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De
simples peão passa a vaqueiro - título e cargo dos quais tanto se
orgulha, por lhe conferir honrosa posição de relevo na pequena
sociedade rural sertaneja. Quando lhe cabe administrar a fazenda do
patrão citadino, tem direito à posse de parte do rebanho sob sua
guarda, sendo proverbial a honestidade do vaqueiro na administração dos
bens alheios.
É a existência desta figura estóica de vivente uma intensa e perene luta. Muitas vezes, na fainaprofissional, montado em seu cavalo pequeno, magro e resistente como ele próprio, fica horas afio imóvel, desajeitado e recurvo sobre a alimária, olhando a paisagem cinzenta e monótona, enquanto a gadaría pasta molemente a vegetação ressequida dos "gerais". Doutra feita, toda a sua habilidade se transmuda em atividade, energia, ação. É quando, reconduzido o gado à fazenda, acontece, espantada pelo encontro imprevisto com uma seriema assustadiça ou um caititu que descuidado sorvia as gotas últimas de uma "ipueira", transmalhar-se-lhe uma rês. Retesa-se rápido o deselegante cavaleiro e dispara caatinga a dentro, numa correria desenfreada, retilínea, tudo levando de vencida: tal como as investidas brutais do tapir ou a debandada às cegas, das em as fugazes. Deitado rente ao dorso da cavalgadura e protegido, da cabeça aos pés, pela sua roupagem de couro, lá se vai o bravo vaqueiro, quebrando e estalando a seca e contorcida galharia na perseguição tenaz do animal desgarrado. E só cessa esta insensata, mas corajosa disparada, ao trazer de novo a rês à sua tropa. A fim de - nas arremetidas caatingas a dentro, no encalço das reses fugitivas, ou, varando-a freqüentemente em viagem - proteger-se dos espinhos acerados dos arbustos, dos cardos e das demais pontas agressivas da vegetação inextricável, usa o vaqueiro uma verdadeira armadura de couro. Descrevamo-la com as palavras do próprio Euclides. "As vestes são uma armadura. Envolto no "gibão" de couro curtido, de bode ou de vaqueta, apertado no colete também de couro; calçando as perneiras, de couro curtido ainda, muito justas, cosidas às pernas e subindo até as virilhas, articuladas em "joelheiras" de sola; e resguardados os pés e as mãos pelas "luvas" e "guarda-pés" de pele de veado - é como a forma grosseira de campeador medieval desgarrado em nosso tempo. Esta armadura, porém, de um vermelho pardo, como se fosse de bronze flexível, não tem cintilação, não rebrilha, ferida pelo sol. É fosca e poenta. Envolve o combatente de uma batalha sem vitória ... " Interessante é comparar-se esse tipo nordestino com seu irmão do Sul - o gaúcho dominador da campanha. Esses dois tipos tão diferentes, que se agitam em duas paisagens tão desiguais, ambos têm no cavalo um colaborador precioso, valendo, no entanto, mais o "pingo" para o gaúcho que o enfeita, trata, acaricia e não dispensa, do que o "quartau" magro, resignado e encourado, para o vaqueiro sertanejo. O gaúcho é combativo, impulsivo, exuberante; o seu irmão nordestino não é combativo, mas combatente; não é impulsivo e sim calculista; não tem a palavra e o gesto largos; é lacônico e retraído. Só se assemelham quanto ao gênero de vida, aos sentimentos de liberdade e de honra, quanto à probidade: o "rodeio" sulino, a "disparada" do gado pelas planícies sul-rio-grandense, têm correspondência com a "vaquejada", a "pegada" do boi, o "estouro-da-boiada" nordestinos. No Sul, o "rodeio" é a festa preferida onde se exibem e realçam os cavaleiros mais destros, domando o potro bravio; no Nordeste, a "pegada" do boi reúne os vaqueiros numa porfia doida de segurar o animal arredio. A "vaquejada" é a reunião no "redeador" - lugar escolhido para o ajuntamento - da gadaría das fazendas circunvizinhas, para a marcação e aparteamento do gado. Terminada a faina, cheia de peripécias, lá se vão as boiadas a caminho das fazendas, acalentadas pelo canto monótono, saudoso, triste e distante: o "aboiado". As lides da "vaquejada", da "pegada" do boi; a "arrancada", "arribada" ou "estouro-da-boiada"; os raros folguedos, onde estalando as alpercatas dança o vaqueiro o sapateado; os desafios de viola, onde dão largas ao seu gênio de poeta repentista - são os únicos instantes de movimento, de vibração, de vida, na existência paupérrima e monótona deste heróico e honesto tipo sertanejo.
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