|
|
Distingue-se
do trabalhador ocasional cuja frustração das safras nos anos secos o
faz caçar ganho2
nas construções do governo - pela atividade permanente, de janeiro a
janeiro - nas obras públicas. Indiferentes à pegada do inverno3,
acodem de todos cantos - isolados ou aos magotes, mais raramente com
mulher e filhos, de caminhão ou a pé e quando donos de jumentos de
trabalho, tangendo-os pelos caminhos - parecendo até mesmo que farejam
o início da construção de um açude ou de uma estrada. Mais das vezes,
não conduzem sequer a própria ferramenta de seu trabalho de vez que é
obrigação do encarregado da obra fornecê-la.
No local, se arrancham ao abrigo de algum telheiro, à sombra de um pé-de-pau ou constroem latadas de ramos onde passam a viver. Todo o mobiliário dessa tosca e ocasional morada se resume na rede (que durante o dia permanece enrolada a um esteio), um malote onde trancam os guardados, alguns caixotes que também fazem a vez de cadeiras, um pote d'água de beber e a clássica panela de barro no fogão de trempe. Quando donos de tropas de jumentos, para o serviço de movimentação de terra, especulam logo um cercado onde fazer solta dos animais no fim do dia de trabalho. Nada cultivam. Adquirem para o sustento nas feiras sertanejas ou no próprio barraco que se instala nas imediações. Pilhéricos e mais despreocupados, não se mostram taciturnos como os sertanejos que ali estão fazendo ganho à espera do inverno. À noitinha, quando largam o serviço, sempre estão prontos para uma reunião - cantaria, jogo de cartas ou fobó4 - como indiferentes às canseiras do trabalho. Piolho5 das construções públicas onde cedo aprendem a dar-de-mamar6 a enxada, são por isso habitualmente enjeitados como diaristas nas fazendas daquelas redondezas. Muitos demonstram certa especialidade funcional. Alguns são paleadores de primeira e criam fama pela habilidade em sacudir a terra a grande altura, fazendo "foguetão" - a pá dá uma cambalhota no ar e volta às mãos do cassaco, enquanto a terra se destaca num bloco compacto. Costumam trabalhar cantando, na cadência do coco puxado por um a que os outros respondem em coro. Na construção do açude Itãs (Caicó, RN) de 1932-6, paleavam ao som do "Tamanqueiro": "Oi
tamanqueiro
eu quero um par, quero um par. Eu quero um par, de tamanco prá dançá." Os da pedra - que trabalham nas pedreiras - são ainda mais teatrais. Três marreteiros malhando, às vezes no mesmo aço - fazem piruetas com a ferramenta que foge pelo sovaco e volta às mãos por cima do ombro - num assobio soprado que dá som à trajetória e no tinido da pancada, ritmo do coco, "que faz a pedra mais maneira" (mais leve): "Ôôôôô
- malha
Seu maia. Ôôôô - malha malhadô Vamos maiá, Seu maia, Vamos maiá, Segundo a marcha do tempo; É roda-pé, cama de vento, É ferro novo de engomá ... " A permanência do cassaco no local se finda com o término da obra ou a notícia de uma outra frente de trabalho de remuneração mais vantajosa. Aí alcançam as estradas e recomeçam o cíganísmo ... Notas: 1 - De rede-nas-costas : dizem do trabalhador nômade que anda nas estradas à procura de serviço. Quando em viagem o sertanejo conduz sua muda de roupa enrolada na rede, a tiracolo; daí a designação. 2 - Caçar ganho : procurar trabalho. 3 - Pegadas do inverno : início das chuvas e do ano agrícola. 4 - Fobó : o mesmo que forró, arrasta-pé, samba. 5 - Piolho : Indivíduo que sempre está presente a determinada ação; é, naturalmente, uma forma figurada do parasita. 6 - Dar de mamar a enxada : folgar, malandrar em serviço; alusivo ao gesto de descansar com o cabo da enxada apoiada no sovaco. |
|
|
|
Deixe seu comentário: | Deixe seu comentário: | |
Correio eletrônico | ||
Livro de visitas |