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Tipos Regionais do Nordeste
Colhedores de Cocos
Não é sem razão que o professor Mário  Lacerda de Melo, em seu excelente ensaio,  Pernambuco - Traços da sua Geografia  Humana (Recife 1941), ao particularizar  vários tipos humanos ligados à vida agrícola e  econômica local, distingue entre os mais  característicos a curiosa atividade do trabalhador especializado na colheita do coco, salientando a sua destreza, comparável a do  mono, ao subir nos coqueiros, com ou sem  auxílio de "peia".

Predominando em grande extensão da nossa  orla marítima, o coqueiro (Cocos nucifera L.) Impõe-se, principalmente, desde o litoral dos Abrolhos, na Bahia, até a costa maranhense, como elemento formador do conjunto fitogeográfico mais característico da região.
Além do seu intrínseco valor econômico, é a bela palmeira virente, expressivo ornamento da paisagem praieira, que ali se ostenta garbosa e luxuriante, despertando o veio inspirativo de quantos artistas, escritores e viajantes hajam perlustrado aquelas paragens. Samuel Kidder conta o prazer com que sorveu na ilha de Itamaracá a água de coco verde à sombra do próprio coqueiro, regalo que lhe foi oferecido a título de sobremesa. Esse arguto viajante não se esqueceu de minudenciar no seu relato que os cocos foram colhidos por um homem que escalou naturalmente, desajudado de qualquer instrumento, um alto coqueiro. Tal espécie de planta está, pois, tão radicada à região, que o hino oficial do mais importante estado do Nordeste se inicia por estes versos:

"Salve, terra de altos coqueiros!
Pernambuco, imortal, imortal!"  
Colhedores de Coco
Colhedores de Coco - Ilustração de Percy Lau
É nesse ambiente geográfico e cultural que moureja o rústico trabalhador litorâneo, focalizado na ilustração. Função árdua e, até, perigosa é a do "trepador de coqueiro" ou "tirador de cocos".
A atividade da colheita do coco é praticada de três maneiras: Quando o coqueiro não é ainda desenvolvido, a sua colheita se faz por meio de uma vara em uma de cujas extremidades se adapta um ferro curvo e bem cortante, que cerceia o talo dos frutos, provocando-lhes a queda, sem danificar as folhas. Uma vez por ano torna-se indispensável que o "trepador" suba ao coqueiro para lhe fazer a "limpeza" da copa, livrando-a das folhas, dos "cangaços" ou "capembas", - termos usados em Pernambuco e adjacências para designar o grosso modo, a espata, o jericinó que é a capsula ou cálice que envolve a inflorescência; a espadice ou "cacho"; o tecido fibroso, semelhante à estopa grosseira, que sustenta a bainha; o  estipe ou tronco da árvore; e o pecíolo da palma cortada na colheita precedente. Em Sergipe, onde predomina o coqueiro, são tais peças assim denominadas, na ordem em que estão colocadas: "quibaca", "engaço", "paneiro" e "garra", não se conhecendo o termo geral usado em Pernambuco.
Sendo comum no Nordeste a subida no coqueiro com o auxílio de um aparelho ali denominado "peia", o agrônomo José Pereira de Miranda, técnico do Ministério da Agricultura, em Sergipe, a quem devemos o obséquio de completa e interessante contribuição a esse respeito, atesta com a sua autoridade de especialista, que os bons "tiradores" não usam "arreios". Sobem "no braço", por ser mais rápido. Para isso, é necessário que o "tirador" seja indivíduo forte. Tais informações embora decorrentes de observações locais, não se referem à colheita dos seculares coqueiros, cuja haste ou tronco tão grande altura atinge (cerca de 40 metros), que por vezes, se verga e se entrelaça, ao sabor do vento, com as copas de outras plantas do seu porte. Constitui isso belo espetáculo, comum nos velhos coqueirais nordestinos. O depoimento do agrônomo Pereira de Miranda registra mais essa modalidade da colheita do coco, isto é, "no braço", maneira essa que permite maior rendimento de trabalho, visto que, enquanto munido de "peia", o "tirador" tem capacidade para subir em 80 coqueiros diariamente, "no braço", embora excepcionalmente, pode escalar 150 pés, dependendo o rendimento de trabalho do estado de "limpeza" em que se encontra a palmeira.

