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Tipos Regionais do Nordeste
Rastejadores de Abelhas
A rarefação crescente da fauna veio tornar desvantajosa as atividades daqueles que viviam no mato. Assim, os que nele se  embrenham para caçar bichos ou abelhas o fazem agora como atividade ocasional. E no caso das  abelhas mais das vezes para acudir  uma encomenda de gente da rua1 usar o mel como meizinha2 de  alguma tosse-braba ou tirar a  abelha achada quando estavam noutro serviço qualquer.

Encontrada a morada da abelha,  tratam de cortar o pau em que está  situada - mesmo em se tratando de uma essência de maior valor ou que,  de futuro, venha a dar obra3. Lá um ou outro mais previdente é que se limita a fazer um corte por onde extrair o mel para depois tapá-to com barro, cortar as duas  extremidades da tora e, à noitinha, levá-Ia para as proximidades da casa e pendurá-la no beiral das telhas. Porque o comum é abrir o ninho, fartarem-se do mel e abandoná-lo à voracidade dos seus inimigos naturais (formigas,  pássaros, lagartixas, etc.) . Daí, é de se imaginar, um dos maiores  fatores de decréscimo da fauna  apícola regional.

Quando se trata de uma abelha mais agressiva - como a tubiba - ou de um vespídeo, costumam defumá-la antes com estrume de gado.

Vale anotar, como curiosidade, o fato de que fomos testemunhas, mais de uma vez, quando em suas atividades agrícolas, esbarravam com uma "casa" de boca-torta4.
Rastejador de Abelhas
Rastejador de Abelhas - Ilustração de Percy Lau
Mesmo sem se protegerem, algumas vezes até nus da cintura para cima, limitavam-se a passar as mãos nos sovacos suados e, devagarinho aproximá-las das "casas", até esmagá-las, esfregando uma na outra, sem sofreruma única ferroada ...

Poucas abusões conhecemos ligadas aos caçadores de abelhas. Uma mais estranha e que parece comum a todo o sertão nordestino, é a de que o mel da abelha limão, tirado no mato, tem de ser comido em silêncio. Se um dos tiradores, acabada a refeição diz para outro: - "Vam'imbora",  fica completamente bêbado, lançando, lançando5 areado6. De alguns sertanejos ouvimos essa afirmativa como verdadeira, embora nunca tivéssemos oportunidade de testemunhá-la. A literatura regional registra o fato nos sertões cearenses:
"Na serra da Barriga, também em Sobral, o mel de certa abelha, colhido em certa época do ano, produz a embriagues, principalmente nos tempos de seca.

Uma coisa singular: o embriagado, por esse mel, no delírio da embriagues, dá para berrar como bode, como querendo dizer que foi o mel que o embriagou", (Sobreira, J. G. Dias- "Curiosidades e fatos notáveis do Ceará").

Os "beiradeiros" do Sergipe e das Alagoas também, por lá, dizem o mesmo:7

" ... a abelha limão é também conhecida por "come e não vamo". Se se comer e convidar a pessoa para ir embora, ela fica bêbada, por isso, coma e saia quieto, não fale nada, adiantou-nos Anísio Jacaré". (Araújo, Alceu Maynard - "Populações ribeirinhas do baixo São Francisco").

