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O
vaqueiro é intrépido, bravo, audacioso, ágil e forte. Sabe montar com
destreza e vive em correrias desenfreadas atrás dos bois, penetrando às
vezes no mato fechado por onde muito mal passou o garrote bravio.
No curral ou no campo laça o touro de longe e nas vaquejadas, em louca disparada, derruba o novilho pela cauda, num golpe audacioso e rápido, conquistando os aplausos de toda a assistência. Daí as lendas, as histórias e as cantorias do sertão sobre a coragem e as façanhas dos vaqueiros. Até as vaquejadas são descritas com um colorido bem forte de entusiasmo e intrepidez, onde se procura a cada momento e a cada lance salientar o valor dos nossos destemidos vaqueiros. E é, realmente, um espetáculo digno de admiração e louvor, que arrebata os mais vibrantes aplausos dos espectadores. O tangerino não anda vestido de couro nem sabe montar. Traja sempre roupa comum, chapéu de palha de carnaúba, alpercatas, chicote, trazendo às costas a rede dentro de um saco de couro e os utensílios para preparar as suas refeições. Em seus trajes característicos e sua vida nômade, assemelha-se a um cangaceiro desarmado. Anda mais de um mês a pé em cada viagem, conduzindo de muito longe as boiadas para as feiras de gado, enfrentando a terrível soalheira que asfixia e que queima a terra, transformando aquela região num inferno de brasas. E chega coberto de poeira das estradas, estropiado, sujo, barba e cabelos crescidos, às vezes esfomeado, parecendo mais um bicho do que um homem. Dorme no mato ou nos currais das fazendas, onde arma a sua rede, que nunca foi lavada, enquanto o gado fica pastando. Mal surge, porém, a madrugada, ei-lo novamente a caminho, cruzando estradas, atravessando rios, matas, serras e montanhas, viajando muitas vezes à noite para alcançar um pouso melhor, onde os animais encontram água para saciar a sede de uma viagem de muitos dias sem descanso. Quando um dos bois está estropiado pelos espinhos, o tangermo calça-lhe umas alpercatas especiais, aliviando o sofrimento do pobre animal, que agora já pode suportar a longa caminhada. E se sucede uma rês se extraviar do bando, o tangerino não se inquieta. Ele conhece todos os recantos do sertão e as manhas que esses bichos têm. Sabe onde a rês se escondeu ou onde ficou perdida. E vai certo ao seu encalço. Quando o boi é bravio, o tangerino coloca-lhe uma máscara de couro ou, então, amarra-lhe um pau no pescoço, deixando uma das extremidades tocar no chão, dificultando, dês te modo, o movimento do animal, que é obrigado a andar devagar. Para tudo o tangermo encontra um jeito, contanto que a boiada chegue sem novidades ao seu destino. Ele sabe também o mato que o gado não deve comer e aquele que serve de remédio. E com aquela sua cantilena característica, aqueles gritos prolongados e monótonos que reboam pelas quebradas das serras, o tangerino vem trazendo de muito longe as boiadas para as nossas feiras, ganhando por esse serviço, tão árduo e perigoso, salário insignificante. Quando as feiras terminam ao cair da tarde, ei-lo de volta para as fazendas do Ceará, do Piauí, da Bahia ou de paragens mais longínquas, em busca de novas boiadas, percorrendo a pé centenas de léguas, numa faina para ele tão simples e comum, mas que encerra um mundo de sacrifícios. No Brasil já se ergueram estátuas em homenagem ao cavalo, ao boi e ao cão. Ninguém se lembrou ainda de perpetuar no bronze a figura admirável do tangerino. A ele não devemos apenas o desenvolvimento de nossa pecuária e o abastecimento de carne verde à população. Foi o tangerino no tempo do Brasil colônia, no chamado século do couro, o desbravador dos nossos sertões, para onde depois chegaria o progresso da agricultura, da indústria e do comércio. As atuais estradas de rodagem, ligando povoações e vilas, cidades e estados, o litoral ao sertão, foram caminhos abertos por eles nas matas e serras para a passagem primitiva do gado. E dos antigos currais de gado nasceram cidades. Foi, na verdade, pelos roteiros das boiadas, pelos caminhos abertos pelos tangerinos, que penetrou primeiro a nossa civilização. |
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