Entretanto, no Nordeste, a espécie característica mais vulgar desse tipo de trabalhador é aquele que sobe ao coqueiro com o auxílio de um instrumento que, conquanto em alguns lugares seja denominado "aparelho" ou "arreio", naquela região é geralmente conhecido pelo nome de "peia". Podendo ser feita de várias fibras, de palha de dendezeiro, ou da própria folha do coqueiro, ou, ainda, de couro de boi, a "peia", é como  instrumento de trabalho indispensável ao "trepador" profissional, objeto de especial cuidado por parte do seu dono, que a mantém sempre em boas condições de funcionamento. De resto, como observa Souza Barros, há sempre da parte do povo extremo capricho em fabricar e conservar os seus instrumentos de trabalho, sendo para notar o brilho com que exibem os cabos dos relhos, das facas e as "cabeçadas" dos arreios de montaria, etc.

A "peia" é constituída de duas partes: a "correia" e a "tamanca", funcionando ambas alternadamente enlaçados no coqueiro. Enquanto na "correia" o trabalhador pendura a perna esquerda, apoiando-se na altura da coxa, na segunda, que é um pouco menor (cerca de 20 centímetros), apóia a planta do pé direito, fazendo funcionar com as mãos aquelas duas peças enlaçadas ao coqueiro, para o galgar mediante espécie de degraus de corda que se deslocam com o próprio corpo.

Depois de bem ajustar a "peia" ao tronco, principia o trabalhador a sua tarefa, levando sob o cinto, na altura dos rins um facão ou uma foice. Há regiões de coqueirais onde só se usa a foice, como no Nordeste, e noutras onde predomina o facão. É fora de dúvida, porém, que qualquer desses instrumentos deve ser afiadíssimo, de forma que permita cortar uma folha ou o pedúnculo do cacho, lenhoso por natureza, de um só golpe. Uma vez no ápice da palmeira, com um braço fortemente enlaçado ao tronco, maneja o "tirador", com o outro, o seu instrumento cortante, pondo abaixo frutos, folhas e "cangaços".

Os "tiradores" ou "trepadores", dada a natureza árdua do serviço, são dotados de braços e pernas musculosos, parecendo que os que exercem a profissão, desde jovens, como observa Pereira de Miranda, dão a impressão de que possuem braços fora do comum.

Constituindo atividade que exige intrepidez e especialização a de subir o coqueiro "no braço" ou com "peia", só os indivíduos de muita resistência física se entregam a tão arrojada tarefa, no desempenho da qual, sem contar os perigos naturais, como seja o caule molhado e escorregadio, o trabalhador terá que se defender, uma vez por outra do "piolho de cobra", da "centopéia" do maribondo e da formiga, os quais costumam aninhar-se na copa do coqueiro. Essa espécie de operário rural, geralmente, recebe por unidade de coqueiro desfruta de a paga do seu trabalho, porquanto só excepcionalmente pode dedicar-se a um coqueiral inteiro, com ordenado mensal ou diária fixa. Dada a maneira mais ou menos nômade com que exerce a sua profissão, sendo constantemente visto de "peia" às costas, de coqueiral em coqueiral, à cata de serviço, vem-lhe a popularidade na zona onde labuta.

Há poucas fazendas ou sítios onde não se faz a colheita nas condições mencionadas, preferindo seus proprietários que sejam apanhados os frutos naturalmente caídos. Grande é o perigo que daí decorre para quem transita pelos coqueirais, e já se tem registrado casos fatais, como o de um general holandês que perdeu a vida quando, descansando à sombra de um coqueiro, foi atingido por um fruto que do alto se desprendera.
Já no domínio do folclore, quero rematar a presente crônica ou simples comentário com o relato de uma lenda (digo lenda por não haver encontrado confirmação testemunhal), segundo a qual, estando certos "tiradores" na copa de coqueiros muito altos, cortam duas folhas, que põem sob cada um dos braços, e, com essa espécie de para-quedas, se lançam no espaço, chegando incólumes ao chão. Pereira de Miranda acredita que essa lenda não passa de um símbolo da coragem e temeridade dos humildes trabalhadores dos coqueirais imensos das nossas formosas praias. 


Fonte :  O Colhedor de Cocos / Carlos Pedrosa in Tipos e Aspectos do Brasil. - Departamento de Documentação e Divulgação Geográfica e Cartográfica / Instituto Brasileiro de Geografia /Fundação IBGE. - Rio de Janeiro, 1970


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