectos do Brasil. - Departamento de Documentação e Divulgação Geográfica e Cartográfica / Instituto Brasileiro de Geografia / Fundação IBGE. - Rio de Janeiro, 1970


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