Alguns sertanejos mais sagazes, de tanto coçarem abelhas para atender as encomendas de suas freguesias, e face a crescente rarefação delas, aprenderam a rastejá-las. Raros os que são capazes desse feito de vez que para isso carece de muita paciência e astúcia ...
Assim, nos meses de seca, procuram as perdidas bebidas existentes - cacimbas, barreíros8, etc.
- e lá se acocoram atocaiando as abelhas que ali vão beber.
Algumas podem vir em maior quantidade e frequência. Espiam. Escolhem as que tomam mais altura no vôo de volta e dizem que elas assim fazem porque têm morada mais perto. Quando o cortiço está mais longe - justificam - as abelhas vão ganhando altura mais devagar, vencendo pouco a pouco o vento e a distância.
Faz de conta que seja uma jandaíra ... Espiam uma a uma as que bebem e o rumo que tomam de volta. Sentem a direção do vento. Atentam para a altura do vôo. Andam mais algumas braças naquele mesmo rumo e, de novo, botam sentido na passagem delas. Vêem passar a primeira, a segunda, a terceira ... está confirmada a direção. Adiantam-se outras tantas braças e recomeçam o balizamento ... E de lance em lance, vão bater no pau em que está situada a jandaíra. Nele botam o ouvido, auscultando-o com pequenas batidas e chegam a "diagnosticar" se é de morada velha, se está gorda ou magra. As pobres de mel são chamadas magras, tanto assim que o enxu9, em certa época do ano que tem pouco mel e abundante ninhada de larvas, serve de comparação aos indivíduos de família numerosa: "Fulano tem fio que só enxu magro" ...
A diligência é naturalmente facilitada ou dificultada pela maior ou menor identificação do homem com o seu mundo - a flora melífera, sua distribuição nas redondezas, épocas de flor ação, pontos de bebida, hábitos das diferentes espécies, etc.
Os mais curiosos conhecem tím-tím por tim-tim o mundo que os cerca.

Sabem de cor as madeiras que se apresentam mais freqüentemente ocadas - a imburana, a catingueira e o cumaru - morada das nossas abelhas silvestres. E a literatura oral comprova essa preferência:

Xiquexique é pau de espinha,
Imburana é pau de abelha;
Gravata de, boi é canga,
Paletó de negro é peia" ...

Nada distingue a indumentária do caçador de abelhas do sertanejo comum. Apenas, em trabalho, nunca se aparta do seu instrumento de corte e destruição - a foice - e da clássica cabaça-de-colo10  (ou de pescoço) alçada em embiras, em que recolhe o mel de sua rapina.

Notas:
1 - Rua - o sertanejo assim designa o povoado, a vila ou a cidade mais próxima donde reside.

2 - Meizinha : remédio caseiro da medicina popular.
3 - Dar obra : dizem para significar que uma matéria-prima pode ser aproveitada na manufatura de alguma utilidade.
4 - Boca-torta : vespídeo social (Polybia occidentalis OLiv.).
5 - Lançar : vomitar.
6 - Areado : perdido, desnorteado.
7 - Em carta de 7 de março de 63, o Dr , Paulo Nogueira Neto nos informava: "Infelizmente as pesquisas que estou realizando, juntamente com o biologista Renato Jaccoud, sobre o mel tóxico, ainda não chegaram a sua conclusão. Penso que os casos graves de intoxicação sejam devidos ao
néctar de uma planta, que ainda. não conseguimos localizar. Mas não estamos longe disso. Quanto aos casos de simples tontura (embriagues) parece mais difícil descobrir a causa. Possivelmente também seja alguma planta a responsável ou em alguns casos, uma tendência diabética. Certo tipo de intoxicação, com diarréia, etc., está sendo estudado farmacologicamente pelo Dr. Domingos Valente. Ele escreveu um artigo a esse respeito, sobre experiências com material que lhe fornecemos".
8 - Barreiro : pequena barragem; em ordem crescente de grandeza visual há o ambó, o barreíro, o açudeco e o açude.
9 - Enxu : vespa social que nidifica nos ramos das árvores.
10 - Cabaça-de-colo (ou de pescoço) : Cucurbita ingenaria Linn, da família das cucurbitáceas


Fonte :  Rastejadores de Abelhas / Oswaldo Lamartine de Faria  in Tipos e Aspectos do Brasil. - Departamento de Documentação e Divulgação Geográfica e Cartográfica / Instituto Brasileiro de Geografia / Fundação IBGE. - Rio de Janeiro, 1970


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