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Foi
na localidade piauiense de Pedro II que encontramos o fabrico da rede
de dormir numa de suas formas mais típicas. Localizada na zona central
do estado, dista cerca de 50 quilômetros da rodovia Fortaleza-Teresina,
eixo central de tôda a circulação rodoviária da região. Fica um tanto à
margem da circulação - um fundo de saco - nos dias atuais o que
equivale dizer que pedro II tem-se mantido isolada até bem pouco. Sua
fama de produtora de redes é conhecida no Nordeste e ainda
que do
artesanato não resulte substancial atividade econômica, ele é ativo e
movimenta a vida local. A primeira vista nada in dica ao forasteiro a
existência dessa atividade, mas um contato mais cuidadoso revelará a
faina a que estão entregues dezenas de mulheres em seus casebres de
barro, chão batido e cobertos de folha de palmeira. É a fazedeira de
redes da terra, bem nordestina, guardando em seus traços a lembrança
indígena; logo à entrada, à guisa de sala, na branca parede de adobe,
encosta o tear: um simples retângulo de madeira - pau d'arco -
encaixada, tendo mais largura do que altura. Da trave superior,
horizontal, desce o fiame da urdidura. De pé, a artesã executa o
trabalho, tecendo de baixo para cima - detalhe que lhe confere origem
indígena. A meia altura do urdume passa o liço, fio em trama frouxa
aparentando franja, liga os fios, ora os da frente, ora os de trás. Por
aí a rendeira tem os fios separados e por entre eles, trabalhando
agilmente com as mãos corre o fuso, transversalmente à urdidura. Da
extremidade, volta, não sem antes bater o fio recém-tramado com o facão
para dar consistência ao tecido. A espetadeira, vara dotada de pontas
metálicas, mantém distendido o pano da rede já pronto.
Como as lides caseiras apelam para ela, amiúde abandona o tear e por isso demora até dez dias para concluir o pano da rede. outras, trabalhando regularmente disseram fazer uma rede em dois dias. Tão logo tecem o pano, cuidam do acabamento ou guarnição: nas extremidades vai o cardame que forma o punho da rede e o careu por onde ficará pendida: na lateral as franjas miúdas prendem a varanda. Para isso precisa muito cuidado: o desenho do bordado da varanda e seu acabamento são importantes, valorizam a rede. Finalmente, pronta a rede ou as redes aguarda o sábado - é o dia da feira. Na praça um grande tamboril, copado, cuida como bom guardião, do êxito nos negócios. Cedo estará lá. Desde véspera estarão chegando as pequenas tropas de jegues, arqueados pelo peso dos surrões e bruacas, repletos de arroz, farinha, café em grão, cerâmica e também novelos de fios vindos de Sobral e Fortaleza. A feira transforma a cidade: a pacatez que lhe deu aspecto desértico durante a semana desaparece. Na praça, à sombra do tamboril imenso o povaréu negocia, as crianças brincam e as moças passeiam vestidas à domingueira. As rendeiras salientam-se, dão nota à feira. Vestido estampado, vermelho ou amarelo, pé no chão e, sob os braços ou sobre a cabeça, as redes. Oferecem de vários tipos: a de fio de caroá, tapuerana, coentro, de linha ou a popular. O preço é variável, as de linha ou tapuerana são mais caras, mas também o preço é sensível à lei da oferta e da procura. Ao fim da feira, por volta das 12 horas, uma popular pode ser adquirida por 400 cruzeiros. O regateio do freguês é obrigatório na compra: abre a rede, cuida da trama, repara na varanda, calcula o peso, pois deve ter levado, no mínimo, 12 rolos de fio na sua feitura. A rendeira não perde tempo, o negócio faz parte do seu trabalho e trata de convencer o freguês, muitas vezes um motorista de caminhão que as leva para revenda em Fortaleza. Feito o negócio, apurada a féria, compra mantimentos e fio para outras redes e também vai até a tenda das novidades: sobre tosca mesa, uma variedade de artigos de matéria plástica, anéis, brincos, imagens, perfumes e outras bugigangas, tudo num conjunto de vivo colorido que a encanta e atrai a vaidade feminina ... O fim da feira é melancólico. Os jegues carregados de mantimentos, tangidos, vão abandonando o local. Nos bares alguns permanecem alegres pela aguardente. O local vai ficando deserto e a cidade volta à rotina pacata e calma. A fazedeira de redes, já a caminho do seu casebre, vê passar mais um dia de festa, agora é preparar outras redes para outras feiras. Com os rolos de fio que comprou ou trocou está pensando no trabalho que a espera: é preciso desfiar, tingir e preparar cordéis na carretilha para os punhos, armar o urdume no tear e recomeçar o trabalho pois desta vez ela tem uma encomenda. Uma de linha esterlina branca, que lhe pode valer três mil cruzeiros. |
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