Nas
grandes festas do catolicismo (que adotaram, apesar de originariamente
fetichistas, por meio de curioso sincretismo religioso), principalmente
nas tradicionais procissões e romarias do Senhor do Bonfim, ostentam
indumentária riquíssima e extremamente complicada pela variedade enorme
de peças e multiplicidade de adereços. Nesses dias exibem saias de beca
plissadas à mão; batas rendadas; "camisas de tecido
finíssimo,
primorosamente bordadas"; compridos xales multicores de pano da costa.
"Por cima das muitas saias-de-baixo, de linho alvo" (gastam cerca de
dezesseis metros de fazenda na confecção das mesmas), "a saia nobre,
adamascada, de cores vivas". Na cabeça "torsos de seda" (a rodilha ou
turbante muçulmano) "de gorgorão preto", tecido branco ou de cores
gritantes; "chinelinhas de veludo, lavoradas a canutilho de ouro" na
ponta do pé. Quanto aos adereços e pingentes trazem atravessados nas
orelhas argolões de ouro; no pescoço, colares de contas brilhantes, de
miçangas, de búzios, com a indispensável e mística figa de guiné,
amuleto contra o "mau-olhado", nos dedos, nos pulsos, nos braços, "até
quase nos cotovelos ... uma profusão incrível de jóias custosas. Além
do molho volumoso de balangandãs - berloques, tetéias, bugigangas de
ouro, de prata, de azeviche... - pendurado à cintura", como descreve
Silva Camões.
É realmente uma figura singular e pictórica. Na
gravura vemo-la no desempenho da sua atividade principal: o comércio de
quitutes. Sentada diante do seu tabuleiro transportável, é encontrada
vendendo os seus preparados saborosos, feitos segundo a receita
africana que trouxe da terra natal ou lhe foi transmitida pelas
gerações: guloseimas, nas quais a pimenta e o azeite de dendê são os
condimentos mais freqüentes. O "acarajé" e o "abará" figuram, no
tabuleiro, como pratos principais, seguidos do "vatapá", do "caruru",
da "canjica", do "tutu", do "cuscuz" etc. etc.
Doceiras exímias, aí
também são encontrados a "cocada", o "pé-de-moleque", o
"doce-de-gengibre" etc. etc., sem esquecer o bolinho de tapioca assado
na grelha, ao lado do tabuleiro.
A baiana nem sempre foi assim
livre, independente, alegre e jovial, tal como a apresentamos. Ela tem
longa e triste história; a adversidade somente há meio século deixou de
a acompanhar com o seu cortejo de amarguras. Sua raça, seus hábitos e
costumes, sua indumentária e atividades nos evocam o sombrio e doloroso
episódio da colonização - a escravidão negra.
Com a Abolição
passou de vez da "senzala" para a "casa-grande", onde então continuou a
exercer tão somente os misteres maternais de "ama-de-leite", de segunda
mães dos filhos do "senhor-de-engenho".
Com a gradativa
transformação dos nossos costumes familiares a velha mucama "veio para
a rua", onde, gozando a liberdade "embora tardia" que lhe fora dada,
passou a viver por conta própria, ganhando a vida, independente, mercar
diante do clássico tabuleiro os saborosos quitutes e guloseimas. Antes
mesmo da libertação, conseguida a "carta de alforria", já se dedicava a
esse gênero de vida autônoma, quando não preferia, mesmo "forra" ...
trabalhar para o antigo "senhor", o que acontecia na maioria das vezes.
|
|
|
Quando
na casa-grande, influi bastante nos costumes da família
baiana, ora introduzindo na sua culinária pratos africanos, ora
assistindo, desde o berço à formação dos novos membros da grande
família patriarcal e ora atendendo a mil reclamos diversos como serva
solícita.
Hoje em dia, a popular negra baiana é uma
sobrevivência da carinhosa "mãe-preta", da prestimosa e utilíssima
"ama-de-leite", dos nossos pais e avós.
Traje da Baiana
No
Bahia, no Rio de janeiro, no Recife, o traje africano, de influência
maometana, permaneceu longo tempo entre os negros. Principalmente entre
as negras doceiras e vendedoras de aluá. E, hoje, como traje típico das
baianas, com seus tabuleiros de comidas típicas, em Salvador, ou em
ritos e festas religiosas. |
|
|